Emprego nas renováveis cresce a pique com solar a brilhar. E os “fósseis”?
Só na indústria solar, depois de um crescimento de 30% no número de trabalhadores na UE, espera-se que, até 2030, sejam criados mais 3,5 milhões de empregos.
O setor das energias renováveis já empregava 12,7 milhões de trabalhadores em 2021, mas a tendência é crescer “substancialmente”, com o segmento da energia solar a ganhar protagonismo em Portugal e no resto do globo. Só no ano passado, na União Europeia, a indústria solar cresceu cerca de 30%, o equivalente a 600.000 novos empregos. Para trás, começam a ficar os empregos na indústria dos combustíveis fósseis.
Uma questão dentro da qual Portugal tem alguns exemplos paradigmáticos, após o encerramento das centrais do Pego (da Endesa) e de Matosinhos (Galp), em torno dos quais agora se discutem as almofadas de apoio aos trabalhadores. Mas, de acordo com as recrutadoras e especialistas consultados pelo Capital Verde, a onda de emprego nas renováveis pode de facto ser “apanhada” por grande parte destes trabalhadores, ou porque as capacidades se adequam, ou com o recurso à formação.
Em 2021, os empregos em energias limpas aumentaram, atingindo um máximo histórico de 12,7 milhões de empregos, indica a REN 21. A indústria de painéis fotovoltaicos mantém-se a maior empregadora, com 4,3 milhões de trabalhadores, seguida da bioenergia, com 3,4 milhões. A energia hídrica emprega 2,4 milhões e a eólica dá trabalho a 1,4 milhões. A esmagadora maioria destes empregos localiza-se no continente asiático, onde estão dois terços do total. As Américas captam uma fatia de 21% e a Europa apenas 12%.
Este é o cenário recente, mas a expansão do fabrico de energias renováveis e a sua implementação deverão conduzir a um “crescimento de emprego substancial no setor” nos próximos anos, lê-se no relatório Economic & Social Value Creation apresentado esta quarta-feira pela REN 21, um grupo internacional focado em renováveis que conta com membros da comunidade científica, governos, organizações não-governamentais e indústria.
Indústria solar é a que mais recruta em Portugal
Na União Europeia, o emprego no segmento da indústria solar cresceu cerca de 30% em 2022, o equivalente a 600.000 novos empregos. No entanto, para atingir os objetivos do programa RepowerEU será necessária a criação de cerca de 3,5 milhões de postos de trabalho entre 2022 e 2030, estima o relatório da REN 21.
Em Portugal, a energia solar fotovoltaica é de momento “o setor que mais recruta no âmbito das energias renováveis”, afirma Pedro Prata, associate manager da Michael Page, que destaca a eficiência energética também como “uma área em enorme expansão” no país. Caso se concretize a instalação dos dez gigawatts (GW) previstos para o primeiro leilão eólico offshore, poderão ser criados cerca de 95 mil postos de trabalho diretos, e outros 95 mil postos indiretos em Portugal, indicou Marco Alves, CEO do centro de investigação português Wavec Offshore Renewables ao Capital Verde.
De acordo com números partilhados com o Capital Verde pela diretora executiva do REN21, Rana Adib, em 2021 a biomassa empregava 12.400 pessoas em Portugal, a energia hídrica contava 8.072 trabalhadores e o setor fotovoltaico e eólico somavam, respetivamente, 7.600 e 5.700 colaboradores.
A transição energética está projetada para resultar num ganho líquido global na empregabilidade, com mais postos de trabalho a serem criados ao potenciar a capacidade de energias renováveis do que aqueles que são perdidos com a eliminação progressiva de energias fósseis.
Mas não é só na Europa. Nos Estados Unidos, o programa Inflation Reduction Act deverá criar 5 milhões de empregos em energias limpas. No Canadá, espera-se a criação de mais 640.000 empregos até 2030, também na sequência da lei do clima do país. Mais a Este, a Associação das Nações do Sudoeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês), projeta 1,3 milhões de postos de trabalho adicionais no final da década, mais de metade na indústria solar.
Já em 2050, estima-se que surjam cerca de 42 milhões de vagas destinadas ao setor das energias renováveis, segundo o “Global Renewables Outlook” da IRENA – Agência Internacional pela Energia Renovável, citados pelo diretor de Clientes Corporativos do ManpowerGroup, Pedro Amorim.
E como ficam os empregos “fósseis”?
“A transição energética está projetada para resultar num ganho líquido global na empregabilidade, com mais postos de trabalho a serem criados ao potenciar a capacidade de energias renováveis do que aqueles que são perdidos com a eliminação progressiva de energias fósseis”, garante o REN 21, no respetivo relatório.
Uma visão partilhada pelo gestor da Michael Page. “A criação de empregos nas energias limpas pode compensar parcialmente essa perda [de empregos nas indústrias fósseis]“, defende, pois as energias renováveis tendem a ser mais intensivas em mão de obra na fase de instalação e manutenção, enquanto a exploração de combustíveis fósseis muitas vezes requer um número significativo de empregos nas fases de extração e processamento.
O REN 21 reconhece que “a perda de empregos na área dos combustíveis fósseis não está necessariamente ligada no tempo ou geografia à criação de emprego em energias limpas”, mas aponta que alguns governos estabeleceram fundos para que os trabalhadores do setor fóssil adquirissem as capacidades necessárias para integrar atividades renováveis. Aliás, apesar de não haver uma relação necessariamente direta, cerca de 70% dos empregos na indústria do petróleo e gás – um total de 22 milhões em 2021 –, têm em comum as capacidades necessárias para os empregos de baixo-carbono, indica o mesmo estudo.
Pedro Prata realça que os trabalhadores das indústrias fósseis “são altamente qualificados e confortáveis em níveis de exigência elevados e projetos técnicos desafiantes”, pelo que lhes reconhece “uma forte capacidade de resiliência e adaptação ligada a uma expertise de base técnica”, e vê-os como uma possível solução para o incremento de mão de obra qualificada nas renováveis. Em alguns casos, as capacidades podem ser transferíveis e se coadunar facilmente, enquanto em outros casos, pode haver a necessidade de requalificação ou adaptação.
A transição dos trabalhadores das indústrias fósseis para o setor de energias renováveis depende das capacidades e habilidades específicas adquiridas na indústria fóssil e das necessidades do setor de energias limpas. As capacidades podem ser transferíveis facilmente, como é o caso dos trabalhadores com habilidades em construção, engenharia, logística, gestão de projetos e manutenção, que podem encontrar oportunidades em setores como energia solar e eólica, exemplifica Pedro Prata.
Já as capacidades de engenharia ligada à atividade petrolífera podem ser úteis na indústria geotérmica, e que engenheiros químicos podem aplicar o seu saber na produção de hidrogénio, acrescenta Rana Adib. O conhecimento adquirido em explorações de petróleo no mar pode ser usado em projetos de eólicas no mar, mas também em projetos de captura e armazenamento de carbono. Noutros casos, pode haver a necessidade de requalificação, por exemplo, para os técnicos de extração de combustíveis fósseis, indica Pedro Prata.
De acordo com o diretor de Clientes Corporativos da ManpowerGroup, “não será possível responder a essas necessidades [de energias renováveis] apenas com talento externo”, pelo que “as empresas terão de apostar numa estratégia de construção do talento que capacite os seus atuais colaboradores”. “Fazer a transição de uma indústria fóssil para o setor das indústrias renováveis é, atualmente, um desafio estratégico para as organizações e para governos, sendo um processo gradual e a longo prazo”, conclui.
Assim, “o sucesso da transição energética depende da formulação de políticas públicas adequadas, que incentivem o desenvolvimento das energias renováveis e, ao mesmo tempo, apoiem trabalhadores que enfrentam mudanças na sua área de atuação”, acrescenta o representante da Michael Page. Programas de requalificação, apoio ao empreendedorismo sustentável e ações para mitigar os impactos sociais negativos “são essenciais”, do ponto de vista do mesmo, para tornar a transição “uma oportunidade de desenvolvimento económico e social”.
Matosinhos ainda sem resposta para os ex-trabalhadores
Por cá, a transição, aos olhos dos trabalhadores despedidos na altura do fecho da refinaria da Galp em Matosinhos, não tem sido “justa e suave” como prometido, e como o Capital Verde relatou em reportagem. Mais recentemente, esta situação tem voltado a ser discutida nas salas da Assembleia da República, já que o subsídio de desemprego está perto do fim para muitos dos ex-trabalhadores e ainda não estão a decorrer as prometidas formações que deveriam abrir novas portas no mercado de trabalho.
“A forma como entendemos a transição justa é muito diferente do que aconteceu em Matosinhos“, afirmou a secretária de Estado da Energia, Ana Gouveia, esta quarta-feira, em mais uma audição sobre este tema. A mesma repetiu a afirmação do ministro, Duarte Cordeiro, de que o fecho foi uma decisão “unilateral da Galp” e que “o Governo não concorda”. “O fundo de transição justa é um instrumento novo e teve dificuldades de concretização”, disse, em jeito de justificação para os atrasos, em linha com a versão apresentada anteriormente pela presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, Luísa Salgueiro.
Ainda na audição desta quarta-feira, Ana Gouveia destacou pela positiva o exemplo da central do Pego, onde, no seu entender, se procurou dar previsibilidade aos trabalhadores quanto ao seu futuro.
A Endesa, que ganhou o concurso e tem agora a tarefa de dar uma nova vida à central, dá conta que terminou no dia 18 de julho o segundo curso técnico, gratuito, que está incluído no Plano Global de Formação da Endesa. Este capacitou os participantes para que possam assumir funções de técnico de instalações elétricas e fotovoltaicas, na vertente do autoconsumo.
Prevê-se a realização de oito edições (duas em 2023, quatro em 2024 e duas em 2025) com capacidade para 25 pessoas por edição.
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