Juiz do caso BES diz que condenação é o “mais provável” devido à “prova assoberbante”
O juiz defendeu que os requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos arguidos e a prova por si apresentada revelaram-se incapazes de contrariar a acusação do MP.
Atendendo à “natureza e dimensão da prova” que sustenta a acusação do Ministério Público (MP), sendo esta “verdadeiramente assoberbante”, conclui-se existir uma “maior probabilidade de condenação dos arguidos do que a sua absolvição”. A conclusão é de Pedro Correia, o juiz de instrução do chamado Ticão que, na segunda-feira, decidiu a ida a julgamento de 20 dos 25 arguidos do caso BES, onde se incluiu o ex-homem forte do banco e principal arguido, Ricardo Salgado. Porém, não será este o magistrado a julgar por uma condenação ou absolvição dos arguidos.
O ex-presidente do BES vai ser julgado pelos 65 crimes de que estava acusado, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento. Uma decisão instrutória que acontece nove anos após a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), que terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
Numa breve leitura da decisão instrutória, sem sequer enumerar os crimes em causa, o juiz Pedro Santos Correia validou quase na íntegra os crimes pelos quais os 25 arguidos vinham acusados. Introduziu apenas pequenas alterações, deixando cair alguns crimes de infidelidade em relação a três arguidos, por prescrição e lapso da acusação, e deixou de fora o arguido José Manuel Espírito Santo, que morreu entretanto.
“Ante a natureza e a dimensão da prova que sustenta a acusação (verdadeiramente assoberbante), conclui-se que a mesma se mostra, em si mesma, suficientemente indiciadora para, se reproduzida e sustentada em julgamento, se concluir pela maior probabilidade de condenação dos arguidos do que pela sua absolvição, critério que norteia a pronúncia ou não pronúncia dos arguidos”, escreve o magistrado, no seu despacho de pronúncia, a que o ECO/Advocatus teve acesso.
E acrescenta, explicando que, “do mesmo passo, os requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos arguidos e a prova por si apresentada revelam-se incapazes de contrariar a conclusão que acima se tirou, quer porque não infirmam o juízo probabilístico a que se chegou, quer porque manifestamente procuram discutir matérias que são objeto da fase de julgamento, como acima se deixou dito, não cabendo no âmbito da instrução nem sendo, aliás, aptas a contrariar a suficiência dos indícios existentes”.
Pedro Correia dos Santos, no mesmo despacho, lembra que o MP, depois de uma investigação que durou seis anos, sustenta a acusação deduzida “em inúmeros, extensos e diversificados elementos probatórios, consubstanciados em prova documental proveniente de várias jurisdições, prova resultante de inquirições de testemunhas e arguidos, de buscas, de interceções telefónicas, de correio eletrónico apreendido, de registos fonográficos pré existentes (gravações de sala de mercado, do Conselho de Supervisão), de plataformas de conversação instantânea – bloomberg, CPS, Citrix e de pareceres técnicos elaborados por especialistas, entre eles do Núcleo de Assessoria Técnica da PGR, assessores do BdP e da CMVM”.
A 5 de setembro de 20022, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) transferiu o processo das mãos de Ivo Rosa para Pedro dos Santos Correia, juiz auxiliar com apenas dois anos de experiência e que tinha sido recentemente colocado no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em substituição do recém juiz presidente da comarca de Lisboa.
A saída de Ivo Rosa deveu-se assim ao movimento de juízes, embora Ivo Rosa não possa ainda ser colocado na Relação, já que tem um processo disciplinar contra si pendente. Contactado pelo ECO, na altura, o CSM explicou que “neste caso, o senhor Juiz Pedro Correia manifestou vontade de preencher esta vaga de Auxiliar de substituição de titular, não tendo havido outros candidatos com classificação superior no que toca à antiguidade e ao mérito“, garantindo que “o presente movimento judicial ordinário dos Magistrados Judiciais foi realizado de acordo com os critérios legais constantes do disposto na Lei da Organização do Sistema Judiciário e do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ)”.
E foi precisamente este facto que levou o advogado de Amílcar Morais Pires, Raul Soares da Veiga, a dizer que a decisão de levar o seu cliente a julgamento “era expectável”, afirmando que o juiz foi colocado no processo para se atingir “um certo fim”. “Era muito expectável. Pelo modo como correu a instrução, outra coisa não era de esperar, porque a instrução não foi verdadeiramente respeitadora dos direitos de defesa. Designadamente à mudança do juiz”, disse Raul Soares da Veiga, advogado de Morais Pires, à saída do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), no Campus de Justiça, em Lisboa. Para Soares da Veiga, neste processo a justiça “esteve malíssima”, nomeadamente com a substituição de Ivo Rosa a meio da fase de instrução do processo, comentando que “nunca se viu isso”.
Críticas que vieram também do lado da defesa de Salgado, liderada por Francisco Proença de Carvalho. O advogado defendeu que a substituição do juiz de instrução a meio do processo transformou a instrução num “mero cumprimento de calendário”, com o qual apenas se pretendia “tirar uma fotografia e fingir que está tudo bem com a Justiça”, o que tornou previsível a decisão. “Devo confessar: quando para um advogado passa a ser tão previsível a decisão que se vai tomar, algo está muito mal na Justiça. Uma Justiça de sentido único é uma Justiça que não serve a ninguém porque se percebe que não está a fazer o seu papel de árbitro, de distanciamento e de capacidade de ter coragem para precisamente enfrentar, enfim, as ondas de opinião pública, de alguma que é natural que se sinta enfim perturbada com determinado tipo de casos, mas a Justiça e a democracia serve para isso”, disse.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo o Ministério Público (MP), cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas.
É composto por 767 volumes, entre autos principais, arrestos, incidentes de oposição e apensos bancários e 186 volumes de autos principais, processados até à data da distribuição em 687.398 folhas. Mais todos os apensos bancários, de buscas e diversos (mais de duas centenas) e equipamentos informáticos apreendidos. A acusação conta com 3.552 folhas, assinadas por sete procuradores.
A realização do debate instrutório ocorreu um ano após o arranque da fase de instrução no Tribunal Central de Instrução Criminal, no dia 26 de abril de 2022, então ainda nas mãos do juiz Ivo Rosa e quase três anos depois de ser conhecida a acusação do Ministério Público (MP).
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