Inflação em Portugal está a aproximar-se da meta, mas ainda há caminho a fazer
A inflação já vem a desacelerar há nove meses em Portugal e já ronda os 2% em quatro Estados-membros, mas olhando para o cenário geral na Zona Euro, a batalha ainda não chegou ao fim.
Depois de um disparo nos preços no ano passado, no rescaldo da pandemia e com o irromper da guerra na Ucrânia, a inflação está a registar uma trajetória de desaceleração. Em Portugal, já está a abrandar há nove meses e chegou aos 3,1% em julho, mais próxima da meta do Banco Central Europeu de 2%. No entanto, os banqueiros centrais olham é para a Zona Euro, que apesar de também ter registado um abrandamento e rondar os 5%, continua ainda a dar motivos de preocupação, pelo que o aperto na política monetária deverá continuar.
A descida da taxa de inflação em Portugal é “uma boa notícia” para os economistas ouvidos pelo ECO. Mas apesar de Portugal estar com uma trajetória de redução da inflação, “o que interessa” nomeadamente para as decisões do BCE, que afetam os portugueses, “são os dados da Europa”, aponta Pedro Braz Teixeira.
A inflação na Zona Euro “está a cair mas a inflação subjacente tem um ritmo muito devagarinho” de abrandamento. O pico deste indicador, que exclui preços mais voláteis como a energia e produtos alimentares não processados, foi de 7,5% em março deste ano e “ainda não baixou sequer um ponto percentual face ao máximo”, sublinha o diretor do Gabinete de Estudos do Fórum para a Competitividade. “Enquanto a taxa de inflação homóloga baixou para 5,3%, a subjacente tem grande resistência a baixar”, acrescenta.
A inflação da Zona Euro “moderou 0,2 pontos percentuais para 5,3% em julho, impulsionada pela menor inflação de alimentos e energia, enquanto a inflação subjacente permaneceu estável em 5,5%”, como destaca a Oxford Economics, numa nota de análise. “Este último foi ligeiramente dececionante e reflete tendências distintas em termos de maior afrouxamento na inflação de bens de base, mas uma alta renovada na inflação de serviços, que subiu 0,2 pontos percentuais para 5,6%”. Para os analistas, as “componentes relacionadas com as férias impulsionaram esse aumento nos serviços”.
Ainda assim, a desaceleração em ambas as taxas “são boas notícias”, além de que é “bom que pelo menos um país esteja abaixo dos 2% [a Bélgica]”, e outros países próximos deste número, como o Luxemburgo com 2%, Espanha, que é o país de maior dimensão com a inflação mais baixa, nos 2,1%, seguidos pelo Chipre com 2,4%.
Há, no entanto, discrepâncias, sendo de destacar que “a Alemanha está desfasada, com um conjunto de indicadores muito ingrato: tem um dos piores resultados, em recessão, era suposto a inflação descer” mais, salienta.
Já Portugal tem a sétima taxa mais baixa do euro, sendo de recordar que o indicador que é utilizado para a comparação europeia é o índice harmonizado de preços no consumidor, que é de 4,3%. Já os valores mais elevados são registados na Eslováquia (10,2%), Croácia (8,1%) e Lituânia (7,1%), representando ainda assim, para estes países, uma desaceleração face ao mês anterior. Como se vê pelo mapa, para os países cujos dados estão já disponíveis, são aqueles mais próximos da guerra que acabam por ter preços mais elevados.
Ricardo Ferraz aponta que a “inflação está a convergir para os 2% tanto na Zona Euro como Portugal, não podemos dissociar da estratégia do BCE do aumento das taxas apesar dos elevados custos que isso tem – o impacto económico e social”. “A dose que estava a ser utilizada estava a dar resultados e aumentos demoram algum tempo a fazer efeito”, salienta, ainda que admita que tem “dúvidas” sobre o aumento de julho. “Preferia uma pausa e que se tivesse avaliado se a dose está a dar efeitos, isto é, que avaliassem impacto das subidas”, aponta.
A presidente do BCE já sinalizou também que em setembro, quando se realiza a próxima decisão do banco central, não vão cortar taxas, admitindo manter ou mesmo subir de novo. “Até admitem carregar em setembro, o que poderá agravar o abrandamento das várias economias”, alerta o economista.
Para Ricardo Ferraz, “há algo importante que o BCE parece estar a esquecer: apesar de olhar para o conjunto de membros da Zona Euro, temos de olhar e ter em conta as necessidades de cada economia, os países são diferentes uns dos outros”, até porque “há membros com uma percentagem mais elevada de crédito à habitação com taxa variável, pelo que são mais suscetíveis de ser penalizados, como Portugal”.
Os países periféricos são os que têm taxas elevadas, sendo Estados que “já sofreram muito no caso das dívidas soberanas, sendo que esse problema acabou por penalizar a Zona Euro como um todo”, aponta o investigador. Assim, defende que “devia haver cautela: o medicamento está a fazer efeito mas não podemos abusar da dose”.
Cadeias de fornecimento, lucros ou salários. De onde veio a inflação?
Neste caminho, têm existido vários fatores a influenciar a inflação. Foi no desconfinamento e na saída da pandemia, em 2021, que os preços começaram a trajetória de subida, mas em fevereiro de 2022, com a invasão russa da Ucrânia, o aumento acelerou. Além disso, existia já um contexto em que o custo do dinheiro era baixo, com as taxas de juro negativas que têm sido progressivamente aumentadas para tentar conter os preços. Há ainda elementos como as margens de lucro e despesas com o Plano de Recuperação e Resiliência que afetam a inflação.
As medidas aplicadas pelo BCE “pressupuseram sempre que a inflação era um problema de procura e haveria que reduzir capacidade de consumo para fazer baixar inflação”, mas “acontece que é muito duvidoso que seja assim”, aponta José Reis. “Não houve aumento significativo dos salários que levasse a que pessoas consumissem mais, sendo necessária a medida do BCE, pelo que “não é plausível que foi o aumento da procura que desencadeou aumento dos preços”, diz.
Esse aumento terá, por outro lado, sido “devido a atitudes especulativas da parte de quem vende e conduziu a aumento muito significativo dos lucros e teve outros fatores associado às cadeias de valor e à guerra que também não foram questão de procura”, argumenta o economista.
Este abrandamento mostra, ainda assim, que se houve “uma atitude especulativa da parte de quem vende, essa atitude foi refreada”, e, por outro lado, “se houve problemas nas cadeias de fornecimento a nível mundial, e nos preços da energia”, esses “estabilizaram.
No que diz respeito à ação do BCE, mesmo que não tenha sido direcionada para os problemas na oferta, a verdade é que “se houve redução do rendimento disponível das famílias, onde o preço da habitação conta, a partir do momento em que houve pressão” também é provável que a procura tenha sido afetada.
A presidente do BCE já falou também em diferentes “fases” de fatores que contribuem mais para a inflação. No Fórum BCE, em Sintra, Christine Lagarde destacou a contribuição da manutenção das margens de lucro das empresas, apontando que foram responsáveis por “dois terços da inflação doméstica em 2022, ao passo que, nos 20 anos anteriores, o seu contributo médio foi cerca de um terço.”
No entanto, Lagarde sinalizou que esta situação está agora a dissipar-se e que a próxima fase do controlo dos preços foca-se nos salários, cujo impacto na inflação é maior devido à baixa produtividade, alertou.
Existem também outros fatores, como o PRR, como alertou a OCDE: estes investimentos estão a “acrescentar pressões inflacionárias”, podendo assim atrasar o abrandamento da inflação. Segundo notam no mais recente Economic Outlook, a “política orçamental, inclusive através do PRR, está a suportar o crescimento em 2023, mas também a aumentar as pressões inflacionárias, antes de se tornar levemente restritivo em 2024″.
O professor da Universidade de Coimbra admite também que já se estava numa fase em que o acesso à habitação e outros bens através do crédito estava mais facilitado, devido aos juros baixos ou até negativos.
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