“Uma redução de impostos é sempre viável”. Descida de IRS é consensual mas falta acordo na dimensão, dizem economistas
Economistas ouvidos pelo ECO veem como positiva a discussão sobre a descida do IRS, mas admitem incerteza quanto à evolução futura da economia e da inflação.
Após a redução do IRS ter ficado debaixo dos holofotes do debate público, parece começar a existir um consenso de que é necessário baixar os impostos, mas a dimensão deste corte é ainda uma discussão sem fim à vista. O PSD avançou com uma proposta para um alívio fiscal de 1.200 milhões de euros, que tanto foi apelidada de “excessivamente regressiva” como de “frouxa” por outros partidos. Economistas ouvidos pelo ECO defendem que “uma redução de impostos é sempre viável”, exultando também o foco no IRS, ainda que permaneça alguma incerteza sobre o futuro.
Para a economista Susana Peralta, reduzir os impostos é “uma escolha política”, sendo que neste caso em particular, a proposta do PSD surge “numa altura em que a receita fiscal surpreende pela positiva” e por isso “há mais facilidade”. “Alterações da estrutura tributária são sempre possíveis, neste momento parecem mais fáceis de implementar, com menos imaginação ou dificuldade para saber onde se compensa”, aponta.
Isto já que a diminuição “tem sempre de ser compensada de alguma forma: ou é pelo lado da receita, com outros impostos e dívida, ou pela despesa, gastando-se menos”. Neste ponto, o PSD tem defendido apenas que vai usar “o excesso de receita fiscal que está a ser cobrada pelo Estado”.
“O custo estimado é de cerca de 1.200 milhões de euros, enquanto que em 2023 o excesso estimado de receita fiscal total é entre 2.100 e 2.500 milhões de euros, e o excesso só da receita de IRS se estima entre 1.300 e 1.800 milhões de euros”, lê-se no documento que apresenta as linhas da “reforma fiscal” proposta pelo PSD, que defende que “é compatível com o esforço de consolidação das contas públicas”.
Olhando para a Síntese de Execução Orçamental da DGO, até junho “a receita fiscal apresentou um crescimento de 8,9% (2.054,3 milhões de euros)”. O Banco de Portugal também já estimou que o Governo deverá encaixar 4 mil milhões de euros em impostos e contribuições em 2023, devido apenas ao impacto do aumento da inflação – que deverá situar-se nos 5,2%.
Assim, a inflação ainda deverá estar elevada e impulsionar a receita fiscal este ano. No entanto, é de destacar que um “período inflacionista como estamos a viver é sempre de grande incerteza, não sabemos a que ritmo é que vai estancar e que valores vai ter até lá e também não sabemos a política de taxas de juro do BCE, que tem impacto direto nas finanças do Estado”, admite Susana Peralta. Desta forma, este “não é o momento de grandes loucuras orçamentais”.
Apesar deste alerta, a economista não considera que a redução fiscal proposta pelo PSD seja uma loucura orçamental, apontando mesmo que “é bastante comedida”. A questão da dimensão do corte de impostos parece assim ser o cerne da questão, como colocou também o Presidente da República, que considerou que existe folga orçamental para o fazer, embora também haja riscos económicos.
“Em Portugal a inflação está a descer, mas não está no resto da Europa, o Estado está com as contas equilibradas e há folga para desagravar impostos, vários partidos já falaram nisso, o Governo e a oposição. Em que termos, muito ou pouco, vai depender da evolução da economia”, disse o Chefe de Estado numa praia do Algarve.
Já Ricardo Ferraz, investigador no ISEG e professor na Universidade Lusófona, aponta ao ECO que a “oposição vem apresentar um valor que parece significativo”, mas “o próprio Governo já admitiu que é necessário baixar o IRS, no Programa de Estabilidade”. Para o economista, as propostas para baixar o IRS “devem ser sempre bem-vindas”, porque “somos dos países menos competitivos fiscalmente e temos um IRS que esmaga os rendimentos das pessoas”.
No Programa de Estabilidade prevê-se que “a redução da carga fiscal em sede de IRS ascenderá a cerca de 2.000 milhões de euros no último ano da projeção”. A previsão é de uma redução da carga fiscal de 782 milhões de euros este ano, a que se somam 525 milhões em 2024, 205 milhões em 2025 e 250 milhões nos dois anos seguintes.
Se olharmos apenas para o ano, os valores previstos para a redução da carga fiscal são menores que a proposta do PSD. Ainda assim, os detalhes só deverão ser conhecidos na proposta para o Orçamento do Estado para 2024.
Ricardo Ferraz defende, ainda assim, que além de se pensar no valor e exequibilidade, “a proposta do PSD deve ser vista com bons olhos no debate político e público porque a questão do IRS tem de ser debatida”. Para o investigador, “a descida de impostos deve passar pelo IRS, porque este leva uma fatia significativa do rendimento dos trabalhadores e afeta a nossa competitividade“. Isto já que “temos uma fuga de cérebros para o exterior e é problemático porque pessoas altamente qualificadas vão procurar melhores salários”, sendo que os dados do INE já têm mostrado uma “queda da população empregada com curso superior, o que pode estar relacionado com a saída de Portugal destes trabalhadores”.
Do lado dos fiscalistas, Tiago Caiado Guerreiro defende que as propostas apresentadas são “equilibradas e exequíveis”. “Temos um IRS extremamente elevado sobre as pessoas”, aponta, acrescentando que atualizar o IRS à taxa de inflação, outra das propostas do PSD, “é só uma questão de justiça: ao não atualizar estão a aumentar os impostos”. O fiscalista defende assim que “os valores são razoáveis, tem cabimento orçamental” e até “podiam ter ido mais longe”.
Por outro lado, Luís Leon defende que a “discussão mais importante é se sermos dos países com taxas de IRS, sobretudo a do último escalão, mais altas faz sentido para a economia portuguesa”. Ainda assim, o fiscalista reitera que “enquanto a dívida não for sustentável, em níveis que não tenham encargos muito elevados, o país não consegue aliviar a carga fiscal”.
Os partidos entram também nesta discussão sobre a dimensão do corte nos impostos, sendo que a direita pede que se vá mais longe. A Iniciativa Liberal caracterizou a medida do PSD como “frouxa” e defendeu que o desagravamento fiscal devia ser mais pronunciado, ainda que guarde propostas específicas para a discussão do Orçamento do Estado para 2024.
Paulo Núncio, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (entre 2011 e 2015) e vice-presidente do CDS, defende também que a descida deve ainda ser mais pronunciada: “O IRS deve ser reduzido entre 2 mil milhões e 3 mil milhões de euros, e não apenas em 1.2 mil milhões de euros como propõe o PSD, para que a receita de IRS volte aos níveis de 2015”, escreve, num artigo de opinião no Observador.
Já do lado do Bloco, pela voz de Joana Mortágua, também se salienta que é necessário “baixar impostos para quem menos tem”, mas lançam críticas ao PSD por uma proposta que acaba por “beneficiar quem mais tem”, crítica partilhada pelo PS. O PCP, por sua vez, considerou que o PSD “vem atrasado” para o debate sobre redução de impostos e deve estar com “consciência pesada” por ter chumbado em julho as propostas dos comunistas sobre a matéria.
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