Portugal tem um défice de 500 engenheiros por ano
“Se calhar não vamos conseguir fazer tudo que queremos no tempo que nos propomos”, alerta o bastonário da Ordem dos Engenheiros em entrevista ao ECO. Ordem quer mostrar que a profissão é fashion.
As contas estão feitas. Mesmo que Portugal fizesse apenas a manutenção das infraestruturas que tem e uma outra ou outra obra nova já tem um défice de 500 engenheiros por ano. A profissão passou de moda e a solução, agora, é mostrar à sociedade as vantagens de ser engenheiro e, claro, recorrer à imigração.
Com as obras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a construção de uma linha de alta velocidade, novas obras na Portela e depois a construção de um novo aeroporto, Portugal está “numa situação de tendencialmente pico e grande volume de obras públicas que ainda vai crescer”, diz, em entrevista ao ECO a publicar segunda-feira. “Vamos dizer, por baixo, que precisamos, em termos médios de fornadas de 800 engenheiros civis ano” a sair da universidade. “Em Portugal, nos últimos 60 anos, estamos a formar em média 250”, frisa.
“Ou seja, nos próximos dez anos, com este volume de obras estamos 5.000 engenheiros civis que não temos em Portugal. Isso é dramático. Temos de pensar muito bem nisso”, acrescenta Fernando de Almeida Santos.
Claro que a situação tem uma vantagem: “vai crescer bastante o salário dos engenheiros pela procura. É a lei da oferta e da procura”, diz. Mas tem riscos: “Se calhar não vamos conseguir fazer tudo que queremos no tempo que nos propomos”, admite.
As consequências já estão à vista. Nos últimos dados sobre os custos da construção de casas novas, apontavam para um aumento de 2,3% nos custos consequência de um aumento de 7% nos custos da mão-de-obra. “A mão-de-obra tem um peso de cerca de 30% a 35% no volume global de uma construção, sem contar com o custo das empreitadas”, recorda Almeida Santos, sublinhando que a falta de mão-de-obra não se sente apenas ao nível da engenharia, mas sim em toda a fileira da construção que “carece de mais de 80 mil pessoas neste momento em Portugal”.
Mas se tanta escassez de mão-de-obra faz com que os engenheiros tenham emprego garantido a pergunta que se impõem é: a engenharia deixou de ser sexy? Em tom de brincadeira, o bastonário dá um exemplo. “Numa novela, o rapaz bonito é arquiteto, não é engenheiro. Temos de mudar isso. Estamos a fazer um trabalho juntamente com a sociedade, as grandes empresas de engenharia, as grandes escolas de engenharia e com jovens engenheiros para conseguirmos fazer algo mais pela atratividade da profissão. Pelo menos das tradicionais”.
Numa novela, o rapaz bonito é arquiteto, não é engenheiro. Temos de mudar isso. Estamos a fazer um trabalho juntamente com a sociedade, as grandes empresas de engenharia, as grandes escolas de engenharia e com jovens engenheiros para conseguirmos fazer algo mais pela atratividade da profissão.
O problema coloca-se sobretudo ao nível das engenharias tradicionais, até porque as médias mais elevadas de acesso ao ensino superior são na área de engenharia: “aeroespacial, gestão industrial, biomédicas estão a encher”. O problema “é uma questão de moda” e “provavelmente, porque houve uma grande crise da construção que afastou muita gente do setor”.
“Em 2015, patrocinámos um estudo de uma socióloga, que era uma tese de doutoramento” para perceber as razões pelas quais os jovens não escolhem engenharia, “e a principal conclusão é sociológica. Ou seja, não é uma questão de empregabilidade”, explica Fernando de Almeida Santos, dando como o exemplo o facto de, “na fileira da construção, a arquitetura, que é muitas vezes precária no início da profissão, encher na mesma”.
A explicação sociológica aponta para o facto de “a sociedade atual ser muito mais virada para o indivíduo, do que para o coletivo, do ponto de vista profissional. Ou seja, todos querem ser um Cristiano Ronaldo, todos querem ser um Siza Vieira, um grande médico, um grande advogado. Mas a engenharia esfuma-se em equipa”, afirma o bastonário. “Enquanto algumas profissões dão projeção individual, pelo menos hipoteticamente, no caso da engenharia, não. Quem é o grande engenheiro de referência português atualmente? Não sabemos, nem eu próprio, que sou bastonário. Consigo referenciar alguns, mas não sei quem é que individualmente é a referência”.
Agora a estratégia é fazer protocolos com o Ministério da Educação e, eventualmente, criar uma espécie de museu interativo de engenharia para mostrar o que é a engenharia. “As pessoas usam a engenharia como uma utility. Ou seja, para um cidadão normal é ótimo abrir a torneira, ter água, é ótimo, carregar no interruptor e ter luz. Mas tem uma enorme quantidade de engenharia por trás disso, e estamos a falar de coisas relativamente simples. Queremos mostrar aos mais novos que vale a pena, que também é fashion, que a água chegar a casa das pessoas depende de engenheiros com qualificações elevadas”, explica Almeida Santos.
O bastonário admite, mesmo a possibilidade de “criar uma espécie de Fundação Ordem dos Engenheiros”, ou “até uma coisa mais alargada, com outros mecenas”.
“Isto é um problema de todos e não sou nosso. Se não tivermos engenheiros, não temos soluções para as questões que precisamos para Portugal”, conclui num alerta à navegação.
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