Promotores exigem conhecer “impacto real” do regime para residentes não habituais na habitação
Promotores e consultoras ouvidos pelo ECO afastam efeitos do regime fiscal dos residentes não habituais nos preços das casas e querem que o Governo divulgue os dados para conhecer "impacto real".
Os promotores exigem que o Governo divulgue o número de residentes não habituais que comprou casa em Portugal para se conhecer o “impacto real” desta medida. O primeiro-ministro anunciou o fim do regime fiscal para os residentes não habituais defendendo que “já não faz sentido” e apontou como um dos motivos para a decisão a inflação dos preços das casas, assumindo que se atingiram valores “insustentáveis”.
Mas os promotores e consultoras ouvidos pelo ECO alertam que só o Governo sabe quantos residentes não habituais compraram casa no país e que esses dados nunca foram divulgados. E frisam que “é evidente” que este regime fiscal não provocou efeitos na subida dos preços das casas, alertando para a fuga de investimento de estrangeiros do país.
Em maio de 2022, durante o debate de especialidade do OE, o ministro das Finanças disse, no Parlamento, que o regime fiscal para residentes não habituais estava “em avaliação” e sublinhou que “seria um erro” para Portugal “abdicar” deste instrumento fiscal que também é utilizado por outros países. “50% de 0 é 0. A vida é assim”, apontou, pedindo “realismo”.
Até à data, o Governo não divulgou essa avaliação e, questionado pelo ECO, o ministério das Finanças não respondeu até à hora de publicação deste texto. O ECO também questionou o atual Secretário de Estado Adjunto, António Mendonça Mendes, que na altura tinha a pasta dos Assuntos Fiscais nas Finanças. Mas o braço direito do primeiro-ministro remeteu o tema para o ministério de Fernando Medina.
“Seria muito pertinente fazer uma correta avaliação desta medida” e “aferir o seu impacto real” para conhecer “qual a influência deste regime no mercado imobiliário”, disse ao ECO Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII). “Em 2022 o investimento estrangeiro em Portugal no imobiliário representou apenas 6% do total das transações nesse ano, logo não podemos afirmar que este movimento inflaciona os preços em Portugal”, frisa ainda.
Também José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, uma das maiores promotoras em atividade, vinca que “é evidente” que “o problema da habitação para a classe média pouco ou nada foi afetado pelos residentes não habituais nem, como já se viu antes, pelos vistos gold“, tendo em conta a “evidência que os estrangeiros adquirem, em Portugal, habitações cujo o preço a classe média não pode pagar, infelizmente”.
A posição dos promotores imobiliários é acompanhada pelas consultoras. “O investimento dos residentes não habituais não está de todo relacionado com a inflação dos preços da habitação. Este tipo de investidor particular pode apenas arrendar um espaço, não necessita de efetivar uma compra. Por isso, tal fator não contribui para a escalada dos preços da habitação no país”, diz Miguel Lacerda, Lisbon residential director da Savills Portugal.
A contribuição deste regime para a subida dos preços das casas, a existir foi “de forma muito residual, sem qualquer expressão”, acrescenta ainda Miguel Poisson, CEO da Portugal Sotheby’s Realty. Até porque “muitos deles arrendam e não compram habitação em Portugal” defende Miguel Poisson para quem a inflação nos preços da habitação resulta da “falta de oferta de imóveis no mercado” como “consequência de termos construído na última década cinco vezes menos do que se construiu na década anterior”.
O mesmo diz Patrícia Barão, head of residental da JLL que diz que o fim deste regime “poderá vir a ter impacto” ainda que “reduzido” na compra de casas por estrangeiros tendo em conta que “as condições de vida que o nosso país reúne” e porque, ainda assim, conseguem comprar casas em Portugal “a um valor mais baixo e competitivo do que no seu próprio país”.
Com o fim deste regime, tanto os promotores como as consultoras dizem em uníssono que no futuro o investimento estrangeiro vai cair. “Vamos sobretudo assistir a um desinvestimento de estrangeiros. E será que o país se pode dar a esse luxo? Os estrangeiros não investem só em habitação, criam riqueza, empresas e postos de trabalho. Concorde-se ou não com os termos exatos desta medida, parte do seu rendimento é taxada em Portugal”, alerta Hugo Santos Ferreira.
As alterações legislativas dos regimes fiscais “têm provocado uma incerteza em termos de sentimento dos investidores, sejam particulares ou empresas”, avisa Miguel Lacerda, que lembra que “um investimento numa habitação ou num projeto, é algo que se planeia a longo prazo e por isso, este cenário só atrasa os processos de tomada de decisão, com os investidores a tomarem uma abordagem de wait and see”.
Já José Cardoso Botelho diz estar “absolutamente convencido” que com todas estas alterações aos regimes fiscais “nenhum Fundo de Pensões de grande dimensão investirá, em Portugal, no setor da habitação”, o que considera ser “trágico” porque “não é possível financiar um programa massivo de habitação sem estes fundos”.
Entre os vários estrangeiros que procuram as consultoras para comprar habitação em Portugal, nos últimos anos destacam-se, no caso da Sotheby’s os britânicos, os franceses e os brasileiros com os italianos a ganhar algum peso. Já a Savills destaca os franceses e cidadãos dos países nórdicos, sobretudo suecos.
74 mil beneficiários do regime em 2022
Segundo o Tribunal de Contas, o número de beneficiários do regime fiscal para residentes não habituais subiu mais de 50% nos últimos cinco anos. Em 2018 eram pouco mais de 25 mil os inscritos e em 2022 o número ascendia a mais de 74 mil.
No parecer entregue pelo TdC esta quarta-feira no Parlamento sobre a Conta Geral do Estado em 2022, através deste regime fiscal, o Estado deixou de receber 1.360 milhões de euros em receita. E deste valor, cerca de 430 milhões dizem respeito a um conjunto de apenas 50 contribuintes com este estatuto.
Neste regime especial, os trabalhadores estrangeiros que optem por residir em Portugal ou os portugueses que tenham estado emigrados mais de cinco anos beneficiam de uma redução do Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS), durante dez anos, podendo pagar um IRS de 20%, independentemente do rendimento que auferem, ou 10% no caso dos pensionistas.
O objetivo deste regime passava por atrair profissionais qualificados em atividades “de elevado valor acrescentado” e beneficiários de reformas obtidas no estrangeiro.
Mas para aceder a este regime fiscal, os residentes não habituais têm de permanecer em Portugal mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, no período de um ano, ter habitação própria ou casa arrendada, com a intenção de a ocupar como morada habitual.
Esta terça-feira, em entrevista à CNN Portugal, António Costa anunciou que o Governo decidiu não prolongar “uma medida de injustiça fiscal, que já não se justifica e que é uma forma enviesada de inflacionar o mercado de habitação, que atingiu preços insustentáveis”.
“Em 2024 vai acabar a taxação especial para os residentes não habituais. Quem a tem, manterá”, ressalvou logo a seguir, numa alusão aos estrangeiros residentes em Portugal que já estão a ter este benefício fiscal. De acordo com o líder do executivo, “a medida dos residentes habituais já cumpriu a sua função e, por isso, não faz sentido manter uma taxação para os residentes não habituais”.
“Já houve uma altura em que foi necessária. Essa medida fez sentido. Nos primeiros dez anos, 59% das pessoas que tinham beneficiado continuaram em Portugal, apesar de o regime ter acabado. Mas neste momento não faz mais sentido”, reforçou.
PS chumbou há duas semanas propostas para o fim do regime
Há quase dez anos que o Bloco de Esquerda tem vindo a apresentar, no Parlamento, propostas para o fim do regime fiscal dos residentes não habituais. E há duas semanas, tanto os bloquistas como os comunistas apresentaram duas propostas que foram discutidas e votadas na Assembleia da República, tendo sido chumbadas pelo PS.
E para evitar “uma corrida à borla fiscal” enquanto a medida não entre em vigor, o Bloco de Esquerda anunciou esta terça-feira que vai propor no Parlamento uma moratória para acabar imediatamente com o regime fiscal destinado a não residentes, voltando a insistir na proibição de venda de casas a residentes não habituais. Propostas que vão ser discutidas e votadas num debate potestativo agendado para o dia 25 de outubro, antes da votação do Orçamento do Estado para 2024.
Para Mariana Mortágua a decisão do primeiro-ministro é “a capitulação” do Governo perante a grave crise da habitação.
A coordenadora do BE alerta ainda para as consequências do anúncio do chefe do Executivo com efeitos diferidos. “Se nada for feito e se desde já não for aplicada uma moratória que impeça o acesso ao regime fiscal dos residentes não habituais, então – como fez na segunda-feira o primeiro-ministro –, estar-se-á a promover uma borla fiscal aos registos para o regime de residente não habitual no espaço que vai entre o anúncio e o fim do regime. Foi isso que aconteceu com os vistos gold e foi isso que aconteceu com a medida que limitava o aumento das rendas para novos contratos. E isso acontecerá com o regime dos residentes não habituais”, advertiu Mariana Mortágua
De acordo com Mariana Mortágua, “o mero anúncio do Governo, um aviso à navegação, torna-se uma promoção e num apelo por parte do primeiro-ministro para que quem queira venha a usufruir desse regime, ao qual terá acesso durante dez anos”. Trata-se de um apelo, segundo Mariana Mortágua, para que se adira “rapidamente enquanto o regime não é eliminado”.
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