Direção executiva do SNS já tem estatutos, mas “ainda há muitas perguntas por responder”

Ao ECO, Campos Fernandes alerta que "vai haver um tempo de perturbação" dado que "reformas desta magnitude demoram anos", já Pita Barros chama a atenção para o risco da articulação entre entidades.

Após várias críticas e com vários meses de atraso, já foram publicados os estatutos da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Em declarações ao ECO, Adalberto Campos Fernandes aponta que ainda há “muitas perguntas por responder” e avisa que “vai haver um tempo de perturbação”, dado que “reformas desta magnitude demoram anos a preparar e a executar”. Já o economista Pedro Pita Barros alerta para o risco da articulação de competências entre as entidades.

Este organismo, que está responsável por gerir o SNS, vai ter 11 departamentos, quatro serviços e três cargos de direção intermédia, absorvendo ainda as competências das cinco ARS, que são agora extintas.

“É o estatuto possível, atendendo às condições em que a Direção Executiva foi criada”, afirma Adalberto Campos Fernandes, lembrando que a nova estrutura foi criada pela antiga ministra da Saúde Marta Temido, numa altura em que o SNS enfrentava uma grande pressão das urgências hospitalares. O antigo ministro da Saúde reitera que todo o processo foi “apressado”. “Viu-se na altura a dificuldade que foi elaborar o instrumento legal de enquadramento e viu-se que estivemos um ano à espera de um estatuto”, aponta.

Entre as competências da Direção Executiva do SNS consta ainda a designação dos responsáveis de direção dos hospitais EPE e dos agrupamentos de centros de saúde (ACS), a celebração de Parcerias Público-Privadas ou outros acordos com entidades do setor privado e social, bem como gerir as redes nacionais de cuidados paliativos e de cuidados continuados e celebrar contratos-programa, entre outras.

Mas ainda há “muitas perguntas por responder”, alerta Campos Fernandes. “Como é que o financiamento é gerido, qual é o papel verdadeiramente da ACSS, os recursos humanos, os limites entre a própria ACSS e os hospitais, como é que fica a relação dos hospitais no seu grau de autonomia prometido?”, questiona.

 

Já Pedro Pita Barros realça que a portaria tem “demasiadas vezes a palavra ‘articulação’ em matérias onde se esperava que a Direção Executiva tivesse capacidade de decisão, em lugar de consenso articulado”. Para o especialista em Economia da Saúde e professor na Nova SBE este pormenor tem riscos, dado que se pode incorrer em “dois pântanos”: por um lado, culpabilizar o “outro”, quer num cenário de indecisão ou de ter corrido mal, “porque o outro lado não quis articular”, por outro lado, “só o que for consensual para as partes que têm de articular será decidido”, dado que quando “houver divergências de opinião, não é claro como a ‘articulação’ vai resolver”.

Pode haver um impulso para capturar áreas de intervenção da DGS que devem ser tecnicamente independentes. É natural que o poder tem lógicas de afirmação e de ação, portanto, vai depender muito da personalidade dos protagonistas.

“Como há também situações onde não é só articulação entre DE-SNS e ACSS e envolve também SPMS e/ou Infarmed, optou-se por uma abordagem de zonas cinzentas que será complicada de gerir em decisões onde haja visões fortes divergentes”, acrescenta Pedro Pita Barros, em declarações ao ECO.

Esta posição é partilhada pelo antigo ministro da Saúde que admite que “pode haver um impulso para capturar áreas de intervenção da DGS” que, para Campos Fernandes, “devem ser tecnicamente independentes e devem ser poderosas”, dado que há ainda uma “zona de nevoeiro” sobre “onde acaba a ação política e onde começa a ação da Direção Executiva”. De notar que, entre os departamentos que integrarão a Direção Executiva está departamento de Gestão da Doença Crónica e o de Gestão da Qualidade em Saúde e Segurança do Utente, que estão atualmente na alçada na DGS.

O antigo ministro do primeiro governo de António Costa assume que estes estatutos poderão retirar alguma autoridade política ao ministro da Saúde, dado que “toda a gente vai olhar para o diretor executivo como o futuro ministro e toda a gente vai olhar para o número dois da direção executiva como o novo diretor executivo“, sublinha, acrescentando que tudo “vai depender dos protagonistas”.

É preciso acautelar que esses riscos são minimizados e não querer que a Direção Executiva seja uma estrutura paternalista que faça aquilo que sempre combateram”, nomeadamente o diretor executivo, isto é, “que se sobreponha à desejável autonomia de gestão das ULS agora criadas”, sintetiza. De notar, que no âmbito da reforma do SNS, para o próximo ano vão ser criadas 31 Unidades Locais de Saúde (ULS), que se juntam às oito já existentes.

Por outro lado, Pedro Pita Barros sublinha que o organismo liderado por Fernando Araújo “deverá seguir as orientações políticas” definidas pelo Governo e pela tutela, mas sublinha que nas decisões técnicas, “o número de articulações com a ACSS (sobretudo, embora haja também com outras entidades) sugere que as diferenças de opinião entre entidades tenham que vir a ser resolvidas por decisão do Ministério da Saúde”.

O especialista em Saúde aponta ainda que “área menos clara é nos recursos humanos”, dado que não fica claro se “as negociações futuras de sindicatos devem ser feitas com a ‘entidade patronal’ SNS dirigida pela DE-SNS, ou se continuará, como tem sucedido no último ano de forma muito mediática, centrada no Ministro da Saúde”.

Perante estas incertezas, Adalberto Campos Fernandes diz que “tem de haver um tempo de operacionalização” para que se verifique “quais são as virtudes e quais são as dificuldades que o estatuto encerra”, mas diz que tem “esperança” de que o diretor executivo “tenha o génio e a arte” para ir testando, retificando e introduzindo” as mudanças necessárias.

Mas deixa o aviso, nomeadamente devido à extinção das ARS: “Vai haver um tempo de perturbação. Não tenho dúvida nenhuma de que este processo, o primeiro ano de implementação destas medidas, vai ser difícil, vai ser duro porque vão surgir muitas dificuldades“, sublinhando que “reformas desta magnitude demoram anos a preparar e anos a executar”. Para o ano, a Direção Executiva do SNS contará com um orçamento de 30 milhões, valor que compara com os 10 milhões alocados este ano.

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