Empresas precisam de rejuvenescer quadros, mas alívio no IRS é insuficiente para reter jovens
"A maior parte das grandes empresas tem um desafio muito grande de rejuvenescimento dos seus quadros" nos próximos anos, alerta a CEO da Altice Portugal. Fiscalidade não ajuda e penaliza o sucesso.
O alívio no IRS é um passo no sentido certo, mas é insuficiente para reter os jovens, numa altura em que as empresas enfrentam um grande desafio de rejuvenescimento dos seus quadros e competem no mercado internacional. A fiscalidade não ajuda e penaliza o sucesso, apontam os oradores da talk “Como promover o sucesso das pessoas e empresas através da fiscalidade”.
O Orçamento do Estado para 2024 traz um alívio no imposto sobre o rendimento das famílias, com a descida das taxas até ao quinto escalão e uma atualização de 3% nos escalões, a que se soma um reforço do IRS Jovem. Medidas que o Governo quantifica em 1.600 milhões de euros, mas que mesmo assim são consideradas insuficientes pelos oradores na iniciativa do ECO e da Associação BRP, que contou com a participação de Ana Figueiredo, CEO da Altice Portugal, Rui Baleiras, coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e Pedro Gingeira do Nascimento, secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal (BRP).
“Parece uma medida avulsa face àquilo que, em minha opinião, a economia portuguesa necessitaria. Pode ser entendida como um passo, sim, mas não está articulada com uma diversificação das fontes de financiamento que conduzam a uma redução das taxas sociais únicas”, considera Rui Baleiras. O coordenador da UTAO defende ainda que é necessário ir mais longe: “É fundamental baixar drasticamente as taxas marginais, ter muito menos escalões e taxas mais baixas“.
“Esta alteração no IRS reduz as taxas nos cinco primeiros escalões, mas depois a própria atualização dos escalões é feita abaixo da expectativa de inflação e muito abaixo daquilo que é a expectativa do Governo para o aumento dos salários. Apesar das taxas baixarem nominalmente, na prática, há aqui um efeito que não se sabe muito bem”, observa Pedro Gingeira do Nascimento. Assinala ainda que, apesar das medidas somarem 1.600 milhões, o Orçamento do Estado estima uma descida de apenas 70 milhões na receita de IRS.
Nós temos um sistema fiscal que penaliza o sucesso em nome da progressividade. A progressividade faz sentido nos impostos sobre o rendimento das pessoas. Mas o nosso começa muito cedo e sobe rápido demais.
Para o secretário-geral da BRP, as taxas de IRS ainda “penalizam imenso o sucesso”. “Não é só ao nível do IRS, mas também ao nível do IRC. Nós temos um sistema fiscal que penaliza o sucesso em nome da progressividade. A progressividade faz sentido nos impostos sobre o rendimento das pessoas. Mas o nosso começa muito cedo e sobe rápido demais”, observa.
A presidente executiva da Altice Portugal considera que o alívio é insuficiente para reter talento nas empresas nacionais. Nós estamos num mercado competitivo, competimos por talento. E na indústria em que nós estamos, de tecnologia, competimos com talento não só dentro Portugal, mas também fora de Portugal”, refere. Com o atual nível de impostos e contribuições, existe uma “desvantagem competitiva do ponto de vista fiscal na atração e retenção de talento“.
A maior parte das grandes empresas tem um desafio muito grande de rejuvenescimento dos seus quadros. Precisamos de atrair mais jovens.
Embora considere positivo o reforço do IRS Jovem, Ana Figueiredo considera que não resolve o problema. “A nossa força de trabalho é cada vez mais qualificada e também melhor remunerada face à média da população portuguesa, o que quer dizer que rapidamente vão cair nos escalões onde não são beneficiados por este tipo de medidas de alívio fiscal”, refere. E alerta que “a maior parte das grandes empresas tem um desafio muito grande de rejuvenescimento dos seus quadros“, pelo que “precisamos de atrair mais jovens”.
Rui Baleiras tem uma visão diferente. “Eu não favoreço o IRS Jovem, nem na versão que está na proposta de Orçamento do Estado nem na que o PSD apresentou. Eu acho que o imposto sobre o rendimento deve ser um imposto universal e não faz sentido discriminar taxas em função da idade do contribuinte“, defende.
O coordenador da UTAO também questiona a eficácia da medida: “É um programa que reduz o pagamento de IRS até aos 26 anos de idade, ou até aos 29 para quem tem doutoramento. Vocês acham que os miúdos de idade decidem ficar em Portugal apenas olhando para um horizonte de dois ou três anos da sua carreira profissional? Não.” Daí que a descida das taxas deva ser transversal.
Para a CEO da Altice Portugal, o fim do regime dos Residentes Não Habituais (RNH), que se vai manter apenas para professores e investigadores, é um passo errado. “Falamos muito dos estrangeiros, mas os portugueses também beneficiam desse regime fiscal. Se nós queremos depois fazer regressar a quem emigrou nos últimos anos, nos últimos dez, 15 anos, esse regime fiscal atraía ou promovia esse regresso”, aponta.
Como acelerar o crescimento da economia?
“A retenção dos jovens numa economia e num país, faz-se se as empresas forem competitivas, se economia for dinâmica e se houver oportunidades para as pessoas poderem progredir“, sublinha a CEO da Altice Portugal.
Para Pedro Gingeira do Nascimento, a fiscalidade tem um papel fundamental. Para o secretário-geral da BRP, o facto de o IRC ser progressivo, “cria um incentivo fiscal a que não haja crescimento das empresas“. “Queremos esse Portugal dos pequeninos em que os nossos jovens vão ter os seus filhos e nós os nossos netos fora do país? Ou queremos ter um país com mais empresas grandes, as dos 750 milhões de euros de vendas, como o resto da Europa anda a procurar ter, que pagam melhores salários e dão melhores oportunidades?”
Há uma grande culpa que está na própria cultura de gestão dos donos, os chamados empreendedores. Há, infelizmente, muitos que não sabem farejar o progresso das suas empresas.
“O nosso principal problema económico é que temos um perfil de especialização produtiva que limita a competitividade das empresas que atuam em Portugal e é um modelo que castra o crescimento dos salários”, refere Rui Baleiras.
Para o coordenador da UTAO, “a culpa não é só do Estado”. “Há uma grande culpa que está na própria cultura de gestão dos donos, os chamados empreendedores. Há, infelizmente, muitos que não sabem farejar o progresso das suas empresas”, aponta. Mas concorda que “os benefícios fiscais e os subsídios discriminam negativamente as empresas grandes“. A que soma “uma insuficiência do mercado de capitais e, durante décadas, uma discriminação fiscal contra o capital próprio”.
Pedro Gingeira do Nascimento considera que a falta de ambição dos gestores “tem um dedo do Estado”. “Quando nós temos este Estado que persegue o sucesso, que quase que criminaliza a criação de riqueza, então é óbvio que está a contribuir para esta cultura no país de que não vale a pena ser ser grande. Porque se eu sou grande, transformo-me em malandro. Se me transformo em malandro, então deixa-me estar aqui quieto, no meu cantinho, onde consigo fazer as coisas discretamente”. O secretário-geral da BRP, considera, ainda assim, que “há uma necessidade de profissionalizar a gestão e o governance das empresas. Sem isso não há crescimento“.
Neste momento estamos numa altura de planificação de orçamentos e de alocação de investimento. Tendo várias filiais em diversos países, eu tenho que competir por alocação de CAPEX [investimento] com os meus colegas e a estabilidade [fiscal] é um fator fator importante.
Ana Figueiredo salienta que na perspetiva de um investidor que olha para vários países, “Portugal não compara bem” no que diz respeito à taxa de IRC. Há outros entraves. “Há uma segunda medida que Portugal não compara bem, que é do ponto de vista da estabilidade. “Neste momento estamos numa altura de planificação de orçamentos e de alocação de investimento. Tendo várias filiais em diversos países, eu tenho que competir por alocação de CAPEX [investimento] com os meus colegas e a estabilidade [fiscal] é um fator fator importante”, exemplifica.
A CEO da Altice Portugal critica ainda “a complexidade do enquadramento fiscal, das políticas fiscais, dos regulamentos, das portarias, da exceção da exceção, que leva a uma carga administrativa para as empresas” e ao litígio.
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