Da IA à Justiça mais rápida, estes são os desejos para a advocacia
Esta quarta-feira celebra-se o Dia Europeu do Advogado e a Advocatus foi tentar saber quais são os desejos dos advogados para o setor nos próximos anos.
No dia em que se celebra o Dia Europeu do Advogado, a Advocatus foi saber quais são os desejos dos advogados para o setor nos próximos anos. Tecnologia, Inteligência Artificial e multidisciplinaridade são alguns desafios apontados pelos advogados contactados.
“O meu desejo para o setor da advocacia passa por estarmos atentos e sermos proativos no desenvolvimento de soluções para fazer face às alterações estruturais que iremos verificar nos próximos anos“, sublinhou Duarte de Athayde, chairman da Abreu Advogados.
Associado ao desafio da multidisciplinaridade, que se avizinha no setor, João Lima Cluny, sócio da Garrigues, deseja uma adaptação “bem conseguida”, não só com “aproveitamento das vantagens que o mesmo inequivocamente apresenta, mas garantindo sempre o cumprimento das regras deontológicas da profissão e que, aos cidadãos, é prestado um serviço de qualidade, por pessoas conhecedoras e competentes nas matérias relevantes”.
Também Francisco Cabral Matos, sócio da Vieira de Almeida (VdA), acredita que se irá esperar de um advogado um conhecimento cada vez “mais abrangente” de um leque vasto de áreas do conhecimento. “A antecipada multidisciplinaridade levará a uma incorporação de matérias não jurídicas no âmbito da assessoria jurídica, trazendo mais valor acrescentado à função do advogado e reforçando a sua função como trusted advisor“, afirmou.
“A advocacia de negócios vê-se constrangida pela desigualdade entre sociedades portuguesas e estrangeiras. E, no futuro, ainda com as sociedades multidisciplinares, com outro regime fiscal e outra capacidade de investimento. Prejudicam-se novamente os portugueses“, defendeu José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Legal.
Da tecnologia à IA
Ciente de que a tendência dos próximos anos passará por uma forte transição digital, com um foco “muito grande” no desenvolvimento tecnológico e uma maior utilização das ferramentas de Inteligência Artificial (IA) na estratégia empresarial das organizações, Duarte de Athayde, chairman da Abreu Advogados, defende que o setor tem de ser mais dinâmico.
“Temos de ser mais dinâmicos, transformadores e atentos às novas realidades que afetam o mundo, procurando caminhos multidisciplinares, personalizados e disruptivos para fazer face aos desafios que esta transformação digital e foco na sustentabilidade vão naturalmente trazer à forma como exercemos o Direito”, sublinhou, relembrando também que os fatores ESG e de sustentabilidade serão cada vez mais uma prioridade para o trabalho de todas as empresas.
Também João Lima Cluny garante que é desejável que o setor aproveite as novas tecnologias. “Que a advocacia seja capaz de aproveitar as novas tecnologias para poder fornecer um aconselhamento mais detalhado e especializado, com benefícios de tempo, eficácia e qualidade”, disse.
Já Francisco Cabral Matos acredita que o desenvolvimento tecnológico incrementará a qualidade do aconselhamento prestado. “Ainda que o papel do advogado esteja longe de poder ser substituído por um software, é inevitável uma mudança de paradigma: no passado, a tecnologia contribuiu para simplificar processos e melhorar a eficiência de funções de suporte; o advento da inteligência artificial levará à utilização da tecnologia também para funções de natureza intelectual – como a assessoria jurídica“, explicou o sócio da VdA.
Um dos desejos de Daniel Rosário, associado sénior da Miranda & Associados, é que o setor se consiga adaptar ao impacto da IA e que os profissionais atinjam o work life balance.
“Urge assim que os advogados sejam capazes e estejam disponíveis para se adaptar ao impacto transformador que a IA irá ter na profissão e na vida dos seus clientes. Correlativamente, deverão os advogados conseguir um work life balance com todos os benefícios que tal irá trazer no seu rendimento profissional, saúde e benefícios para os clientes”, frisou o advogado.
Da aproximação da Ordem à CPAS
A Ordem dos Advogados não ficou esquecida e também foi apontada entre os desejos dos advogados. O sócio coordenador da área de Laboral da Cuatrecasas, Rui Vaz Pereira, revelou que entre os seus principais desejos está uma maior aproximação entre a Ordem e os profissionais do foro, sejam eles de grandes sociedades ou em prática isolada. “Apenas assim se conseguirá uma maior coesão na classe, essencial para resolver os nossos principais problemas”, notou.
“Precisamos também que sejam clarificados e/ou decididos temas como a multidisciplinaridade das sociedades ou a integração da CPAS na Segurança Social. São assuntos que, não obstante a ampla discussão que já tiveram, merecem uma especial atenção dos poderes executivo e legislativo, e também de cada um dos advogados”, acrescentou o sócio da Cuatrecasas.
Também Daniel Rosário almeja um sistema “digno” de previdência para os advogados. “Que os advogados tenham acesso a um sistema digno de previdência e de proteção na doença, invalidez, desemprego e reforma”, desejou.
Da Justiça à fiscalidade
Um dos desejos apontados pelos advogados prende-se com o setor da Justiça em geral. Rui Vaz Pereira anseia uma maior estabilidade legislativa e maior previsibilidade nas decisões, realização de reformas estruturais e uma maior celeridade nos processos judiciais. “Para isso será necessário o esforço conjunto de todos os atores judiciais, atendendo às suas reivindicações específicas, mas sem que isso paralise o sistema judicial”, defendeu.
“Que seja feito um investimento sério no sistema judiciário e que sejam dadas condições materiais, humanas e dignas a todos os seus operadores por forma a se garantir uma tutela jurisdicional efetiva“, defendeu Daniel Rosário, associado sénior da Miranda & Associados.
Também José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Legal, deseja que a morosidade nos tribunais seja resolvida, tal como as condições de acesso à Justiça e a simplificação dos processos.
“Sugiro começar-se por uma reforma do regime fiscal das sociedades de advogados, permitindo que estas sejam taxadas por aquilo que hoje são: verdadeiras empresas. Deixar de lado regimes datados e iníquos, com mais de 40 anos, feitos para uma realidade que já não é a existente“, disse o sócio da SRS.
Para José Luís Moreira da Silva, também a advocacia de contencioso se vê “a braços” com atrasos nos tribunais, derivados de velhos problemas de falta de meios e de recursos humanos. “Quem paga são os cidadãos e as empresas, que não veem os seus problemas resolvidos, o que afugenta investidores internacionais e remete para soluções que não estão ao alcance de todos, como a arbitragem internacional sediada noutros países. O Estado demite-se de resolver o problema e deixa cidadãos e PME sem soluções. A Justiça fica para os mais ricos”, garantiu.
Sobre a área de prática de Direito Penal, o sócio da Garrigues deseja que aos advogados continue a ser concedido o poder de defender os seus constituintes perante os “abusos e erros” que são cometidos nos processos, agindo a advocacia como garante de aplicação efetiva dos direitos, liberdades e garantias. “Num tempo em que o julgamento é, muitas vezes, realizado antes do tempo, é essencial que aos advogados, enquanto colaboradores na realização da Justiça, sejam concedidos todos os meios para, livremente, exercerem a sua atividade e poderem defender os seus constituintes nos vários campos em que os mesmos são visados”, acrescentou João Lima Cluny.
Da formação ao Direito Europeu
A formação dos advogados está também entre os desejos dos advogados contactados pela Advocatus. Mas não só, uma análise e balanço ao Direito Europeu e à Autoridade da Concorrência é também apontado.
“O atual contexto VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity) obriga a uma maior capacidade de adaptação, para a qual é essencial a aposta na formação contínua e na partilha de conhecimento. Aos advogados (e sociedades de advogados) coloca-se o desafio de equilibrar novas formas de colaboração (v.g. trabalho remoto) com o benefício inequívoco da interação direta e da aprendizagem on job“, disse Francisco Cabral Matos.
Também Daniel Rosário aponta a formação como essencial para os advogados. “Que os advogados façam uma aposta forte na sua especialização, em benefício próprio e dos seus clientes. Nessa linha, e tendo em conta os acontecimentos terríveis dos últimos 18 meses, deverão os advogados estar mais atentos e disponíveis para assessorar questões relacionadas com a defesa dos direitos humanos”, sublinhou.
Já Rui Vaz Pereira apontou ainda os temas da sedimentação do modelo de estágio, o combate à procuradoria ilícita e a promoção da saúde mental como alguns dos que gostaria de ver “avanços relevantes”.
Por fim, Joaquim Caimoto Duarte, of counsel da equipa de Direito Europeu e da Concorrência da Gómez-Acebo & Pombo, considera relevante que nos próximos tempos se proceda a um balanço, a uma “análise séria”, de determinados aspetos em torno da nossa profissão, que impactam com a nossa atividade. “Desde logo, muito proximamente Portugal celebrará 40 anos de integração europeia, após a entrada na então Comunidade Económica Europeia, sendo importante que também se faça um balanço exaustivo da participação dos agentes jurídicos nacionais no sistema jurisdicional da União Europeia ao longos dessas quatro décadas, como as empresas e os advogados”, referiu.
Segundo o of counsel, dados estatísticos sobre o grau da participação dos diferentes agentes nacionais naquele sistema jurisdicional serão importantes, de forma a aferir, por exemplo, como os tribunais portugueses, os advogados ou as empresas afetadas por temas de direito europeu interagiram com o Tribunal de Justiça da União Europeia ao longo do período em causa.
“Por último, também seria relevante fazer-se um balanço aos 20 anos da Autoridade da Concorrência em Portugal, extensível ainda ao sistema de defesa da concorrência que tal implementação acarretou. Englobando ainda nessa análise, porque necessariamente inserido naquele sistema de defesa da concorrência, uma reflexão sobre a atividade ao longo destes anos do tribunal de primeira instância de recurso das decisões da AdC – o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – incluindo ao nível dos prós e contras da atual localização geográfica desse tribunal (um debate que terá de incluir necessariamente todos os stakeholders envolvidos)”, concluiu.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Da IA à Justiça mais rápida, estes são os desejos para a advocacia
{{ noCommentsLabel }}