IUC, IRS e IVA marcaram o penúltimo dia da maratona de votações. O que mudou no Orçamento do Estado
Caiu o agravamento do imposto para carros anteriores a 2007. Aumento das deduções com rendas, regime dos residentes não habituais alargado e baixa do IVA dos óleos alimentares também foram aprovados.
O penúltimo dia de maratona de votações do Orçamento de Estado para 2024 ficou sobretudo marcado por mudanças em matéria fiscal. A queda do agravamento do Imposto Único de Circulação (IUC), ainda que limitado a 25 euros por ano, para carros com matrícula entre 1981 e julho de 2007, proposta pelo PS, surge como uma das medidas mais emblemáticas. A direita não poupou, contudo, nos reparos ao “eleitoralismo” de um PS que decidiu dar “uma cambalhota”, tendo em vista as legislativas antecipadas de 10 de março.
A bancada socialista também viabilizou o aumento das deduções em IRS dos encargos com rendas até a um máximo de 600 euros, que pode subir para 900 euros para famílias com menores rendimentos, proposta pelo PS e PAN.
Foi ainda aprovada a redução da retenção na fonte dos rendimentos dos titulares de contratos de arrendamento, por iniciativa do PS, o alargamento do regime dos residentes não habituais até 2024, também da responsabilidade socialista, a descida do IVA dos óleos alimentares para a taxa intermédia de 13%, proposta pelo partido que sustenta o Governo, ou a isenção do imposto para garrafas de vidro usadas na agricultura, do PSD.
Até agora, e fazendo as contas aos três dias de votações, foram viabilizadas 129 propostas, das quais 67 são do PS e 62 foram apresentadas pela oposição. Analisando apenas este penúltimo dia, passaram 17 alterações do PS e apenas cinco das bancadas da oposição.
Para já, este foi o dia com o guião mais curto, mas os deputados acabaram por demorar mais tempo nas votações, com vários avanços e recuos nas quase 300 páginas previstas para a tarde desta segunda-feira. O dossiê de acompanhamento é mais volumoso, porque detalha o conteúdo das propostas, tendo quase 1.900 páginas, ainda assim longe das mais de 3.000 da passada sexta-feira.
As votações começaram logo com a aprovação de três propostas do PAN, que tinham sido adiadas da semana passada. Mas depois disso, poucas foram as alterações da oposição que receberam “luz verde”: apenas duas do PAN, duas do PSD e uma do Livre.
Mais deduções em IRS, redução dos descontos dos recibos verdes e dos inquilinos
O PS não apresentou qualquer medida de atualização da dedução específica do IRS, congelada há mais de uma década nos 4.104 euros, e que permite abater aquele valor ao rendimento anual declarado, baixando assim os ganhos sujeitos a IRS.
A via escolhida pelos socialistas foi pelo aumento das deduções à coleta e pela diversificação do tipo de despesas que podem ser abatidas no imposto. Mas, como se mantêm inalterados os limites das deduções das despesas gerais e familiares à coleta, cujo valor máximo está nos 2.500 euros, significa que o aumento das despesas elegíveis depois podem esbarrar nesse travão e não produzir efeitos.
Ainda assim, são medidas populares o aumento da dedução dos encargos com renda de habitação própria e permanente. Os socialistas aprovaram a subida de 502 euros para 600 euros do limite da dedução em sede de IRS, que foi apresentada não só pelos socialistas mas também pelo PAN.
No fim de outubro, o Governo tinha aprovado em Conselho de Ministros o aumento de 502 para 550 euros da dedução de despesas com rendas em sede de IRS. Agora o PS sobe a fasquia para os 600 euros. E para famílias com rendimentos até ao primeiro escalão de IRS, até 7.703 euros anuais, há uma majoração até 900 euros dos encargos que podem ser deduzidos
A bancada socialista propôs e aprovou uma medida que permite que 5% dos encargos suportados pelos contribuintes portugueses com a retribuição dos trabalhadores domésticos possam ser descontados no IRS até ao limite de 200 euros.
O PS aproveitou ainda para reforçar o apoio fiscal aos estudantes, permitindo que as rendas suportadas pelos alunos deslocados possam dar um desconto mais significativo no IRS do que até aqui. No âmbito das despesas de educação e formação, passa a ser dedutível a título de rendas “um valor máximo de 400 euros anuais, sendo o limite global de 800 euros aumentado em 300 euros quando a diferença seja relativa a rendas”.
Para além disso, as explicações em centros de estudo vão passar a poder ser dedutíveis no IRS como despesas de educação, já que vão ficar sujeitos à taxa reduzida de IVA. O grupo parlamentar socialista considera que “o caminho mais adequado para assegurar o princípio da equivalência fiscal no tratamento” das explicações ministradas a título particular e em centros de explicações.
Atualmente, só podem ser descontadas no IRS as despesas com explicações dadas a título pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior, por estarem isentas de IVA, e desde que realizadas por profissional inscrito como trabalhador independente na categoria de professor, formador ou explicador.
Ainda no âmbito da educação, foi aprovada uma proposta do PS que alarga a dedução à coleta das despesas com formação e educação, até ao limite de 800 euros, à compra ou aluguer de instrumentos musicais, que configurem material pedagógico para frequência escolar do ensino de música como despesas de educação e formação, foi aprovada com as abstenções do PCP e Chega e os votos favoráveis das restantes bancadas.
“As despesas com aquisição de instrumentos musicais, ainda que sejam adquiridos a título de material pedagógico no âmbito do ensino escolar, do ensino articulado de música ou do ensino superior, não são dedutíveis em sede de IRS por estarem sujeitos à taxa intermédia do IVA. Esta situação configura, por um lado, uma injustiça que deve ser resolvida, e um obstáculo que, ao ser removido, permitiria estimular a frequência por mais alunos do ensino de música”, justifica o PS.
Para aliviar o peso dos descontos em IRS sobre os trabalhadores a recibos verdes, o PS propôs e aprovou a substituição do atual sistema de retenção na fonte à taxa fixa de 25% por um modelo progressivo consoante o rendimento em causa. “O Governo procede, durante o ano de 2024, às necessárias alterações informáticas para a aplicação de taxas de retenção na fonte progressivas aos trabalhadores independentes”, de acordo com a proposta.
“A ideia é que haja diferentes escalões, como para os trabalhadores dependentes, numa lógica de tributação progressiva”, esclareceu ao ECO o deputado do PS, Miguel Cabrita, frisando que estes trabalhadores tendem “a ser muito prejudicados e a ter não só menos segurança mas também condições menos favoráveis”.
“No fundo, trata-se de remover uma discriminação face aos trabalhadores dependentes e abranger estes trabalhadores na lógica da progressividade do sistema fiscal”, reforçou o parlamentar socialista.
Os titulares de contratos de arrendamento com um rendimento mensal que não ultrapasse os 2.700 euros vão poder abater 40 euros no cálculo das retenções na fonte. E assim diminuir o valor do imposto a adiantar. A proposta do PS passou com as abstenções de BE, PCP e PSD. As restantes bancadas votaram favoravelmente.
PS recusa clarificar se ordenado extra isento de IRS obriga a aumentos de 5% para todos os trabalhadores
O grupo parlamentar do PS corrigiu a proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2024 sobre os critérios que devem ser cumpridos pelas empresas se quiserem oferecer um salário extra aos trabalhadores isento de IRS, sob a forma de distribuição de lucros. No entanto, os socialistas recusam clarificar se é obrigatório aumentar todos os trabalhadores em pelo menos 5% para que patrões e colaboradores possam beneficiar da medida, segundo a proposta aprovada esta segunda-feira.
Assim, o texto de substituição que acabou por ser aprovado, em vez de exigir apenas um aumento médio dos salários de pelo menos 5%, como estava na iniciativa anterior que tinha entregado na Assembleia da República, determina agora que o aumento salarial deve ser aplicado ao “universo dos trabalhadores”.
Porém, com esta alteração, o PS abre a porta a futuras clarificações em sede de concertação social sobre o conceito de “universo de trabalhadores” caso a Autoridade Tributária suscite dúvidas. Até porque, sabe o ECO, o entendimento não é consensual dentro do maior grupo parlamentar.
Ou seja, a expressão agora usada não significa que todos os funcionários de uma empresa tenham de beneficiar de um aumento de 5%. Isto é, a interpretação até pode ir ao encontro da proposta do Governo de apenas obrigar um crescimento médio da massa salarial, não sendo necessário que todos os trabalhadores beneficiem do tal aumento.
O objetivo foi apenas transpor para o diploma orçamental o texto acordado entre Governo, patrões e sindicatos, que foi assinado a 7 de outubro. Desta vez, além da CGTP, também a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) ficou de fora do reforço do pacto para a valorização dos rendimentos. Saiba mais aqui.
Redução gradual da dedução em IRS para doentes a recuperar de cancro
O PS aprovou uma proposta para que os sujeitos passivos que tenham beneficiado da dedução à coleta por situação de incapacidade (quatro vezes o valor do IAS e de 1,5 vezes por cada dependente com deficiência ou ascendente que viva com o sujeito passivo e não tenha rendimento superior à pensão mínima) durante cinco anos, como os doentes com cancro, e que na revisão ou reavaliação do processo deixem de reunir os requisitos, mantenham uma dedução à coleta, se a incapacidade for igual ou superior a 20%.
A dedução é de dois IAS no ano seguinte à reavaliação de incapacidade que resulte na atribuição de grau de incapacidade inferior a 60%; de 1,5 IAS no segundo ano; de 1 IAS no terceiro ano; e de 0,5 IAS no quarto ano.
Mais encargos com ginásios vão poder ser deduzidos no IRS
Foi aprovada uma proposta do PSD, segunda a qual o valor da dedução à coleta do IVA suportado com as despesas de ginásios passa de 15% para 30%. Atualmente à coleta do IRS é dedutível um montante correspondente a 15% do IVA suportado por qualquer membro do agregado familiar, com o limite global de 250 euros por agregado familiar, de faturas referentes a oficinas de automóveis e motociclos; alojamento e restauração; cabeleireiros; veterinárias; ginásios e atividades desportivas.
A consignação de IRS também vai ser alargada a instituições de desporto. Uma quota equivalente a 0,5 % do imposto, liquidado com base nas declarações anuais, vai ser estendida às instituições de desporto, acolhendo uma reivindicação do Comité Olímpico de Portugal, segundo uma proposta do PS aprovada esta segunda-feira.
Imposto sobre cerveja com menos álcool é corrigido
A proposta acabou por ser adiada para esta terça-feira, depois de ter sido aprovada com os votos contra do PSD e Chega, as abstenções das restantes bancadas, exceto do PSD que votou favoravelmente.
Mas foi a matéria relativa ao tabaco que ditou o adiamento, nomeadamente no que diz respeito aos cigarros eletrónicos. De acordo com a proposta do PS, um pacote com 20 cigarros poderá custar pelo menos mais 30 cêntimos em Portugal no próximo ano.
Já a proposta do PS que visa fixar a subida da tributação das cervejas menos alcoólicas em 10%, tal como está previsto para as cervejas convencionais, com cerca de cinco graus de álcool, não suscitou dúvidas dos parlamentares. A iniciativa deverá ser confirmada esta terça-feira.
Sem esta alteração, bebidas com teor alcoólico até 3,5% iriam ser severamente penalizadas. “Enquanto o aumento para as cervejas, ditas normais, com 5 ou 6 graus de álcool, será de 10%, o agravamento para as cervejas com menos álcool como a Super Bock Sky, que tem 3,3 graus, pode oscilar entre 38% e 286%”, revela ao ECO o fiscalista da Deloitte, Afonso Arnaldo.
IVA das garrafas de vidro na agricultura, dos óleos alimentares e da pastam de atum
O IVA dos óleos alimentares vai baixar da taxa normal, de 13%, para a taxa intermédia, de 13%, uma alteração ao OE apresentada pelo PS. A iniciativa passou com a abstenção do PSD, PCP e IL.
Neste momento e até ao final do ano, há um cabaz de produtos essenciais, como os óleos alimentares, com o IVA a zero. Esta isenção termina a 1 de janeiro de 2024.
Também foi viabilizada uma proposta do PS, com os votos contra da IL e PAN e votos a favor das restantes bancadas, que volta a colocar as pastas de atum, cavala e sardinha à taxa reduzida do IVA de 6%.
Já depois de ter sido concluído o guião de votações deste terceiro dia, o PS decidiu recuar num sentido de voto. O deputado socialista, Miguel Cabrita, anunciou que, afinal, o grupo parlamentar dá luz verde ao IVA zero, em 2024, para as garrafas de vidro usadas na agricultura, mantendo, contudo, o voto contra ao alargamento da isenção o gasóleo colorido, fitofármacos e produtos veterinários.
“Perante as dificuldades financeiras do setor agrícola, que mantém custos de produção muito elevados (crise inflacionista), o PSD entende que é de elementar justiça alargar a isenção de IVA prevista em 2022 a outros itens muito utilizados nas empresas e explorações agrícolas, como são os custos com o gasóleo colorido, com os fitofármacos, com os produtos veterinários e com as garrafas de vidro, no caso do setor do vitivinícola”, justificam os sociais-democratas.
IVA das cadeiras transporte de crianças em velocípedes passa para a taxa reduzida de 6%
Foi ainda aprovada uma proposta do PAN que reduz o IVA das cadeiras e assentos para transporte de crianças em velocípedes passa para a taxa reduzida de 6%. A iniciativa passou com as abstenções de PSD e Chega e com os votos favoráveis das restantes bancadas.
“No Orçamento do Estado para 2023, por proposta do PAN, foi alterado o Código do IVA, em termos que asseguraram que a aquisição de velocípedes passasse a ser taxada à taxa reduzida de IVA (6%), em linha com o previsto na Diretiva (UE) 2022/542 do Conselho, de 5 de abril de 2022”, nota o PAN.
Neste sentido, “é preciso prosseguir o rumo de promoção da mobilidade sustentável por via fiscal, e por isso com a presente proposta o PAN pretende reduzir para 6% o IVA das cadeiras e assentos próprios para o transporte de crianças em velocípedes”, defende o partido.
Habitação e IUC animam debate no Parlamento
O debate desta segunda-feira de manhã foi o mais curto até agora, terminando por volta das 13 horas. Os temas que mais aqueceram a discussão entre os deputados foi a habitação e o IUC – sendo que as medidas nessas áreas iam ser votadas da parte da tarde.
Márcia Passos, do PSD, falou dos problemas da habitação, lembrando que é necessário “uma política fiscal” que incentive os contratos e questionou o Governo sobre as compensações prometidas no “pacote mais habitação” para os contratos celebrados antes de 1990, com o partido a criticar também o modo como o PS tem abordado o regime dos residentes não habituais. Também Isabel Pires, do BE, chamou a atenção para a problemática da habitação, defendendo o agravamento do IMT para segundas habitações.
A direita acusou o PS de eleitoralismo no recuo do IUC, com o PSD a reiterar que foi só por causa das eleições deu “uma cambalhota”. “Sem vergonha, recuam nessa medida”, afirmou Hugo Carneiro, que alertou que ninguém garante que, sendo o PS novamente governo, essa medida não volte a ser equacionada.
À esquerda, Rui Tavares, do Livre, considerou que esta proposta do Governo foi mal feita. Enquanto isso, Pedro Filipe Soares, do BE, assinalou que o PS acabou por contribuir negativamente para a causa ambiental. “Foi uma medida considerada inaceitável, tendo em conta que não responde aos problemas ambientais”, acrescentou na mesma linha, Duarte Alves, do PCP.
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IUC, IRS e IVA marcaram o penúltimo dia da maratona de votações. O que mudou no Orçamento do Estado
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