Exclusivo “Se há lóbi, não será com certeza na ANA”. Concessionária critica relatório do novo aeroporto
Concessionária diz que "não é verdade e é pouco sério" afirmar que localizações além do Montijo não têm necessidade de financiamento público, como sustenta a Comissão Técnica Independente.
A ANA lamenta que a Comissão Técnica Independente (CTI) não tenha ouvido a concessionária no plano técnico, considera que “há falta de objetividade” no relatório da Avaliação Ambiental Estratégica e que é “pouco sério” concluir que localizações para o novo aeroporto não exigem dinheiro público.
A divulgação da avaliação às opções estratégicas para o reforço da capacidade aeroportuária da região de Lisboa colocou a Comissão Técnica Independente (CTI) e a concessionária dos aeroportos nacionais em lados opostos da barricada. A ANA tem defendido o Montijo como a melhor solução para aumentar a oferta de voos no curto a médio prazo, enquanto a CTI considera a infraestrutura inviável, devido aos limites à expansão, recomendando antes o Campo de Tiro de Alcochete.
A concessionária liderada por Thierry Ligonnière é muito crítica do relatório. “Ficámos com a sensação clara que a ANA foi ouvida, mas não foi tida nem achada”, afirma fonte oficial ao ECO. “Foi considerada como um lóbi, o que é lamentável, quando tem 80 anos de experiência aeronáutica”, acrescenta.
O processo foi marcado por acusações de falta de independência de alguns investigadores contratados pela Comissão, por no passado terem declarado publicamente a sua preferência pelo Campo de Tiro de Alcochete. É o caso dos engenheiros Vítor Rocha e Vasco Afonso. O próprio presidente da Comissão de Acompanhamento da Avaliação Ambiental Estratégia, Carlos Mineiro Aires, expressou em 2021 a mesma opinião. A concessionária chegou a enviar-lhe uma carta a manifestar as suas preocupações. Na apresentação do relatório preliminar, na terça-feira, a coordenadora geral, Rosário Partidário, garantiu que a CTI “não está sujeita hierarquicamente ao Governo e não tem preferências profissionais ou individuais em relação a qualquer uma das estratégias”.
Surpreendeu-nos a afirmação de que outras localizações não têm necessidade de financiamento público. Não é verdade e é pouco sério.
“Se há lóbi, não será com certeza na ANA“, diz fonte oficial da concessionária, considerando também que “há falta de objetividade no relatório”. Uma das falhas que aponta diz respeito à necessidade de dinheiro dos contribuintes caso a opção não seja o Montijo.
“Surpreendeu-nos a afirmação de que outras localizações não têm necessidade de financiamento público. Não é verdade e é pouco sério”, refere a mesma fonte, sublinhando que “o contrato de concessão diz que o concessionário [a ANA] tem de apresentar uma solução para a expansão da capacidade e há uma negociação com o concedente [o Estado]”.
O contrato de concessão celebrado entre o Estado e a ANA em 2012, antes ainda desta ser privatizada à Vinci por 3.080 milhões de euros, determina que o investimento num novo aeroporto é suportado pelas taxas aeroportuárias, desde que estas sejam competitivas. Ou seja, não sejam de tal forma agravadas que penalizem a procura. O que pode acontecer caso o custo da nova infraestrutura seja muito elevado.
Não sendo as taxas necessárias para recuperar o investimento competitivas, o Estado tem de financiar o resto. Essa não foi a leitura da Comissão de Acompanhamento, que conclui no relatório que todas as opções estratégicas podem ser construídas sem necessidade de dinheiro público. Segundo as contas apresentadas no relatório da Avaliação Ambiental Estratégica, a solução dual Portela + Montijo custaria 1,38 mil milhões de euros enquanto a combinação do Humberto Delgado com Alcochete sobe para 3,23 mil milhões, considerando apenas uma pista. O desenvolvimento deste último projeto a 50 anos custa mais de 8.000 milhões de euros.
Financiamento do Estado pode violar regras europeias
O recurso a financiamento do Estado pode, por outro lado, conflituar com as regras da concorrência da União Europeia. O relatório de avaliação às opções estratégicas conclui que “o financiamento público do investimento em infraestruturas e equipamentos e do funcionamento do aeroporto Humberto Delgado e do novo aeroporto de Lisboa estará, cumpridos os requisitos, sujeito ao regime dos auxílios de Estado”, que têm de ser autorizados pela Comissão Europeia.
A hipótese de aprovação é considerada baixa, porque “para ser elegível para um auxílio ao funcionamento, o tráfego anual do aeroporto não deve exceder 3 milhões de passageiros”. Em 2022, passaram pelo Humberto Delgado 28 milhões de passageiros. O auxílio de Estado poderá ser admissível apenas se estiver em causa uma relocalização da infraestrutura.
Uma renegociação do contrato de concessão através do alargamento do prazo (atualmente vai até 2062) também é limitada pelas regras europeias da concorrência, sendo admissível a extensão apenas por um número limitado de anos.
Há outras divergências entre a concessionária e as conclusões do relatório. Uma delas diz respeito ao tempo de construção. A ANA apontou no passado para um prazo de quatro anos, enquanto o relatório refere sete anos, apenas menos um que a opção pelo Campo de Tiro de Alcochete.
A decisão final caberá ao próximo Governo. Isso mesmo quis deixar claro esta quinta-feira o secretário de Estado das Infraestruturas. “É da natureza dos contratos de concessão que não cabe ao concessionário decidir que investimentos é que faz. Ou eles estão explicitamente previstos no contrato de concessão ou existem mecanismos no contrato de concessão para que o concedente, e não o concessionário, decida investimentos que têm de ser feitos”, afirmou Frederico Francisco durante o briefing do Conselho de Ministros.
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