Imobiliárias exigem ver salários e IRS para marcar visitas a casas para arrendar
Pressão no mercado de arrendamento leva imobiliárias a exigir de forma "abusiva" a potenciais inquilinos uma longa lista de documentos relativos aos rendimentos, o que pode violar a proteção de dados.
Com o mercado de arrendamento em crise, estando o número de contratos em queda e o valor das rendas a subir, as imobiliárias estão a apertar as exigências para quem quer visitar casas. Foi com surpresa que um casal de 40 anos, sem filhos e ambos com contrato de trabalho sem termo, foi recentemente confrontado com o pedido de uma longa lista de documentação a comprovar os seus rendimentos e os dos fiadores apenas para poder agendar uma visita a um apartamento T1 em Vila Nova de Gaia, com uma renda mensal de 650 euros.
De acordo com o email enviado a estes potenciais inquilinos, a que o ECO teve acesso, “em virtude do elevado número de pedidos”, a Pares by Construmed pediu com caráter “obrigatório o envio dos seguintes documentos para a marcação da visita: Modelo 3 do IRS, a última nota de liquidação de IRS e os três últimos recibos de salário, além da cópia do Cartão de Cidadão ou cartão de residência.
“Todos os documentos deverão ser entregues em formato PDF. Terão que ser enviados os referidos documentos tanto da parte do(s) inquilino(s) como do(s) fiador(es)”, frisa ainda a Pares by Construmed. E para conseguir arrendar aquele apartamento, o mesmo casal era informado que o valor de IRS (rendimento anual bruto) exigido era de 16.680 euros anuais, “tanto para inquilino como para fiador”, segundo a mesma comunicação.
A Pares by Construmed – com atividade sobretudo na região do Porto – avisava ainda que “para a assinatura do contrato [seria] cobrado o valor equivalente a três rendas adiantadas, somadas a duas rendas de caução”. Uma regra que viola a legislação em vigor. De acordo com o Orçamento do Estado para 2023, a caução não pode ultrapassar o valor correspondente a duas rendas e só é possível a antecipação das rendas, até dois meses, por acordo escrito.
Infelizmente, a realidade económica na região do Grande Porto é de uma forte economia informal. (…) Temos de preservar os proprietários de incumprimentos, que iam ter como reflexo a retirada das frações do mercado.
Confrontada pelo ECO, a imobiliária argumentou que a decisão de adotar esta prática deve-se à “elevada procura”, com o registo de “cerca de 600 pedidos diários de visitas”, acompanhado por uma “grande pressão no mercado de arrendamento”. Contabiliza ainda que meses antes eram realizadas “cerca de 300 visitas por mês”, que resultavam em “um ou dois ativos” arrendados, “ficando dezenas deles vazios”.
Além disso, a imobiliária alega que “infelizmente, a realidade económica na região do Grande Porto é de uma forte economia informal” e que, por isso, tem de “preservar os proprietários de incumprimentos, que iam ter como reflexo a retirada das frações do mercado”.
O ECO sabe que esta é uma prática comum em várias imobiliárias e consultoras. A Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (Deco) diz ter “conhecimento desta prática por algumas denúncias” de consumidores. Algo que é condenado por Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP).
“Ninguém deverá ter de expor aspetos da sua vida pessoal no âmbito do seu interesse em conhecer as características de determinado imóvel. A indignação perante este tipo totalmente abusivo de exigências deve ser exposta e a conduta denunciada”, sublinha o representante das imobiliárias, em declarações ao ECO.
Ninguém deverá ter de expor aspetos da sua vida pessoal no âmbito do seu interesse em conhecer as características de determinado imóvel. A indignação perante este tipo totalmente abusivo de exigências deve ser exposta e a conduta denunciada.
Já sobre a legalidade da exigência destes documentos, Paulo Caiado frisa que “não existe qualquer obrigação” na lei em vigor, sobretudo quando se trata de um “processo de procura e eventual interesse em conhecer as características de um imóvel”.
A Deco diz que nada na lei “proíbe expressamente a exigência destes documentos”, mas também a associação de defesa do consumidor levanta “muitas dúvidas da efetiva necessidade destes elementos para ser marcada uma visita a um imóvel”.
A jurista Mariana Almeida, do gabinete de apoio ao consumidor da Deco, considera que o acesso a esta documentação “sem especificar a finalidade e o tratamento”, pode colocar “em causa” as regras do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD). É que, lembra, “só devem ser exigidos os dados necessários à prestação do serviço em causa” e que tem de ser “dado a conhecer ao consumidor o motivo e a finalidade para o qual são requeridos os referidos elementos pessoais”.
Só devem ser exigidos os dados necessários à prestação do serviço em causa. Tem de ser dado a conhecer ao consumidor o motivo e a finalidade para o qual são requeridos os referidos elementos pessoais.
E o mesmo diz a Associação dos Inquilinos Lisbonenses, notando que esta é uma prática generalizada por parte das imobiliárias e que “nada nesta situação é ilegal, mas nada é suportado pela lei”, sobretudo no que toca na Proteção de Dados. Por isso, o secretário-geral da AIL, António Machado, diz ao ECO que, “pelo menos desde 2019” tem vindo a comunicar este tipo de situações ao Governo, apelando a que o mercado de arrendamento seja regulado e fiscalizado.
Mas para a Pares by Construmed, a listagem de documentação pedida “cumpre” com o Regime de Proteção de Dados, vincando que esta prática “é controlada pelo escritório de advogados” que “presta a assistência jurídica há 29 anos”.
Para os proprietários, a listagem enviada “é uma due diligence normal e adequada” para garantir que o futuro inquilino tem “uma taxa de esforço máxima de 35% para o valor da renda do imóvel em causa”, de forma a “proteger os seus investimentos, no sentido de minimizar o risco do arrendamento / incumprimento contratual de forma preventiva”, resumiu ao ECO a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP). Por isso, os senhorios entendem que “os arrendatários não devem achar este tipo de requerimento intrusivo ou invasivo da sua vida privada”.
É uma due diligence normal e adequada. (…) Os arrendatários não devem achar este tipo de requerimento intrusivo ou invasivo da sua vida privada.
Este é ainda um cenário que, para os senhorios, resulta do pacote legislativo Mais Habitação que “desde março retirou muitas casas do mercado, tal foi o pânico que criou”. Reforça a ALP que há poucas casas para arrendar no mercado e “uma pressão muito forte pelos potenciais inquilinos”, estando “as agências cada vez mais profissionais e [a fazerem] desde logo uma triagem de candidatos, evitando custos e deslocações desnecessárias”.
No entanto, a ALP reconhece que, no caso concreto desta imobiliária nortenha, falta uma “questão importante na mensagem”, que passa pela “confidencialidade e tratamento dos dados enviados e compliance com o Regime Geral da Proteção de Dados / política de tratamento de dados da imobiliária e confidencialidade”.
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