As respostas e as (muitas) dúvidas sobre o futuro da Farfetch
A compra da Farfetch pelos sul-coreanos da Coupang, anunciada esta segunda-feira, salvou a empresa criada pelo português José Neves de entrar em insolvência.
Cerca de duas semanas e meia depois de as ações da Farfetch terem iniciado uma descida a pique na bolsa de Nova Iorque, após a empresa anunciar que não iria divulgar as contas do terceiro trimestre do ano e ter cancelado a habitual conference call com analistas, o primeiro unicórnio de ADN português conseguiu fechar um acordo com os sul-coreanos da Coupang para avançarem para a compra da empresa.
Um acordo sem o qual a empresa de comércio online de bens de luxo estava condenada à falência. Mas como será a nova Farfetch? Há algumas respostas, mas ainda há muita coisa que fica por saber sobre o futuro da empresa luso-britânica.
Rombo nas contas faz soar alarme
Os primeiros números de 2023 já antecipavam que alguma coisa não estava a correr bem nas contas da Farfetch. Depois de lucros de 67,67 milhões de dólares nos primeiros seis meses de 2022, a empresa reportou prejuízos de 281,34 milhões de dólares no primeiro semestre deste ano. As contas do terceiro trimestre já não foram conhecidas, com a companhia a adiar o reporte e a espoletar uma correção sem precedentes no preço das ações.
A juntar aos prejuízos, a dívida total da Farfetch aumentava os receios em torno da sustentabilidade da empresa: a dívida total ascendia a 1,6 mil milhões de dólares. Após a queda das ações nas últimas semanas, a empresa contava uma capitalização bolsista de 226,66 milhões de dólares, com cada ação a valer 64,28 cêntimos de dólar, um valor irrisório comparado com os 20 dólares a que foram vendidas no IPO, realizado em 2018. Esta segunda-feira as ações estavam suspensas.
Como aqui chegou?
Tal como muitas startups, a Farfetch demorou a dar lucro. A Farfetch é uma plataforma de comércio online, que agrega marcas de roupa e acessórios de luxo, retalhistas e consumidores. Trata-se de um marketplace que funciona como uma montra para marcas como a Gucci ou Chanel, chegando de forma mais fácil aos consumidores.
Contudo, a crise associada à pandemia da covid-19 trouxe mudanças importantes nos hábitos de consumo a nível mundial. Se a pandemia acelerou as compras online, o fim da covid-19 levou as pessoas a voltarem às lojas físicas. Por outro lado, a crise conduziu a uma quebra da compra de bens de luxo. A penalizar os resultados da empresa terão estado ainda algumas decisões estratégicas, que se revelaram mal sucedidas, como a aposta na cosmética e perfumaria.
A quebra dos resultados e a descida das ações deixou a empresa numa situação de quase insolvência, em busca de um “fundo” de emergência, que a salvasse do colapso antes do Natal. Uma boia de salvação que chegou pelas mãos da sul-coreana Coupang por um conjunto de fundos associados ao venture capital Greenoaks que, através da Athena Topco, anunciaram a intenção de comprar a empresa.
Quanto vai custar a Farfetch à Coupang?
A Coupang comunicou que quer comprar os ativos e negócio da Farfetch, avançando já com uma linha de liquidez no valor de 500 milhões de dólares, um empréstimo que tem uma taxa de juro de 12,5% associada. É o montante necessário para impedir a Farfetch de ter que fechar portas. “Este empréstimo fortalece o nosso balanço e assegura que os clientes da Farfetch, as lojas e as marcas não vão ser afetadas pela transação”, escreve o empresário e fundador da empresa José Neves, numa declaração aos trabalhadores.
“O negócio da Farfetch pode continuar a operar com nova propriedade privada, um balanço mais forte e uma posição de liquidez reforçada”, acrescenta José Neves, adiantando que a empresa tem estado a tentar fechar um acordo que permitisse preservar o maior valor possível para os trabalhadores, clientes e parceiros.
Saída de bolsa deixa acionistas sem nada
O acordo prevê que quando a aquisição estiver concluída, a Coupang – que detém 80,1% do consórcio e a Greenoaks os restantes 19,9% – fica com a Farfetch e todos os seus ativos na posse da Farfetch Holdings PLC. Já os acionistas deverão ficar sem nada, com a empresa a ser excluída de bolsa.
“O Conselho de Administração lamenta que o processo não tenha conduzido a uma solução que garanta que a Farfetch Limited, a entidade cotada na bolsa, continue a ser uma empresa em atividade”, adianta a Farfetch em comunicado. “Quando a venda estiver consumada, a Farfetch Limited estima que os detentores das ações ordinárias de classe A e B e as notas convertíveis não recuperarão qualquer valor do investimento na Farfetch”, pode ler-se no mesmo documento.
A empresa luso-britânica revela ainda que o banco norte-americano JPMorgan Chase & Co. irá gerir um processo de comercialização de todos os ativos da Farfetch. E na ausência de uma oferta concorrente, “a parceria entre a Coupang e a Greenoaks assumirá o controlo da Farfetch”, através de um processo rápido utilizado para facilitar a venda dos ativos de uma empresa insolvente.
Como fica o negócio?
“A Farfetch irá dedicar-se novamente a fornecer a experiência mais elevada para as marcas mais exclusivas do mundo, ao mesmo tempo que procura um crescimento constante e ponderado como empresa privada. Também vemos enormes oportunidades para redefinir a experiência do cliente para clientes de luxo em todo o mundo”, adiantou Bom Kim, fundador e CEO da Coupang, em comunicado.
Também José Neves realça que “o histórico comprovado e a profunda experiência da Coupang em revolucionar o comércio vão permitir-nos oferecer um serviço excecional para as nossas marcas e boutiques parceiras, bem como para os nossos milhões de clientes em todo o mundo”, mostrando-se entusiasmado para começar a trabalhar com o grupo da Coreia do Sul.
Apesar de para já a Farfetch manter a sua atividade, pouco se sabe sobre quais serão as implicações desta aquisição no negócio da Farfetch. Em declarações ao ECO, Luca Solca, analista do Bernstein que segue a empresa criada por José Neves, adianta que é cedo para dizer o que vai mudar, ainda que admita “mudanças significativas no negócio”, que podem incluir mudanças geográficas.
Para já muda a administração. A oferta levou à demissão de toda a administração da empresa de e-commerce de bens de luxo, com exceção de José Neves. Com estas demissões, a administração da empresa será composta unicamente por José Neves.
Outra mudança na estratégia da empresa é o fim da parceria com a Richemont. A fabricante das joias Cartier e dos relógios IWC decidiu cancelar a parceria fechada com a Farfetch, no verão do ano passado, na sequência do anúncio da oferta de aquisição pela sul-coreana Coupang esta segunda-feira.
“Em resultado da operação prevista anunciada pela Farfetch a 18 de dezembro de 2023, os acordos com a Farfetch subjacentes às operações anunciadas em agosto de 2022 não podem ser concluídos”, refere Richemont num comunicado ao mercado esta segunda-feira.
Vai haver despedimentos?
Este é outro grande ponto de interrogação. Nos últimos dias surgiram várias notícias que avançavam a possibilidade da empresa ser forçada a reduzir em 25% a sua força de trabalho, o que implicaria o despedimento de cerca de 2.000 pessoas. Com este acordo, este cenário parece estar fora da mesa.
No comunicado aos trabalhadores, José Neves congratula-se com a compra preservar os trabalhadores, mas não estão excluídos possíveis despedimentos.
No início de 2023, a Farfetch tinha cerca de 6.800 trabalhadores. A empresa tem quatro localizações em Portugal (Porto, Guimarães, Braga e Lisboa) e múltiplos escritórios em todos os continentes.
Quando estará fechado o negócio?
José Neves estima que a venda à Coupang esteja concluída no primeiro trimestre de 2024. Segundo o comunicado enviado à norte-americana SEC refere que os termos do contrato celebrado entre a Farfetch e a Coupang e a Greenoaks Capital estão sujeitos a um período de exclusividade até 30 de abril de 2024.
No caso da Farfetch ou da Athena Topco “anunciarem, celebrarem ou consumarem uma transação concorrente com um terceiro antes do termo do período de exclusividade, a Farfetch pagará uma taxa única de rescisão de 20 milhões de dólares à Athena Topco no prazo de dois dias úteis após ter anunciado, celebrado ou consumado essa transação concorrente”.
Questionada pelo ECO sobre o futuro da empresa e eventuais despedimentos, a Farfetch remeteu a resposta a qualquer pergunta para os comunicados divulgados pelas empresas, escusando-se a dar novas informações.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
As respostas e as (muitas) dúvidas sobre o futuro da Farfetch
{{ noCommentsLabel }}