O que muda na declaração de IRS: englobamento de mais-valias, criptoativos e rendas
O novo modelo 3, que tem de ser entregue entre abril e junho, agrava o imposto sobre rendimentos especulativos e alivia a tributação sobre rendas de contratos de habitação de longa duração.
As alterações introduzidas ao Código do IRS nos últimos anos, como o aumento da tributação sobre as mais-valias de curto prazo, a obrigação de reporte dos ganhos obtidos com venda de criptoativos ou o alívio do imposto sobre rendimentos prediais de contratos para habitação de longa duração, vão começar a ter impacto na declaração que os portugueses terão de preencher este ano, entre 1 de abril e 30 de junho, e que diz respeito aos ganhos de 2023.
Os novos impressos do modelo 3 da declaração do IRS foram publicados esta sexta-feira em Diário da República, a dois meses do arranque do prazo para a entrega do documento por via eletrónica nas Finanças.
Englobamento de mais-valias “especulativas”
Entre as principais alterações, o fiscalista Luís Nascimento destaca o englobamento obrigatório de mais-valias geradas pela venda de ativos como ações, detidos há menos de um ano, quando o sujeito passivo em causa tiver rendimentos muito elevados, enquadrados no último escalão do IRS, isto é, com ganhos anuais superiores a 78.834 euros. Ou seja, o lucro obtido com a alienação daqueles ativos mobiliários “deixam de ser tributados à taxa autónoma de 28% ou de 35%, no caso de paraísos fiscais, para pagar a taxa máxima do imposto: 48%”, indica ao ECO o partner da consultora Ilya.
O englobamento obrigatório das mais-valias de curto prazo, designadas de “especulativas”, que tem de ser reportado no anexo G da declaração de IRS, foi uma medida aprovada no Orçamento do Estado para 2022, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023, tendo agora tradução na obrigação declarativa deste ano, que se refere aos rendimentos do ano passado.
Já a tributação dos lucros gerados pela venda de ativos detidos há mais de um ano não sofre alteração: mantêm-se as taxas de 28% ou de 35%, se os rendimentos de valores mobiliários forem pagos a residentes em território português por entidades domiciliadas em offshores.
Declaração obrigatória de ganhos com venda de criptoativos
Por outro lado, e tal como consta no Orçamento do Estado para 2023, os ganhos com venda de criptoativos terão de ser obrigatoriamente declarados ou no anexo G, relativo a mais-valias, ou no anexo B, referente a rendimentos de trabalhadores independentes, vulgo chamados de recibos verdes.
“Em relação a criptoativos vendidos e detidos há menos de um ano, o contribuinte paga uma taxa de 28%. Se tiverem sido detidos há mais de um ano, o sujeito passivo fica isento, mas tem, ainda assim, de declarar a mais-valia no campo do anexo G”, esclarece Luís Nascimento.
No caso de profissionais independentes, dedicados à atividade de compra e venda de criptoativos, devem não só ter atividade aberta nas Finanças como também têm de declarar os ganhos com a alienação desse património no anexo B, acrescenta o fiscalista.
Imposto sobre senhorios baixa para contratos de arrendamento duradouros
Quanto aos rendimentos prediais, também há novidades que concretizam as medidas aprovadas em outubro do ano passado, no âmbito do pacote legislativo Mais Habitação. Assim, no anexo F, passa a existir a distinção entre contratos de arrendamento de curta e longa duração.
Em geral, a taxa autónoma de 28% baixou para 25% para todos os ganhos com rendas de contratos destinados a habitação própria e permanente. Mas há mais benefícios fiscais para contratos com mais de cinco anos, caso o senhorio não opte pelo englobamento dos rendimentos.
Assim, para arrendamentos de cinco até 10 anos, “é aplicada uma redução de 10 pontos percentuais na respetiva taxa autónoma, sendo, por cada renovação com igual duração, aplicada uma redução de dois pontos percentuais, estando as reduções relativas à renovação do contrato sujeitas ao limite de 10 pontos percentuais”, segundo o artigo 72.º do Código do IRS.
Quanto aos contratos com duração entre 10 e 20 anos, é aplicada uma redução de 15 pontos percentuais, o que significa que a taxa desce para 10%. Se a duração for igual ou superior a 20 anos, os rendimentos são tributados a uma taxa autónoma de 5%.
Incentivo à compra de ações de startups pelos trabalhadores
Outra das novidades diz respeito ao incentivo fiscal para os trabalhadores adquirirem ações das suas entidades empregadoras, caso sejam startups de micro, pequena ou média dimensão. Esta medida surgiu no Orçamento do Estado para 2023 e depois foi aprofundada no Orçamento para este ano, que equiparou tais ganhos a rendimentos de trabalho dependente.
“No anexo A, existe agora um campo para compra de ações de startups pelos seus trabalhadores que ficam isentas da taxa de 28% até ao momento sua venda”, explica ao ECO, Luís Nascimento. De salientar ainda que o imposto a liquidar, no momento da alienação do ativo, vai incidir apenas sobre 50% do rendimento.
Há contudo, várias condicionantes a este benefício. “A empresa tem de ser uma startup de micro, pequena ou média dimensão. Ou seja, não pode empregar mais de 250 trabalhadores nem ter um volume de negócios superior a 50 milhões de euros”, indica o fiscalista. E ficam excluídos da possibilidade de compra de ações, “trabalhadores que detenham mais de 20% do capital social ou dos direitos de voto, gerentes e administradores, isto é, membros dos órgãos estatutários”, acrescentou o especialista.
Rendimentos de estrangeiros com venda de imóveis
Por fim, Luís Nascimento destaca a alteração do enquadramento tributário sobre os rendimentos de estrangeiros gerados pela venda de imóveis em Portugal, nas mais-valias do anexo G. Até à declaração de IRS de 2023, 100% destes ganhos eram taxados a 28%, enquanto apenas metade das mais-valias imobiliárias dos portugueses pagavam impostos, estando, contudo, sujeitas às taxas progressivas do IRS, que pode ir até 53%, no limite.
“Na declaração deste ano, os rendimentos da venda de imóveis dos estrangeiros não residentes passam a ter o mesmo regime que é aplicável aos portugueses”, indica Luís Nascimento.
Para o fiscalista, “esta terá sido a forma de a Autoridade Tributária contornar os litígios que os estrangeiros moviam contra o Fisco, e que levou mesmo a que o Tribunal de Justiça a União Europeia se pronunciasse contra a discriminação na tributação entre mais-valias imobiliárias de estrangeiros e de portugueses”.
Ativos em offshores e rendimentos de capitais nacionais escapam a obrigação declarativa
Nesta declaração de IRS, fica de fora uma norma emblemática do PS de combate à evasão fiscal, que foi aprovada no Orçamento do Estado para 2024 por proposta dos socialistas, e que “obrigava à declaração de todo o tipo de rendimentos, mesmo os que estão isentos de imposto, e ainda ativos em offshores, desde que ultrapassem os 500 euros”, nota Luís Nascimento.
Caso esta norma fosse aplicada, já nesta declaração, os rendimentos de capitais, como juros ou dividendos, de entidades nacionais, sujeitos à taxa liberatória de 28% e dispensados de reporte, teriam obrigatoriamente de constar no modelo 3. De recordar que, neste momento, apenas têm de ser declarados os rendimentos de capitais estrangeiros. Os ativos parqueados em paraísos fiscais também teriam de ser discriminados.
“E, no cúmulo, os rendimentos isentos como subsídios de alimentação, abonos ou prestações sociais que ultrapassem os 500 euros também teriam de ser declarados”, assinala o fiscalista.
O ECO questionou o Ministério das Finanças por que razão ainda não aplicou esta norma que força a declaração de todo o tipo de rendimentos e se o objetivo é só inscrever esta obrigação em 2025 e aguarda resposta.
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