Greves, China e Mar Vermelho vão prolongar dores da indústria alemã
A quebra continuada da produção industrial é um dos principais indicadores da fraqueza que a maior economia europeia enfrenta, com os economistas a anteciparem uma nova contração no arranque do ano.
A atividade económica na Alemanha continua a demonstrar sinais de fraqueza, dando indicações que a economia poderá voltar a contrair no arranque de 2024. Com a produção industrial alemã em queda há sete meses – caiu 1,6% em dezembro – e com o país a atravessar vários problemas estruturais, os economistas alertam que ainda não se vê “luz ao fundo do túnel” e Berlim deverá continuar a pressionar os números do conjunto europeu.
Conhecida como a locomotiva da Europa, a economia alemã tem ficado para trás no universo europeu, arrastada essencialmente pela quebra da atividade da sua indústria, o principal motor da economia do país. A economia germânica fechou o ano com uma quebra de 0,3%, a mesma registada no último trimestre do ano, depois de dois trimestres estáveis, registando assim o pior comportamento entre os países do euro.
Os últimos dados da produção industrial, divulgados esta quarta-feira, foram ainda (muito) piores do que se estava à espera: a produção industrial caiu 1,6% e as previsões dos economistas consultados pela Bloomberg apontavam para uma descida de 0,5%. “Estamos a ficar mais pobres porque não temos crescimento. Estamos a ficar para trás“, alertou o ministro das Finanças do país, Christian Lindner.
“A produção industrial caiu novamente, encerrando o ano de 2023 cerca de 10% abaixo dos níveis pré-pandemia”, destacou Carsten Brzeski, responsável pelo departamento de macro do ING. “A queda acentuada das exportações e das importações, bem como da atual produção industrial, não só ilustra a fraqueza da espinha dorsal da economia alemã, mas também aumenta o risco de uma revisão em baixa do crescimento do PIB no quarto trimestre“, reconhece o analista.
Carsten Brzeski realça ainda que a produção industrial no último mês do ano poderá ter penalizada por alguns fatores sazonais, devido às férias do Natal, mas não altera a fotografia “de um dos piores anos da atividade industrial alemã”. “Por exemplo, a produção na indústria química em 2023 foi uma das mais baixas desde 1995“, exemplifica.
O mesmo analista admite que a produção industrial poderá estar prestes a atingir mínimos, mas a recuperação da indústria será lenta, sobretudo porque se, por um lado, se antecipam algumas melhorias, nomeadamente uma inversão na política monetária em 2024 com reflexo direto num alívio na fatura dos juros para o setor, por outro, há novos riscos a emergir.
As greves dos maquinistas de comboios, do pessoal dos aeroportos e das companhias aéreas e as perturbações na cadeia de abastecimento como resultado do conflito militar no Mar Vermelho tornaram ainda mais provável outra contração da economia alemã no primeiro trimestre do ano.
“As greves dos maquinistas de comboios, do pessoal dos aeroportos e das companhias aéreas e as perturbações na cadeia de abastecimento como resultado do conflito militar no Mar Vermelho tornaram ainda mais provável outra contração da economia alemã no primeiro trimestre do ano e poderão prolongar o processo de abrandamento”, antecipa o especialista do ING.
Também Ralph Solveen, economista do Commerzbank, destaca que “os números de hoje mostram mais uma vez até que ponto a economia alemã está a sofrer com o facto de os aumentos das taxas de juro dos bancos centrais nos últimos dois anos terem restringido a procura de bens industriais“.
Os números de hoje mostram mais uma vez até que ponto a economia alemã está a sofrer com o facto de os aumentos das taxas de juro dos bancos centrais nos últimos dois anos terem restringido a procura de bens industriais.
O economista destaca ainda que a baixa confiança dos empresários “sugere que não haverá uma mudança para melhor tão cedo”. “Pelo contrário, a economia alemã provavelmente ainda estará em contração no início do novo ano e acabará no vermelho em 2024 como um todo“, prevê.
Menos encomendas e concorrência chinesa
A indústria alemã, que durante décadas deu brilho à economia germânica, tem sido pressionada pela instabilidade geopolítica, pelo travão na China e pelos desafios para se tornarem mais competitivas do ponto de vista digital.
Por outro lado, a crescente concorrência de produtos chineses e americanos são uma ameaça a importantes setores, como o automóvel, que está a ver carros chineses chegarem à Europa.
A estes problemas somam-se agora os constrangimentos ao transporte pelo Mar Vermelho e os cortes orçamentais no país, que têm motivado importantes protestos, sobretudo dos agricultores.
Protestos dos agricultores estendem-se à Europa
Depois de o Tribunal Constitucional ter declarado o Orçamento do Estado inconstitucional, o governo teve de implementar medidas para tapar um buraco de 17 mil milhões de euros no orçamento, o que resultou em vários cortes, entre os quais dos subsídios ao combustível agrícola.
Esta medida acelerou um movimento de protestos dos agricultores no país, que chegaram a paralisar várias cidades alemãs, em contestação com a decisão do governo de Olaf Scholz de acabar com os subsídios ao combustível agrícola.
Os protestos na agricultura estenderam-se um pouco por toda a Europa, coincidindo comas manifestações em França contra o uso de pesticidas.
Sem apoios do Governo, o setor na Alemanha terá que suportar sozinho a fatura do combustível, sendo o país um importador de matérias-primas.
Com todos estes desafios, a economia alemã deverá continuar a pressionar o andamento do bloco do euro, pelo menos nos primeiros meses de 2024.
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