“Corresponsável pela instabilidade”, Marcelo tenta assegurar governabilidade
Depois de dissolver o Parlamento duas vezes, e perante um impasse político, Marcelo reúne os partidos para afastar riscos de "ingovernabilidade" e cenários suscetíveis a uma terceira "bomba atómica".
Ensombrado por duas dissoluções do Parlamento e “corresponsável” por ter mergulhado o país numa crise política, segundo os especialistas, Marcelo Rebelo de Sousa quer agora aclarar as posições dos partidos e afastar qualquer risco de instabilidade. Um cenário de governação liderado por Luís Montenegro, líder da Aliança Democrática (AD), é o mais “expectável” mas não é garantido, pois ainda faltam contar os votos do círculo da emigração. Nessa altura, defendem os politólogos à semelhança do Livre, PCP e PAN, Marcelo Rebelo de Sousa deveria voltar a receber os partidos, mas o Presidente já terá admitido que se voltar a receber algum, será num cenário de empate. E neste caso, ouviria apenas o PS.
“Por regra, as audiências com os partidos têm por base resultados claros. O Presidente teria mais informação se esperasse por dia 20. E, embora não se espere uma grande mudança depois da contagem dos votos do círculo da emigração, certo é que ainda há quatro deputados por apurar“, recorda ao ECO Paula Espírito Santo, especialista em sociologia e comportamento político do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP).
Para Patrícia Calca, politóloga e investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, um “empate” é “muito difícil de concretizar” mas admite ainda assim que “pode vir a acontecer” e que nesse cenário, Marcelo Rebelo de Sousa deveria mostrar “algum respeito pelos votos do círculo da Europa”.
“Lá por serem os últimos a serem contados, não são menos importantes. A audiência antecipada do Presidente com os partidos pode ser encarada como desrespeito, ou de mau tom, porque pode na prática resultar noutro cenário político. Admito que alguns possam sentir alguma desconsideração pelo seu voto”, alerta a socióloga.
Neste momento, os resultados das eleições atribuem mais mandatos ao PS (77) enquanto a AD acumula 76. A estes votos, somam-se os deputados eleitos pela coligação do PSD e CDS na Madeira (3). Ao todo, a AD reúne 79 deputados. Mas com quatro deputados ainda por apurar, torna-se claro que Pedro Nuno Santos ainda tem chances de chegar a Governo. Se se repetisse a distribuição de mandatos das últimas legislativas, três seriam para o PS e um para o PSD (neste caso AD) — este é o único cenário em que ambas as forças políticas ficariam com 80 deputados.
Porém, os socialistas já atiraram a toalha ao chão e assumiram que “serão e liderarão a oposição” na Assembleia da República, na próxima legislatura, não antevendo que o cenário político mude depois dos votos dos emigrantes.
Essa oposição será composta, também, pelo PAN (1 deputado), Livre (4), PCP (4) e Bloco de Esquerda (5) ainda que Mariana Mortágua já tenha apelado os partidos da ala da esquerda a “procurar convergências” para um eventual Executivo e o PCP já tenha admitido apresentar uma moção de rejeição a um eventual Governo da AD (que deverá ficar pelo caminho caso o PS cumpra a palavra e se abstenha).
Em todo o caso, o convite para o encontro entre a esquerda foi aceite, mas para Paula Espírito Santos não mora a crença de que “o PS volte atrás na palavra e decida fazer uma nova geringonça” (resultando em 91 deputados), por não ser líquido que isso permitirá ao partido “colher resultados no futuro”. “O que o PS quer agora é reconquistar os seus eleitores e precisa de tempo para o fazer“, frisa, acrescentando que Pedro Nuno Santos teve a “habilidade” de fazer essa “leitura estratégica” na noite eleitoral.
Até ao dia 20 de março, Marcelo procurará garantir que existem condições de governabilidade nos vários cenários que se colocam em cima da mesa, mas sem nunca fazer exigências. Sobretudo, perante o principal cenário e sobre o qual opera neste momento: Luís Montenegro é indigitado como primeiro-ministro, e a AD forma Governo.
Sendo este o mais provável, é também aquele com mais obstáculos. Partindo do princípio que a moção de rejeição do PCP não será viabilizada, dá-se um compasso de espera de seis meses. Nessa altura – caso não seja apresentado um orçamento retificativo antes, que deverá levar com uma nega do PS –, Montenegro apresentará um Orçamento do Estado para 2025. Neste cenário, o social-democrata já não poderá contar com a viabilização do PS e o próprio Chega avisou que votará contra se não for chamado para negociações por considerar o gesto como uma “humilhação”. Este cenário poderia levar a uma repetição do que se sucedeu em 2021, altura em que o orçamento de António Costa foi chumbado com os votos contra da direita PSD, CDS, IL e Chega, mas também do BE e PCP: queda do Governo.
“Penso que depois de duas dissoluções antecipadas, não me parece que essa solução possa ser agora prioritária. E os partidos também provavelmente não vão querer que isso aconteça, a menos que seja mesmo impelido pelas circunstâncias”, sugere Paula Espírito Santo. As alternativas podem passar por apresentar um novo orçamento, por exemplo, sugere Patrícia Calca. Mas isso, será o que Marcelo estará tentar apurar junto dos partidos.
“Neste momento, Marcelo estará focado em sensibilizar os partidos para que haja estabilidade face ao imenso potencial de destabilização que se poderá suceder”, alerta Patrícia Calca, mas não exclui que antes de o mandato de Marcelo terminar, em 2026, seja acionada pela terceira vez “a bomba atómica”.
“Não seria um legado muito abonatório. Diria que o Presidente deveria evitar ao máximo. Mas já aconteceu duas vezes, e a última foi desnecessária. Vai ser a norma?”, questiona-se a politóloga do ISCTE, que não poupa críticas a Marcelo. “O Presidente é corresponsável pela instabilidade do país, deve ao máximo procurar encontrar soluções de estabilidade. O mais expectável é que a AD forme Governo, mas como é tão próximo, temos mesmo de esperar”, diz.
Esta sexta-feira, será a vez do Bloco de Esquerda e da Iniciativa Liberal serem recebidos no Palácio de Belém, depois de as audiências com o PAN, Livre e PCP. A semana seguinte começa com as audiências ao Chega, PS e AD, terminando no dia 20 de março, altura em que serão divulgados os votos pelo eleitorado emigrante.
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