Financiamento da Segurança Social não deve ser feito pelo trabalho, defende economista Luís Cabral
Luís Cabral, professor de Economia na Universidade de Nova Iorque, aponta como alternativa uma combinação de IVA, imposto sobre heranças e sobre propriedades e a tributação sobre empresas.
O economista Luís Cabral defende que o financiamento da Segurança Social não tem necessariamente de ser feito pelo trabalho, propondo como alternativas uma combinação de IVA, imposto sobre heranças e sobre propriedades e a tributação sobre empresas.
Em entrevista à Lusa, o professor de Economia na Universidade de Nova Iorque (NYU) e colaborador na AESE Business School afirmou que “não há nenhum motivo de teoria económica ou na análise económica que diga que o financiamento da Segurança Social tem de ser feito, ou deve ser feito, através da relação laboral”.
“A reforma, por exemplo, ou a segurança das pessoas, a rede de solidariedade social, não pode e não deve estar dependente de uma relação laboral estável. Até porque, neste século, será cada vez mais o caso em que o emprego é uma relação menos estável do que foi durante o século XX”, aponta.
Neste sentido, considera que o Ministério do Trabalho e o da Segurança Social deveriam ser separados, passando a ser autónomos.
Luís Cabral, que esteve em Portugal para apresentar a sessão “Por que motivo não cresce a economia portuguesa?”, no âmbito da primeira edição de 2024 do Observatório de Economia & Finanças da AESE Business School, admite à Lusa que estas medidas obrigariam a fontes alternativas de financiamento para a Segurança Social.
Temos de ir buscar o dinheiro a algum sítio, não é? Diria a outras partes da economia. Pode ser uma combinação de IVA, de imposto de heranças, de imposto sobre propriedades.
“Temos de ir buscar o dinheiro a algum sítio, não é? Diria a outras partes da economia. Pode ser uma combinação de IVA, de imposto de heranças, de imposto sobre propriedades. Ou, mesmo a nível empresarial, não quero pôr as empresas ainda com maiores dificuldades, mas estudaria seriamente a possibilidade de ter uma reforma neutra para as empresas, isto é, em que diminuiria muito a tributação do trabalho”, exemplifica.
O economista salienta que a contribuição da Segurança Social, em boa parte, é também uma contribuição da empresa, pelo que a alternativa seria “fazer uma reforma em que compensasse esse alívio para a empresa de tributação do trabalho, com um aumento da tributação do rendimento da empresa”.
“Quais são os motivos por que nós tributamos tanto o trabalho? São dois. Primeiro, é fácil. A retenção na fonte é uma das invenções mais geniais do século XX. Por aquilo que faz, simplifica imenso. Não precisamos de ter fiscais a cobrar. De facto, é muito atrativo. E, em segundo lugar, o trabalho não foge”, argumenta.
Luís Cabral considera “um pouco triste, por assim dizer, que o desenho do sistema fiscal esteja muito baseado na facilidade de tributação”. “É um fator importante, mas não pode ser o fator mais importante”, argumenta.
Ainda assim admite que a ideia levanta desafios, entre os quais, o aumento da tributação sobre os lucros das empresas, estas poderem levar as sedes para outros países, pelo que a solução passaria, diz, por “um processo não só nacional, mas multinacional”.
“Já demos um passo importante com a criação ou o acordo de uma taxa mínima de IRC de 15%. Esta taxa mínima deveria ser superior e o mesmo se diga em relação a outras dimensões do imposto. Isto é, um dos objetivos da União Europeia, deste consenso político que corresponde à União Europeia, deveria ser evitar países fiscais, tipo a Irlanda”, refere.
“Acordo de princípio” entre PS e PSD
Para Luís Cabral, há alguns entraves ao crescimento da economia portuguesa “em que seria possível chegar a um acordo de princípio” entre os dois maiores partidos com representação parlamentar.
“Por ser um governo minoritário, seria bom que este Governo tivesse essa mentalidade. Muitas destas reformas não podem ser umas reformas de governo, têm de ser umas reformas de regime”, disse.
Segundo Luís Cabral, este acordo “poderia ter uma natureza ou de acordo político ou até de algo com reflexo legal entre o Partido Social-Democrata (PSD) e o Partido Socialista (PS)” com o objetivo de “criar uma certa estabilidade para atacar diretamente” os “problemas que têm entravado o crescimento da economia”.
[O arrendamento] é um mercado que funciona muito mal. Porque é que funciona muito mal? Porque a cada dois anos, cada novo governo, as coisas vão mudando um bocadinho. Se é um governo mais socialista, fica mais favorável ao inquilino. Se é um governo mais PSD, fica mais favorável ao senhorio.
O colaborador na AESE Business School defendeu a criação de uma agência independente de avaliação de legislação e o mercado de habitação em Portugal, cujo principal problema considera ser o arrendamento. “É um mercado que funciona muito mal. Porque é que funciona muito mal? Porque a cada dois anos, cada novo governo, as coisas vão mudando um bocadinho. Se é um governo mais socialista, fica mais favorável ao inquilino. Se é um governo mais PSD, fica mais favorável ao senhorio. As coisas vão mudando um bocadinho ao longo desta dimensão”, apontou.
Na prática, criou-se durante as últimas décadas um clima de instabilidade jurídica, que é prejudicial, indica.
Questionado sobre as perspetivas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Governo, o economista considera que “não são objetivos, são esperanças”. “Se estamos a falar de uma questão de previsões, francamente, a resposta é que não sei. Acho que as pessoas dizem que sabem, de facto, não sabem, porque previsões a nível macroeconómico são muito difíceis, e, especialmente a um prazo tão grande como um ano”, considera.
Excesso de regulação e falta de eficiência do sistema de Justiça são bloqueios ao crescimento
O economista considera que a falta de eficiência do sistema de Justiça e de ambição são dos principais bloqueios ao crescimento da economia portuguesa.
“Um fator importante é o excesso de regulação e regulamentação de alguns setores de atividade. Diria que a construção é um bom exemplo. É um caso, um setor em que, por motivo de regulamentação europeia, regulamentação nacional, a nível municipal, a nível nacional, se criou todo um conjunto de regras que tornam o custo de construção não só muito arriscado, mas também muito custoso. Toda a parte da burocracia, de licenciamentos, de planos de impacto, etc., realmente, penso que esta terá sido a década em que menos se construiu, talvez, do último século”, aponta.
“Requisitos mínimos das habitações, por exemplo, ou planos de construção regionais e municipais, tudo isso são coisas boas em si, com efeitos diretos bons, mas parece-me que nem sempre são vistas como um conjunto, nomeadamente estimando o impacto que isso pode ter, neste caso, na oferta de habitação”, argumenta.
Para o economista, mais do que a simplificação da legislação, o foco deve ser “no próprio processo de criação da legislação”. Neste sentido, defende uma “avaliação da legislação, quer ex-ante, quer ex-post”, de forma a verificar aquando da criação de uma lei não somente do efeito direto que vai ter de acordo com os seus objetivos, mas também quais os custos de oportunidade que a legislação poderá implicar ao nível de atividade económica.
“Esse exercício, que é muito importante, não tem sido feito. Isto nem é culpa de nenhum governo em concreto, é culpa de todos os governos que temos tido em Portugal nas últimas décadas. Muitas vezes, são feitas simplificações de processos burocráticos que são mais pensos rápidos do que reformas estruturais”, considera.
Luís Cabral aponta ainda como entrave ao crescimento da economia o sistema da justiça civil, considerando haver espaço para o aumento de eficiência.
Por outro lado, advoga que “pode parecer um bocadinho estranho, mas para diminuir o efeito negativo da burocracia, pode ter de aumentar-se um bocadinho a burocracia”.
“Isto é levar a sério esta ideia de ter uma agência governamental independente, portanto, não governamental, mas, no fim, estadual, independente, de avaliação do custo da legislação. Eu gosto de sempre dizer: ‘se eu agora fosse nomeado ministro das portas e janelas, a primeira coisa que ia fazer é criar medidas mínimas para portas e janelas’”, exemplifica.
Muitas vezes existe um recurso de uma economia que tem um efeito direto muito positivo, mas pode ter um efeito indireto negativo, isto é, absorve ou dirige tanto os recursos da economia em desfavorecimento de outras partes da economia.
O economista destaca ainda que a produtividade da economia portuguesa “em média é baixa”, existindo grandes variações entre setores.
“Diria que reflete mais um fator, na minha opinião, de abrandamento do crescimento da economia portuguesa, que é o que alguns economistas referem como a maldição dos recursos, em que muitas vezes existe um recurso de uma economia que tem um efeito direto muito positivo, mas pode ter um efeito indireto negativo, isto é, absorve ou dirige tanto os recursos da economia em desfavorecimento de outras partes da economia”, indica.
Para o economista, um dos exemplos é o setor do turismo em Portugal, para o qual defende que exista uma aposta, mas tem implicações.
“É uma solução relativamente fácil abrir um restaurante, abrir um hotel. É um modelo de negócio que está bem determinado e que rende. O problema é que são investimentos que geram valores para os investidores, mas que não gerem um valor muito grande adicional para a economia”, considera.
Artigo de Ânia Ataíde, da agência Lusa
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