Caso CMEC/EDP. Ministério Público insiste, à revelia do juiz e do Supremo, usar mails como prova
Procuradores vão apenas pôr de lado 3.277 emails. Os restantes - centenas de milhares - vão ser usados, apesar da decisão do juiz de instrução que declarou a nulidade dessa prova.
Os magistrados do DCIAP responsáveis pelo processo CMEC/EDP vão mesmo usar como prova os emails que o juiz de instrução considerou nulos em abril.
No dia 18 de abril, o juiz de instrução Nuno Dias Costa decidiu que a principal prova recolhida no caso do processo EDP/CMEC não é válida, já que a apreensão de emails tinha de ser feita com autorização de um juiz de instrução e não meramente por iniciativa do MP, como aconteceu. Assim, ordenou a destruição de centenas de milhares de emails apreendidos na sede de EDP, em junho de 2017, relativos a comunicações entre Mexia e Manso Neto. Porém, segundo o que o ECO/Advocatus apurou, junto de fonte oficial do processo, Hugo Neto e Carlos Casimiro vão apenas pôr de lado 3.277 emails. Os restantes – centenas de milhares – vão ser usados.
Quinze dias depois, o mesmo juiz de instrução Nuno Dias Costa advertiu o Ministério Público de que a utilização de tais dados num despacho de acusação terá “consequências” não “só no processo na fase de instrução, mas também a nível ‘extraprocessual’”.
O juiz de instrução ordenou a destruição da totalidade dos emails apreendidos em junho de 2017 na sede da EDP, socorrendo-se da decisão do STJ de fixação de jurisprudência (ver abaixo). Ordenando “a destruição de qualquer cópia digital ou impressão que conste do processo relativa aos 3.277 emails que foram objeto do despacho judicial”, mas também a destruição de “qualquer cópia digital ou impressão que conste do processo relativa aos restantes emails apreendidos aquando da apreensão daqueles 3.277”.
O que dizia o acórdão do STJ, em outubro de 2023?
O STJ decidiu, em outubro de 2023, que a principal prova recolhida no caso do processo EDP/CMEC não era válida para o processo, já que a apreensão de e-mails tem de ser feita com autorização de um juiz de instrução e não meramente por iniciativa do MP, como aconteceu. Estas provas sustentavam uma eventual acusação pelo Ministério Público diziam respeito a emails trocados entre António Mexia, ex-presidente da EDP, e Manso Neto, antigo administrador da empresa.
Num acórdão de fixação de jurisprudência, por unanimidade, o STJ decideiu que o MP deveria ter pedido autorização ao juiz de instrução. Isto porque, após decisões contraditórias do Tribunal da Relação de Lisboa, a defesa de Mexia e Manso Neto, a cargo de João Medeiros e Rui da Costa Pereira, decidiram avançar para o STJ. Uma das decisões considerava os emails que se encontram armazenados num sistema informático só podem ser apreendidos com um despacho do juiz de instrução. Outra decisão sublinhava que só o juiz de instrução pode apreender os emails quando estes não tenham sido abertas pelo destinatário, podendo o MP apreender os mesmos.
Acusação adiada mais 60 dias. Prazo acaba em cima das férias judiciais
A 30 de abril, a acusação dos arguidos do caso EDP/CMEC foi adiada por mais dois meses (60 dias). A confirmação foi dada pelo gabinete da Procuradoria-Geral da República, que avançou ainda que o Ministério Publico vai reavaliar a prova. Os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto solicitaram mais duas semanas de prazo para conseguirem terminar o despacho de encerramento de inquérito. E a PGR aceitou e deu mais dois meses para conclusão de um inquérito, que já dura há quase 12 anos e já teve mais de 20 pedidos de adiamento. Já a 15 de março, já o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) pedia mais 50 dias para decidir se acusava os arguidos.
“Confirma-se que os magistrados titulares do processo em referência solicitaram a prorrogação do prazo para proferir despacho final de encerramento do inquérito. Tal pressupõe, além do mais, a reponderação do acervo probatório, à luz da jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ. Mais se esclarece que, na sequência do pedido formulado, foi concedida prorrogação do prazo por mais 60 dias“, segundo o comunicado de Lucília Gago.
O que é o processo dos CMEC?
Foi há quase 12 anos que se deu a abertura de inquérito deste processo. O foco da investigação centrava-se nas suspeitas de favorecimento do Governo, na altura de José Sócrates, à EDP.
O caso está relacionado com os CMEC (Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual) e o eventual favorecimento da EDP, no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção das rendas excessivas, no qual, segundo o Ministério Público, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade. Em causa estão benefícios de mais de 1,2 mil milhões de euros alegadamente concedidos por Manuel Pinho à EDP, entre outubro de 2006 e junho de 2012.
Mexia foi constituído arguido a 2 de junho de 2017, na sequência de buscas à EDP. Tal como Manso Neto, antigo administrador da elétrica, é suspeito de quatros crimes de corrupção ativa e de alegados subornos ao antigo ministro Manuel Pinho (Governo Sócrates), ao ex-diretor-geral da Energia Miguel Barreto e a João Conceição, antigo consultor de Pinho no Ministério da Economia e atual administrador da REN.
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