Governo finta negociação parlamentar e tenta mudar impostos por decreto
Em vez de propostas para alterar o IRS Jovem ou isentar o IMT na compra de casa, o Executivo apresentou pedidos de autorização legislativa, um processo que impede o debate de projetos da oposição.
O Executivo minoritário de Luís Montenegro apresentou três pedidos de autorização legislativa para tentar mudar impostos por decreto em vez de entregar propostas de lei na Assembleia da República. Uma mudança de estratégia, inspirada no modelo de governação de Cavaco de 1985, que, na prática, finta a negociação parlamentar para impedir que os deputados forcem a aprovação de projetos da oposição, como aconteceu com o IRS. Fonte oficial do ministro da Presidência afirma que este procedimento “é um instrumento parlamentar normal”.
De que forma é possível contornar o debate parlamentar e acelerar o processo legislativo? Apresentando pedidos de autorização legislativa em vez de propostas de lei. Foi essa a decisão do Governo. Ao contrário do IRS, em que apresentou uma proposta de lei há dois meses, e que acabou por cair, sendo antes aprovado um projeto do PS com a ajuda do Chega, o Executivo entregou, no início desta semana, três pedidos de autorização para alterar o IRS Jovem, isentar de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e Imposto do Selo (IS) a compra de habitação própria e permanente por jovens até aos 35 anos, revogar a taxa sobre o Alojamento Local e aprovar benefícios fiscais para trabalhadores deslocados a mais de 100 quilómetros e que tenham de arrendar uma habitação.
“O processo legislativo de um pedido de autorização é muito mais rápido, pode acontecer numa semana, em vez de meses, porque só são debatidos e votados três artigos (objeto, sentido e duração) enquanto, numa proposta de lei, são apreciados todos os pontos da matéria que se quer alterar, como aconteceu no IRS”, esclarece o constitucionalista José Moreira da Silva, em declarações ao ECO. Além disso, “a oposição não pode apresentar projetos autónomos, como aconteceu no âmbito da discussão da proposta de lei do Governo para a descida do IRS”, acrescenta.
Assim, o Governo evita que, à revelia de uma proposta sua, o Parlamento acabe por aprovar uma lei da oposição, tal como aconteceu no IRS. José Moreira da Silva, que também foi deputado à Assembleia da República pelo PSD nas décadas de 80 e 90, conclui que a tática agora “é fugir à negociação parlamentar”. “O PSD tinha uma estratégia: aprovar medidas e sentar-se à mesa para negociar com a oposição no Parlamento. Como não está a funcionar, está a adotar o modelo de Cavaco Silva de 1985, também minoritário, porque não tem uma maioria sólida no Parlamento”, sublinha.
A lei de autorização legislativa é um instrumento parlamentar normal, de recurso muito habitual na elaboração de legislação em matérias fiscais.
O Executivo da Aliança Democrática (AD), suportado por PSD e CDS, não admite que está a usar o modelo de governação do primeiro mandato do então primeiro-ministro, Cavaco Silva. “A lei de autorização legislativa é um instrumento parlamentar normal, de recurso muito habitual na elaboração de legislação em matérias fiscais”, respondeu ao ECO fonte oficial do gabinete do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, sem, contudo, explicar por que razão decidiu recorrer a este mecanismo.
José Moreira da Silva dá respaldo às declarações da tutela, explicando que “as matérias fiscais são da exclusiva competência da Assembleia da República, mas o Governo pode pedir autorização para legislar sobre impostos”. “E, nos Orçamentos do Estado, estão milhares de pedidos de autorização em matéria fiscal. É muito comum”, frisa.
Mas, para o constitucionalista e antigo parlamentar, esta é mais “uma questão política”. “O Governo quer dar provas de que está a avançar com medidas de forma célere. E se a Assembleia da República não aprovar os tais pedidos de autorização para baixar os impostos, o ónus fica do lado da oposição”, indica.
É fugir à negociação parlamentar. O PSD tinha uma estratégia: aprovar medidas e sentar-se à mesa para negociar com a oposição no Parlamento. Como não está a funcionar, está a adotar o modelo de Cavaco Silva de 1985.
O deputado e vice-presidente da bancada do PSD, Hugo Carneiro, reconhece mesmo que, com um pedido de autorização legislativa, “o processo é mais rápido e evita-se um arrastamento como a oposição fez com o IRS”. “Numa proposta de lei, os partidos podem alterar tudo e meter o que quiserem e o Governo não pode fazer nada, desde que não viole a norma-travão. Com uma autorização legislativa, os deputados também podem alterar o seu âmbito e extensão, mas não podem apresentar projetos próprios e o Governo só usa essa autorização se quiser”, destaca.
Estes instrumentos também estão sujeitos ao debate e votação na generalidade, na especialidade e votação final global, tal como as propostas de lei. “Os deputados podem alterar o texto original, mas apenas o objeto, o sentido e a duração da autorização, mas não o projeto de decreto-lei que vem em anexo”, sustenta ao ECO o constitucionalista Tiago Duarte.
Por exemplo, no caso do IRS Jovem, o sentido e extensão do pedido de autorização estabelece “uma redução de até dois terços das taxas do IRS aplicáveis aos rendimentos da categoria A e B auferidos, a partir do ano de 2025, por jovens com idade igual ou inferior a 35 anos”. Isto significa que “a oposição se pode unir em nova coligação negativa para alargar o limite da idade para os 40 anos”, esclarece José Moreira da Silva. De lembrar que o Chega anunciou que iria propor estender o IRS Jovem até aos 40 anos.
Em relação à isenção de IMT e IS na compra da primeira casa por jovens até aos 35 anos, o âmbito do pedido refere que imóveis até 316.772 euros estão totalmente livres de tributação e que o benefício se mantém nos casos de “venda, alteração da composição do agregado familiar e de mobilidade laboral”. Os deputados podem, por exemplo, propor alterações ao limite da isenção.
No entanto, “se as alterações aos pedidos de autorização legislativa forem aprovadas pelo Parlamento, não vinculam o Governo”, ressalva Tiago Duarte. “O Executivo não está obrigado a legislar naquele sentido”, acrescenta.
Se as alterações aos pedidos de autorização legislativa forem aprovadas pelo Parlamento, não vinculam, o Governo. O Executivo não está obrigado a legislar naquele sentido.
Por outro lado, se o Parlamento aprovar os pedidos de autorização sem mudanças significativas, o Governo aprova o respetivo decreto, mas depois um grupo de pelo menos dez deputados pode solicitar a apreciação parlamentar, no prazo de 30 dias, e o diploma pode chumbar, segundo as regras do Regimento da Assembleia da República.
Caso o pedido de autorização seja chumbado, querendo, “o Governo será obrigado a apresentar uma proposta de lei”, aponta o deputado do PS, Eurico Brilhante Dias, que acusa o Executivo de tentar “furtar-se à discussão de propostas de outros partidos”.
Nos três pedidos de autorização em causa, o Governo solicita ao Parlamento um período de 180 dias ou de seis meses para legislar. Isto é, até ao final do ano. “O Governo até poderia apresentar estas medidas no Orçamento do Estado para 2025, mas assim dá um sinal de que já está a aprovar redução de impostos, com projetos autónomos. Se formos para eleições legislativas antecipadas, o Governo já tem provas dadas e pode acusar a oposição de ter chumbado propostas de descida de impostos e medidas de apoio à habitação para os jovens”, analisa José Moreira da Silva.
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