Orbán, a “pedra no sapato” que presidirá uma UE em convulsão

Serão seis meses de expectativa para os 27, numa altura em que ainda se sente o abanão político na Europa. A Hungria assume agora a presidência rotativa da UE, antecipando-se bloqueios e entraves.

A Bélgica passa esta segunda-feira à Hungria o testemunho da presidência rotativa do Conselho da União Europeia, conhecido informalmente como Conselho. Viktor Orbán, que é várias vezes acusado de euroceticismo, ficará encarregue de discutir, alterar e aprovar pacotes legislativos, juntamente com o Parlamento Europeu, com os ministros dos 27 Estados-membros até dezembro.

Do ponto de vista institucional e político, Orbán não vai ter nenhum relevo por não ser nenhum cargo”, sublinha ao ECO Margarida Marques, ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeus e eurodeputada eleita pelo PS na legislatura anterior. “No entanto, não limita o meu receio de que haja por parte dos ministros húngaros pouco apetite político para progredir em algumas áreas da agenda. Pode avançar-se muito pouco durante a presidência húngara”, diz.

No topo da agenda estará o programa comum desenhado em conjunto entre os primeiros-ministros espanhol e belga, Pedro Sánchez e Alexandre de Croo (que presidiram ao Conselho nos últimos 12 meses), e o próprio Orbán, para os 18 meses de presidência rotativa deste trio. A estratégia está assente em seis pilares: defender o estado de direito, democracia e unidade; reforçar a competitividade; dar continuação à transição ecológica e justa; reforçar a agenda social e sanitária; proteger as pessoas e fronteiras; e promover uma Europa global.

Ora, o Conselho (não confundir com o Conselho Europeu) funciona na mesma ótica do Conselho de Ministros a nível nacional. Não tem membros fixos e reúnem-se mensalmente apenas os ministros em função da área política agendada. Por exemplo, quando o Conselho se reúne para debater assuntos económicos e financeiros (o Conselho ECOFIN), são os ministros das Finanças de cada país que marcam presença (no caso de Portugal, Joaquim Miranda Sarmento). Esses Conselhos de Ministros serão presididos pelos ministros húngaros das respetivas pastas.

Presidências rotativas do Conselho da União Europeia:

Orbán entra assim na fase final de um mandato rotativo de 18 meses, tendo, por isso, a responsabilidade de dar continuidade aos trabalhos em curso. Porém, não se exclui que, dentro deste plano, Viktor Orbán tente levar avante a sua agenda pessoal, com especial enfoque sobre a competitividade, imigração e fronteiras. Afinal de contas, “Make Europe great again” (“Tornar a Europa grande outra vez”, tradução livre do inglês) é o mote da sua presidência, numa alusão ao slogan MAGA (Make America great again) popularizado por Donald Trump.

“Vai ser um mandato que começa com um estrondo [após eleições europeias e nomeações para cargos de topo], e desde logo com um slogan que anuncia o que aí vem. Será uma presidência, sobretudo, proclamatória e de tentativa de bloqueio, sempre em troca de algo”, prevê Paulo Sande, antigo assessor político do Presidente da República e especialista em assuntos europeus ao ECO. “Orbán será uma pedra no sapato [da União Europeia] e não mais do que isso”, diz.

Face à pouca margem de manobra, será dentro do programa comum que Orbán tentará movimentar-se tentando garantir que os seis meses da sua presidência serão produtivos para o bloco, isto apesar de haver entre os 27 Estados-membros uma preocupação de que não será bem assim. Com isto em mente, a presidência belga procurou, nos últimos três meses, acelerar a adoção de pacotes legislativos fraturantes, com receio de que sob liderança húngara ficariam na gaveta. Entre eles, o pacto de migrações e asilo, o 14.º pacote de sanções à Rússia e o processo de adesão da Ucrânia à União Europeia. “Algo que não é costume”, aponta Paulo Sande. “Há uma preocupação com possíveis bloqueios na tomada de decisões como costuma ser habitual com Orbán”, diz.

“[O primeiro-ministro húngaro] vai fazer a sua agenda dentro do espírito do programa comum. O seu foco deverá recair sobre a proteção das pessoas e fronteiras, o reforço da industria e da competitividade, tentando construir uma ponte entre a UE e a China”, explica José Filipe Pinto, politólogo e professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Lusófona ao ECO. Recorde-se que é na Hungria que está instalada a fábrica da construtora automóvel BYD, fruto de um acordo de cooperação estratégica assinado entre Budapeste e Pequim. Enquanto Orbán reforça as relações com Xi Jinping, “sempre numa ótica pragmática e nunca ideológica”, garante José Filipe Pinto, Bruxelas, em sentido contrário, aumenta as taxas aduaneiras sobre a importação de carros elétricos chineses.

O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, diz que a atual Comissão Europeia é “a maior ameaça” ao seu paísLusa

Mas mais importante do que isso, Orbán vai analisar a questão da Ucrânia, “procurando levantar obstáculos e tornar o processo mais moroso”, alerta José Filipe Pinto.

Desde o início da invasão russa, em 2022, que o líder húngaro se tornou num obstáculo no apoio dos 27 a Kiev. A oposição traduziu-se em sucessivos vetos em Conselhos Europeus que deixaram um mal-estar entre os seus homólogos. A proximidade indiscutível a Putin culminou no momento em que Orbán saiu da sala quando o Conselho Europeu se preparava para votar a favor do alargamento a Kiev. Foi graças a esta ausência que hoje o bloco está mais perto de voltar a ser composto por 28 países.

Agora na presidência, embora não possa congelar o processo que arrancou, oficialmente, em junho, será expectável que a Hungria coloque entraves até dezembro, mês em que decorrerá o último Conselho Europeu do ano, do mandato de Orbán, e o primeiro de António Costa enquanto presidente do órgão que representa os 27 Estados-membros.

“Vamos ter eleições nos Estados Unidos, o debate em torno da defesa vai estar a ferver porque se fala na necessidade de se fazer investimentos de 500 mil milhões em dez anos e o processo da adesão da Ucrânia vai continuar. Tudo isto vai culminar no Conselho Europeu de dezembro, e Costa e Orbán vão defrontar-se”, alerta Paulo Sande. Mas não se espera um confronto difícil. Afinal de contas, António Costa foi nomeado para presidir o Conselho Europeu precisamente por causa da sua capacidade de dialogar mesmo com aqueles com quem não se alinha politicamente.

Até lá ainda muito vai acontecer. Desde logo, as eleições legislativas em França (já neste domingo), a eleição da presidência e vice-presidência do Parlamento Europeu, e a confirmação de Ursula von der Leyen e Kaja Kallas para presidente da Comissão e chefe da diplomacia, respetivamente, no mês de julho. Depois disso, serão escolhidos os vice-presidentes e comissários em outubro. Face a este calendário, espera-se apenas que o trabalho legislativo no bloco europeu recomece apenas já perto do fim do mandato da presidência húngara. Mas isso não significa que não haja espaço para fogos-de-artifício.

Órban vai, certamente, fazer declarações e perturbar o debate político que é fundamentalmente isso que gosta de fazer“, aponta Margarida Marques, que o caracteriza com um líder “populista puro e duro”.

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