Setor das águas “estagnado” e “subsídio-dependente”. Absorveu 1,4 mil milhões em dez anos

Estudo realizado pelo professor do Instituto Superior Técnico, Rui Cunha Marques, conclui que estes subsídios não estão a contribuir para melhorias significativas nos serviços em causa.  

Os serviços de abastecimento e saneamento de água arrecadaram, nos dez anos terminados em 2021, quase 1,4 mil milhões de euros em subsídios, contabiliza um estudo apresentado esta terça-feira. Ao mesmo tempo, o estudo conclui que estes subsídios não estão a contribuir para melhorias significativas nos serviços em causa.

O setor está fortemente dependente do Orçamento de Estado, dos orçamentos dos municípios e de fundos europeus. Contudo, os níveis de melhoria de serviço estão estagnados e a eficiência tem-se vindo a degradar, apesar da forte subsidiação registada”, lê-se na nota de imprensa que acompanha a divulgação do estudo, e na qual o setor é descrito como “subsídio-dependente”.

Estas são algumas das conclusões do estudo “Modelo de subsidiação dos serviços de abastecimento de água e de saneamento, em Portugal”, realizado pelo professor do Instituto Superior Técnico Rui Cunha Marques, e no qual é feito uma análise ao modelo de subsidiação dos serviços de água e de saneamento. Este estudo é apresentado esta terça-feira numa conferência organizada pela AEPSA — Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente.

O estudo calcula que, na última década, cerca de 1,4 mil milhões de euros foram destinados a subsídios à exploração dos serviços de água. “Estes subsídios não adquiriram um caráter temporário e não permitiram ultrapassar as barreiras e dificuldades existentes”, alerta o estudo.

Os motivos apontados para os subsídios atribuídos não estarem a ser mais eficazes são a respetiva abundância, combinada com a falta de critério na atribuição e falta de estímulo à competitividade, assim como a falta de definição de metas e compromissos.

Serviços em baixa absorvem mais verbas

O bolo de 1,4 mil milhões de euros diz respeito a subsídios com origem no Orçamento do Estado, que apoiaram a exploração dos serviços de abastecimento (AA) e saneamento (AR) de água, entre 2012 e 2021.

É este o processo: o Estado faz transferências para os municípios, que nos seus orçamentos municipais destinam parte das verbas para atividades e gastos associados aos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais. Desta forma, concedem descontos na tarifa da água.

Na década em questão, foram os serviços em baixa que mais usufruíram destas verbas. O saneamento em baixa, que trata da drenagem de águas residuais urbanas, auferiu de 791 milhões de euros, enquanto o abastecimento em baixa, ou seja a distribuição de água até às casas, arrecadou 506,9 milhões.

Fora estes montantes, existem ainda verbas que chegam ao setor através do Fundo Ambiental e de fundos europeus. Em relação ao Fundo Ambiental, o estudo apresenta apenas estimativas para 2020 e 2021: foram atribuídos 24,4 milhões e 28,5 milhões, respetivamente.

De resto, “não foi possível identificar o total dos montantes recebidos da UE” de forma rigorosa, o que “retrata também um pouco a governança, falta de transparência e de controlo dos setores da água e do saneamento em Portugal”, acusa o estudo.

Olhando para a evolução do setor nestes anos, o documento regista, em vários indicadores, mudanças ligeiras. No serviço de abastecimento de água em baixa, a acessibilidade física do serviço subiu de 95% para 97%. No sentido contrário, a acessibilidade económica do serviço caiu de 0,37% para os 0,35% e a reabilitação de condutas diminuiu de 1% ao ano para 0,6%. Ainda numa tendência descendente mas numa nota mais positiva, a água não faturada (água tratada que não chega aos pontos de consumo) desceu de 30,7% para 28,8%.

Já no serviço de saneamento, a acessibilidade económica ao serviço subiu, entre 2012 e 2021, de 0,24 para 0,27, e a acessibilidade física também melhorou, de 81% para 86%. A mesma tendência ascendente verificou-se na cobertura de gastos, que está nos 96%, acima dos 90% correspondentes a 2012. No entanto, a reabilitação de coletores piorou, caindo de 0,5% ao ano para os 0,2% ao ano.

Serviços municipais mais subsidiados

“Os serviços municipais evidenciam o melhor desempenho em termos de acessibilidade económica dos seus utilizadores. No entanto, os serviços municipais são também aqueles que menos recuperam os gastos com a prestação dos serviços e aqueles que mais são subsidiados”, deteta o estudo.

Olhando ao ano de 2021, os serviços que se regem pelo modelo de gestão direta, ou seja, os serviços municipais, municipalizados e associações de municípios, tiveram direito a 58,1% do total de subsídios atribuídos ao setor, em oposição aos 0,6% que cabem à concessão privada.

No que diz respeito à recuperação de gastos totais dos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais, “destacam-se pela positiva as empresas concessionárias (113,1%) e pela negativa o desempenho dos serviços municipais (81,7%)”, face a uma média nacional de 100,9%.

Na acessibilidade económica dos serviços, o desempenho nacional “é muito bom”, na ordem dos 0,61%, que comparam com o 1% recomendado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR). Os municípios estão abaixo de 0,6% e as entidades concessionárias situam-se “ligeiramente acima” dos 0,7%, retrata o estudo.

Perante o cenário retratado, é recomendado que o processo de atribuição dos subsídios seja “transparente, participado, competitivo” e imponha compromissos no que diz respeito à sustentabilidade económica e ambiental dos serviços. Em paralelo, deve ser objeto de prestação de contas dos seus destinatários, sugere.

Além disso, o estudo adota como recomendação a estatística retirada do PENSAARP — Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais 2030, que prevê que sejam necessários aumentos médios das tarifas da ordem de 40%, para garantir a cobertura dos custos operacionais e os necessários investimentos de reabilitação dos ativos.

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