“Planos” e “agendas” para compensar maioria frágil

Da saúde à educação e à redução de impostos, o Governo quis apresentar resultados rapidamente para mostrar que "cumpre os compromissos com o eleitorado", segundo politólogos e economistas.

O Governo de Luís Montenegro fez um sprint de medidas nos primeiros 100 dias de vida para compensar a fragilidade numérica de deputados na Assembleia da República, concluem politólogos e economistas consultados pelo ECO. É uma forma de apresentar rapidamente resultados ao eleitorado, mesmo que, depois, as propostas esbarrem em coligações negativas formadas por PS e Chega, e um aquecimento para o primeiro jogo decisivo: o Orçamento do Estado para 2025.

O Executivo anunciou vários pacotes de medidas, “planos” e “agendas”, muitas sob forma de proposta de autorização legislativa, impedindo assim que a oposição aprove diplomas próprios à revelia de PSD e CDS, partidos que suportam a Aliança Democrática (AD). Desde a tomada de posse, já se contam sete nas áreas da habitação, economia, saúde, justiça, imigração, educação e jovens.

 

 

“Os 100 dias ficam marcados pela tentativa de apresentar resultados rapidamente”, uma vez que este Governo está “consciente de iminentes eleições, ou seja, está muito preocupado com a opinião do eleitorado e muito preocupado com a gestão do espaço entre o PS e o Chega”, indicou ao ECO André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos (IEP) da Universidade Católica.

Para compensar a “fragilidade” de uma maioria relativa de 80 parlamentares (78 do PSD e 2 do CDS), apenas mais dois do que o PS, teve de mostrar “grande ambição para resolver problemas estruturais, setoriais como na área da Educação ou da Saúde”, sublinhou Paula Espírito Santo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP). “Era inevitável, porque apesar de ter vencido, a AD ficou a dois deputados do PS e governa porque não existiu uma maioria de esquerda, senão não estava a governar”, acrescentou André Azevedo Alves.

Assim, avançou no imediato com resoluções para “problemas que vinham de trás”. A que “teve maior sucesso foi com o ministro da Educação, Fernando Alexandre”, que alcançou um acordo histórico com os sindicatos para a contagem faseada de todo o tempo de serviço dos professores e educadores de infância, que esteve congelado para efeitos de progressão na carreira, exemplificou o politólogo.

Noutras áreas, “registou resultados com menor sucesso, como na Saúde e com os polícias”, apontou André Azevedo Alves. Paula Espírito Santo reconhece que “o Governo está longe de chegar a um entendimento para acautelar as aspirações da PSP e GNR” em relação ao subsídio de risco. “Está com mais dificuldade em alcançar metas eleitorais na área da Segurança Interna”, reforçou.

O primeiro-ministro deu um bom sinal quando disse que há limites nas reclamações nomeadamente dos polícias. Assim, parece que haverá equilíbrio das contas públicas, para o Orçamento do Estado para 2025.

António Nogueira Leite

Economista

Porém, o economista António Nogueira Leite considera “positivo” o travão que Luís Montenegro puxou no leilão para o subsídio de risco, quando afirmou, na semana passada, que não vai colocar “nem mais um cêntimo” na proposta para forças de segurança. “O primeiro-ministro deu um bom sinal quando disse que há limites nas reclamações nomeadamente dos polícias. Assim, parece que haverá equilíbrio das contas públicas, para o Orçamento do Estado para 2025″, afirmou o antigo secretário de Estado do Tesouro e das Finanças do segundo Governo socialista de António Guterres.

O economista Carlos Lobo é mais cauteloso e classifica este Governo de “hiperativo”. O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa começa por elogiar “as medidas extremamente positivas como o pacote Construir Portugal, o anúncio do novo aeroporto de Lisboa ou o apoio de Luís Montenegro à candidatura de António Costa à presidência do Conselho Europeu”.

Estamos a entrar numa onda muito perigosa em termos de Finanças Públicas, principalmente ao nível da receita fiscal. Se contabilizarmos a descida do IRS, o IRS Jovem, a isenção do IMT para a compra da primeira casa por jovens até aos 35 anos, o fim das portagens das ex-SCUT do PS, e a redução do IRC, estamos a falar de quase quatro mil milhões de euros de perda de receita permanente face a 2023.

Carlos Lobo

Economista

No entanto, alerta para os riscos de derrapagem das contas públicas. “Estamos a entrar numa onda muito perigosa em termos de Finanças Públicas, principalmente ao nível da receita fiscal. Se contabilizarmos a descida do IRS, o IRS Jovem, a isenção do IMT para a compra da primeira casa por jovens até aos 35 anos, o fim das portagens das ex-SCUT do PS, e a redução do IRC, estamos a falar de quase quatro mil milhões de euros de perda de receita permanente face a 2023″, detalhou o perito em Finanças Públicas.

“Ao nível da despesa, o Governo concedeu o máximo possível aos professores e às forças de segurança”, reconhece. Mas, do lado da perda de receita, Carlos Lobo conclui que “o efeito acabou por ser duplicado com medidas da oposição, como o fim das portagens das ex-SCUT”. “E não estou a ver a economia a crescer de forma a compensar esta redução na arrecadação de impostos”, avisou.

Para António Nogueira Leite, “o risco de desequilíbrio existe sempre e, designadamente, para um país como Portugal que passou pelo ajustamento financeiro (troika)”. “Mas não vejo isso materializado”, destaca.

O economista e professor da Nova SBE dá nota positiva ao acelerador da Economia, apresentado pelo Governo, que prevê uma descida da taxa média do IRC de 21% para 15% até 2027 à razão de dois pontos percentuais (p.p.) ao ano. E considera que esse pacotão vai efetivamente “impulsionar a economia, vai aproximar a economia portuguesa dos padrões mais elevados da OCDE”.

“Mas falta a concretização e é preciso manter o rumo das medidas para fazer acreditar os investidores”, defendeu o antigo vice-presidente da CGD. Para tal, “vai ser necessário negociar, sobretudo com o PS”, defendeu, por outro lado, o economista João Duque.

Este Governo entrou em funções com com um ímpeto anunciador, apresentou várias medidas, mostrando dinâmica. São aspetos muito positivos que criam elevada expectativa junto dos agentes privados, dos investidores.

João Duque

Presidente do ISEG

“Este Governo entrou em funções com com um ímpeto anunciador, apresentou várias medidas, mostrando dinâmica. São aspetos muito positivos que criam elevada expectativa junto dos agentes privados, dos investidores”, observou o professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa. Mas, para concretizar as propostas, ou o Governo conta com “a condescendência da Assembleia da República para aprovar medidas de um Governo minoritário e, aqui, serão necessárias negociações com o PS, ou aprova decretos e portarias, que não têm de passar pelo crivo do Parlamento”, indica.

João Duque critica, no entanto, “a postura pouco clara” do líder do PS, Pedro Nuno santos, porque oscila entre três tipos de oposição: “num dia, não viabiliza o Orçamento do Estado, noutro dia viabiliza e depois diz que viabiliza mas só se tiver medidas do PS”.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, acompanhado pelo ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, e pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro. FILIPE AMORIM/LUSAFILIPE AMORIM/LUSA

De igual modo, a politóloga Paula Espírito Santo considera que o Executivo “terá de ter uma capacidade permanente de diálogo”. “Tem até tentado entendimentos com vários partidos e até pode ter um ganho eleitoral por haver uma concretização mais ampla com integração das medidas da oposição, mostrando assim uma postura convergente”, sinalizou a investigadora.

Mas, recentemente, Luís Montenegro dramatizou o discurso, afirmando que prefere “ir embora” do que faltar aos compromissos com o eleitorado, isto é, do que ter de executar medidas aprovadas pela oposição e contrárias ao programa do Governo como aconteceu com a descida do IRS.

“O primeiro-ministro quer mostrar segurança ao eleitorado e mostrar aos partidos que ele deve ser o principal interveniente. É uma dramatização para mostrar ao eleitorado que tem firmeza suficiente e até põe em cheque as suas funções se não puder cumprir o que tem previsto. Está a antecipar o grande momento da discussão do Orçamento do Estado para 2025″, conclui Paula Espírito Santo.

Muitas demissões e um “deslize”

Os primeiros 100 dias de Governo também ficaram marcados por sucessivas demissões em cargos de topo da administração pública, como o diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde Fernando Araújo (substituído pelo tenente-coronel António Gandra d’Almeida), a presidente do Instituto da Segurança Social, Ana Vasques, a provedora da Santa Casa da Misericórdia, Ana Jorge, o diretor nacional da PSP, José Barros Correia, ou da administração da Agência para a Modernização Administrativa, João Dias. Face às críticas da oposição, Luís Montenegro teve de vir garantir que não se tratava de “uma purga com critérios partidários”.

“Estes 100 dias também mostram que, até ver, o Governo não cometeu os mesmos erros que o PS em matérias de questões escandalosas e de corrupção”, aponta Paulo Duarte, investigador e doutorado em Ciência Política pela Universidade do Minho. “Desse ponto de vista, os últimos momentos do Governo do PS ficaram marcados por isso, e não tem havido esse deslize negativo”, termina. O único caso mais saliente foi o da secretária de Estado da Mobilidade, Cristina Dias, visada pela oposição por ter recebido uma indemnização para sair da CP em 2015 e, no dia seguinte, ingressar na Autoridade da Mobilidade e Transportes.

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