Como a Martifer deu a volta após estar à beira da falência

Irmãos Martins, com 48% do capital, e a Mota-Engil, com 37,5%, controlam a empresa, que tem a subconcessão dos estaleiros de Viana, onde garante as maiores receitas e tem Mário Ferreira como cliente.

Chegou à bolsa em meados de 2007, embalada pela euforia que antecedeu ao “crash” de 2008. A crise financeira, a pior desde a Grande Depressão, a crise da dívida soberana na Europa e a pandemia, associada a algumas opções estratégicas mal sucedidas atiraram a empresa de construções metálicas e indústria naval controlada pelos irmãos Carlos e Jorge Martins e pela Mota-Engil para uma situação de falência técnica. Após uma verdadeira travessia pelo deserto, a empresa conseguiu voltar ao crescimento. Hoje, a Martifer apresenta resultados sólidos, alicerçados numa carteira de encomendas recorde de 753 milhões de euros, Carlos Martins reforçou a posição acionista, e a Mota mantém-se acionista de referência.

A empresa com sede em Oliveira de Frades, criada em fevereiro de 1990 pelos irmãos Martins, estreou-se no mercado de capital no dia 27 de junho de 2007. Os títulos da empresa, vendidos no intervalo mais elevado nos oito euros por ação, permitiram um encaixe de cerca de 200 milhões de euros com a dispersão de 25% do capital. Capital usado para acelerar o crescimento e a internacionalização. Contudo, uma estratégia de internacionalização demasiado rápida e mal avaliada, impactada pelas várias crises financeiras, aceleraram a dívida da empresa, que chegou aos 600 milhões de euros, e determinaram uma série de sete anos de resultados líquidos negativos, um período no qual acumulou 370 milhões de euros de prejuízos e atingiu capitais próprios negativos.

A recuperação dos resultados demorou vários anos e envolveu um acordo com os bancos para a reestruturação da dívida, focado no desinvestimento de negócios não core e a venda de ativos imobiliários, permitindo à empresa focar-se na sua atividade principal, a construção de estruturas metálicas. Este processo contou sempre com o apoio do parceiro e acionista Mota-Engil, que ajudou a “limpar” prejuízos na empresa, através da injeção de vários milhões para cobrir prejuízos acumulados.

O desinvestimento em ativos não core envolveu a venda de vários ativos da área de renováveis, incluindo a alienação de parques eólicos em Vila Franca de Xira e Baião à Finerge, em 2019, por 23 milhões de euros, e, no mesmo ano, a venda de seis centrais solares fotovoltaicas espanholas também à Finerge, num negócio com um valor semelhante (23,5 milhões).

Estaleiros no centro do turn around

Com o grupo focado em reduzir a dívida, a construção naval foi ganhando maior relevância na geração de receitas do grupo, através da West Sea, que gere os estaleiros de Viana do Castelo, tendo em Mário Ferreira como um dos principais clientes. A Mystic Invest, a “holding” do dono da Douro Azul, constrói os seus navios em Viana, tendo-se tornado, nas palavras de Carlos Martins, citado pelo Negócios, “a ‘trave-mestra’ na transformação destes estaleiros numa referência mundial ao nível da construção de navios de turismo de média dimensão”.

Este processo de recuperação da empresa permitiu um regresso aos lucros em 2017. Um ano mais tarde, a companhia mudou a gestão. Pedro Duarte substitui Carlos Martins como CEO da empresa, com este a passar a chairman, uma escolha feita pelos irmãos Martins e pelo grupo Mota-Engil, detentores do capital do grupo.

Ao longo dos últimos anos, a empresa focou-se nas suas três áreas de atividade – construções metálicas, indústria naval e renováveis – , tendo conseguido fechar importantes contratos, sobretudo na construção de navios a partir dos estaleiros de Viana do Castelo, um segmento onde tem vindo a investir.

Cinco anos depois de ser anunciada, a Martifer avançou finalmente este ano com a construção de uma nova doca seca nos estaleiros navais de Viana do Castelo, destinada à reparação naval e que permitirá captar navios de maior dimensão. Avaliado em mais de 24 milhões de euros, este é o maior investimento do grupo nos últimos 15 anos e deve estar concluído no final de 2025.

Este investimento, indica a empresa no seu relatório & contas de 2023, vai posicionar os estaleiros minhotos como “um dos mais importantes da Europa nesta área e tornar as atividades de reparação e construção naval cada vez mais equilibradas no peso relativo do volume de negócios”.

Nos últimos anos, a Martifer tem dado sinais de recuperação após um período difícil, assegurando contratos de grande relevância.

Henrique Tomé

Analista da XTB

Nos últimos meses, a empresa comunicou à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a assinatura de vários contratos relevantes. No final de dezembro, a Martifer assinou um contrato com o Estado para construir seis Navios Patrulha Oceânicos, pelo valor de cerca de 300 milhões de euros. Rubricou ainda o maior contrato individual para a construção de um navio cruzeiro de luxo para o armador japonês Ryobi Holdings (103 milhões) e outro para um navio-hotel a operar pela Australian Pacific Touring (APT) com navegação no rio Douro, com capacidade para 122 passageiros e 38 tripulantes.

“A Martifer demonstrou uma recuperação que podemos considerar sólida nos últimos anos, com esta cotada a conseguir contratos relevantes e a melhorar os seus resultados”, realça João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa, ao ECO. Henrique Tomé, analista da XTB, concorda que “nos últimos anos, a Martifer tem dado sinais de recuperação após um período difícil, assegurando contratos de grande relevância“.

Depois de ter regressado aos lucros em 2017, a companhia tem vindo a melhorar resultados. A Martifer registou, no ano passado, lucros de 19,7 milhões de euros, correspondendo a uma subida de 48% em comparação com o ano anterior. 2023 ficou marcado pelo crescimento significativo do negócio, com a carteira de encomendas a disparar 64% para 753 milhões de euros. Deste valor, 507 milhões de euros (67%) são gerados na indústria naval.

Na área das renováveis, a empresa também tem conseguido fechar alguns acordos. “A empresa tem expandido a sua atuação no setor de energia renovável“, diz o analista da XTB, acrescentando que “estes contratos reforçam a posição da Martifer no mercado internacional e destacam a sua capacidade de entregar projetos complexos e de alto valor.”

“As expectativas para o futuro da empresa são positivas, tendo em conta a carteira de pedidos que tem aumentado e a estratégia de diversificação que inclui setores estratégicos como construção naval e energia renovável. A melhoria da saúde financeira da empresa, evidenciada pela redução da dívida líquida e aumento dos lucros, também contribui para o cenário otimista​”, conclui Henrique Tomé.

A Martifer parece deter planos que podem sugerir um futuro mais sustentável, como a expansão da capacidade de reparação naval, o gradual incremento no setor de Renováveis e Energia, e a implementação de projetos estratégicos como o Green.H2.Atlantic para a produção de hidrogénio verde.

João Queiroz

Head of trading do Banco Carregosa

Já João Queiroz refere que, “atendendo ao desempenho financeiro robusto e a implementação de estratégias para crescimento financeiramente sustentável, a expectativa para a Martifer é positiva.” O especialista considera que o grupo industrial “aparenta estar adequadamente posicionado para continuar a sua recuperação e crescimento nos próximos anos, aproveitando para capitalizar, sobretudo, as oportunidades dos mercados de exportação e do setor de energia renovável.”

“A Martifer parece deter planos que podem sugerir um futuro mais sustentável, como a expansão da capacidade de reparação naval, o gradual incremento no setor de Renováveis e Energia, e a implementação de projetos estratégicos como o Green.H2.Atlantic para a produção de hidrogénio verde”, acrescenta o head of trading do Banco Carregosa.

Carlos Martins reforça posição

Os irmãos Martins, que lideram com a Mota-Engil o núcleo duro acionista da companhia, têm vindo a reforçar a sua participação na empresa, mostrando que se mantêm confiantes no rumo do negócio. Na sequência da efetivação da aquisição de 4,2% do capital por 6,28 milhões de euros por parte da sociedade Black and Blue Investimentos, detida pelo chairman Carlos Martins, o empresário passou a controlar 5,4519% do capital da empresa através desta sociedade.

Uma vez que à I’M SGPS, dos irmãos Carlos e Jorge Martins, são imputadas as participações e direitos de voto dos irmãos Martins e da Black and Blue Investimentos, a “holding” controla agora 48 milhões de ações da Martifer, correspondentes a 48,09% do capital e 49,18% dos direitos de voto. Uma participação que se afasta a Mota-Engil, que mantém os mesmos 37,5% do capital. Ainda assim, uma posição incontornável para o futuro da companhia.

A gestão familiar tende a ser mais alinhada com a visão de longo prazo da empresa, potencialmente resultando em decisões estratégicas mais coesas e focadas no fortalecimento da posição da Martifer nos mercados de construção naval e energia renovável. É mais um ponto positivo para a empresa.

Henrique Tomé

Analista da XTB

“Este reforço solidifica o controlo familiar sobre a empresa, afastando-se do segundo maior acionista, a Mota-Engil, que mantém uma participação de 37,5%”, refere Henrique Tomé. Para o analista da XTB, “este aumento da participação dos irmãos Martins deve ser interpretado como um aumento da confiança dos irmãos na capacidade da empresa de crescer e prosperar“.

A gestão familiar tende a ser mais alinhada com a visão de longo prazo da empresa, potencialmente resultando em decisões estratégicas mais coesas e focadas no fortalecimento da posição da Martifer nos mercados de construção naval e energia renovável. É mais um ponto positivo para a empresa”, aponta o mesmo especialista.

Carlos Martins, presidente da Martifer, reforçou a posição na empresa.ARMÉNIO BELO / LUSA 27 maio, 2015

Quanto à parceria entre a Martifer e a Mota-Engil, Henrique Tomé considera que esta “tem sido benéfica para ambas as partes, pois fortalece as posições de ambas as empresas no mercado. Não vemos o reforço de capital por parte dos irmãos como uma ameaça para a Mota-Engil reduzir a sua participação na empresa, dado que também a beneficia“, conclui.

“O reforço dos acionistas maioritários, os irmãos Martins, é um movimento estratégico relevante que pode sugerir o commitement ou compromisso com o projeto. Este aumento do controle pode trazer várias implicações positivas para a empresa, como estabilidade para implementar objetivos de longo prazo e assegurar uma gestão estável e consistente, auxiliando a manter um foco estratégico alinhando as operações com os objetivos de crescimento sustentável”, concorda João Queiroz.

O head of trading do Banco Carregosa adianta ainda que “também contribui para uma maior agilidade na tomada de decisões, sem necessidade de negociações prolongadas com outros acionistas relevantes, sendo vantajoso em mercados e segmentos dinâmicos onde é exigida uma capacidade de resposta rápida.”

Apesar desta melhoria de resultados e da confiança manifestada pelos fundadores da empresa, as ações continuam longe dos níveis a que foram vendidas – oito euros – ou dos máximos em que tocaram (12 euros). As ações da companhia negoceiam atualmente em torno de 1,6 euros, uma cotação que avalia a empresa em torno de 157 milhões de euros.

Para o analista João Queiroz, a melhoria dos seus resultados financeiros, o facto de a empresa estar a reduzir dívida e aumentar o lucro “constituem argumentos positivos que podem indicar uma tendência de recuperação”.

A carteira de encomendas robusta de 753 milhões de euros e um crescimento nas áreas de Construções Metálicas e Indústria Naval pode constituir uma base para bons desempenhos económico-financeiros. Além disso, a expansão no setor de renováveis, especialmente com projetos como o Green.H2.Atlantic, posiciona-a para beneficiar das tendências de “energia limpa e descarbonização”“, antecipa.

“Porém, necessita de incrementar o ritmo de eficiência operacional e de expansão da carteira de encomendas, o que não está isento de riscos, atendendo que poderá envolver assumir mais riscos e aumentar o investimento para conseguir cristalizar um maior crescimento da sua avaliação na bolsa nacional”, atira o especialista.

Henrique Tomé reconhece que “o preço das ações da empresa nunca conseguiu ultrapassar as fortes quedas que resultaram da última grande crise financeira.” “As ações da empresa têm sido pouco atrativas para os investidores, contudo a aparente mudança na estratégia da empresa e os esforços que têm sido feitos até então, podem refletir-se também no preço das ações”, remata.

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