Descida do IRC terá impacto “residual” na receita do Orçamento do Estado para 2025

Alívio de dois pontos na taxa poderá refletir-se já em 2025, por via do terceiro pagamento por conta, comprometendo o Orçamento. Mas o seu efeito será pouco significativo, segundo vários fiscalistas.

A redução de dois pontos percentuais da taxa normal de IRC, de 21% para 19%, e da taxa reduzida, de 17% para 15%, no próximo ano, poderá ter impacto na perda de receita fiscal em 2025, por via da diminuição do terceiro pagamento por conta, que é adiantado ao Estado em dezembro. Isto significa que este alívio fiscal pode comprometer já o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). Contudo, a dimensão desse efeito no plano orçamental será “residual”, concluem vários fiscalistas consultados pelo ECO.

O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, já tinha adiantado que o grande impacto será sentido em 2026, aquando da liquidação do imposto referente a 2025.

“A descida de IRC que o Governo propõe para 2025 só terá impacto na receita em 2026, portanto, trazê-lo à discussão do Orçamento para 2025 pode ser feito numa lógica de política de médio e longo prazo, mas não numa lógica daquilo que é condicionante orçamental para 2025, porque a redução da taxa efetua-se em 2025, as empresas entregam a declaração de IRC de 2025 em maio de 2026 e, portanto, um eventual efeito na receita apenas ocorre no exercício orçamental [de 2026]”, afirmou o governante, na semana passada, numa entrevista ao Público/Rádio Renascença.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, acompanhado pelo ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, e pelo ministro da Economia, Pedro Reis. FILIPE AMORIM/LUSAFILIPE AMORIM/LUSA

O Governo estima perder 500 milhões de euros de receita em 2026 com a redução das taxas normal e reduzida em dois pontos percentuais para 19% e 15%, respetivamente. No entanto, parte desse impacto poderá refletir-se já no próximo ano, o que obriga o OE2025 a cabimentar esse custo.

Sabendo que o PS está totalmente contra a redução transversal do IRC, defendendo antes uma descida seletiva, esperam-se negociações duras até que o Governo consiga que o maior partido da oposição viabilize, pela abstenção, o Orçamento. A proposta do Executivo, sob a forma de pedido de autorização legislativa, deu entrada no Parlamento a 11 de julho, mas só será discutida depois das férias do verão, em setembro.

Em 2023, o Estado arrecadou 8.684,8 milhões de euros com a cobrança de IRC, segundo a síntese de execução orçamental de dezembro, publicada pela Direção-Geral do Orçamento (DGO). No OE para 2024, foi inscrita uma verba de 8.147,7 milhões de euros, de acordo com o relatório assinado pelo então ministro das Finanças, Fernando Medina.

Uma pequena fatia da receita de IRC, que anda em torno dos oito mil milhões de euros por ano, poderá ser comprometida já em 2025, mas a grande parcela dos 500 milhões de euros de perda fiscal será sentida em 2026, aquando da liquidação do imposto.

A lei permite que as empresas diminuam o terceiro e último pagamento por conta, que se efetua em dezembro, se verificarem que, ao longo do ano, já entregaram ao Estado o IRC devido nesse exercício, ou porque a taxa do imposto baixou, ou porque os administradores anteveem resultados menos positivos, logo, que o lucro tributável será menor.

Se a terceira entrega por conta a efetuar for superior à diferença entre o imposto total que o sujeito passivo julgar devido e as entregas já efetuadas, pode aquele limitar o terceiro pagamento a essa diferença“, segundo o artigo 107º do Código do IRC (CIRC). Para além disso, “se o sujeito passivo verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável do período de tributação, pode deixar de efetuar o terceiro pagamento por conta”, de acordo com o mesmo diploma.

Se a terceira entrega por conta a efetuar for superior à diferença entre o imposto total que o sujeito passivo julgar devido e as entregas já efetuadas, pode aquele limitar o terceiro pagamento a essa diferença.

Código do IRC

No entanto, é preciso ter em conta que, aquando da liquidação do IRC, no ano seguinte, se se verificar que, “em consequência da suspensão da terceira entrega […] deixou de ser paga uma importância superior a 20% da que, em condições normais, teria sido entregue, há lugar a juros compensatórios”, indica o CIRC.

“As empresas podem não realizar ou reduzir proporcionalmente o terceiro pagamento por conta se verificarem que o montante dos dois pagamentos por conta já efetuados é igual ou superior ao IRC que será devido, a final, com base na matéria coletável de 2024”, reconhece João Espanha, especialista em Direito Fiscal da sociedade de advogados Broseta. Porém, “uma baixa de 2 pontos percentuais na taxa de imposto”, de 21% para 19%, dificilmente dispensará as empresas de realizar o terceiro pagamento por conta por inteiro em 2024, salvo por razões alheias a tal facto (maus resultados)”, ressalva o fiscalista.

Espanha admite que, “no caso de grandes empresas que pagam muito de IRC ou de empresas com dificuldades de tesouraria, poderá ser equacionada a hipótese de reduzir o terceiro pagamento por conta”. “Mas o impacto na receita do Estado, em 2025, será residual”, conclui.

Uma baixa de 2 pontos percentuais na taxa de imposto, de 21% para 19%, dificilmente dispensará as empresas de realizar o terceiro pagamento por conta por inteiro em 2024, salvo por razões alheias a tal facto (maus resultados).

João Espanha

Fiscalista

Do mesmo modo, o fiscalista Luís Leon, sócio-fundador da consultora Ilya, considera que “o grande efeito será sentido em 2026, porque a maioria das empresas não faz o acerto nos pagamentos por conta”. “Até porque, se pagarem abaixo do que é devido, sujeitam-se a ter de pagar juros compensatórios”, argumenta. Leon recorda que, “como os pagamentos por conta são adiantamentos, se as empresas pagarem a mais, depois é-lhes devolvido esse montante na liquidação do imposto no ano seguinte, tal como acontece no IRS”.

Para o fiscalista Ricardo Borges, “as empresas podem fazer o cálculo dos pagamentos por conta, em 2025, com base nas novas taxas e, nessa medida, poderá haver algum impacto no ano em curso, mas será muito pouco significativo”. “As empresas mais atentas, com a tesouraria mais apertada, e as grandes empresas poderão estudar ajustes nos pagamentos por conta, por causa da redução da taxa do imposto, mas o seu impacto na receita fiscal será negligenciável”, reforça o sócio-administrador da sociedade de advogados Ricardo da Palma Borges & Associados.

O grande efeito será sentido em 2026, porque a maioria das empresas não faz o acerto nos pagamentos por conta. Até porque se pagarem abaixo do que é devido sujeitam-se a ter de pagar juros compensatórios.

Luís Leon

Fiscalista

O perito em impostos sobre os rendimentos defende que “a revisão em baixa dos resultados, dos lucros das empresas, será o principal motivo para reduzir o terceiro pagamento por conta, e não porque a taxa do imposto do corrente ano baixou”.

Contudo, e reconhecendo que “a descida do imposto em dois pontos percentuais terá um efeito significativo no imposto devido pelas grandes empresas, é possível que decidam então baixar o terceiro pagamento por conta, o que terá algum impacto“, sublinha o fiscalista, que já foi adjunto do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no tempo do segundo Governo de António Guterres e integrou o subgrupo da Reforma dos Impostos sobre o Rendimento durante a governação de José Sócrates.

A descida do imposto em dois pontos percentuais terá um efeito significativo no imposto devido pelas grandes empresas, é possível que decidam então baixar o terceiro pagamento por conta, o que terá algum impacto.

Ricardo Borges

Fiscalista

Os pagamentos por conta funcionam como uma espécie de adiantamento do imposto a pagar, que depois está sujeito a um acerto de contas no ano seguinte, com a entrega, até 31 de maio, da declaração Modelo 22 do IRC. Excecionalmente, este ano, o Governo estendeu o prazo até 15 de julho.

“Os três pagamentos por conta são realizados, de acordo com o artigo 104.º do CIRC, nos meses de julho, setembro e até 15 de dezembro, respetivamente“, indica João Espanha. E os montantes variam consoante o lucro tributável. Assim, empresas que obtiveram, no ano anterior, um volume de negócios igual ou inferior a 500 mil euros têm de adiantar ao Estado 80% do imposto a liquidar, repartido por três partes iguais, arredondadas por excesso para euros.

Se a faturação tiver superado os 500 mil euros, o pagamento por conta sobe para 95% do montante do imposto, separado também por três parcelas iguais e arredondadas por excesso para euros, de acordo com o CIRC.

“As empresas sujeitas a derrama estadual devem ainda proceder a um pagamento adicional por conta (nos mesmos prazos, sobre a parte do lucro tributável superior a 1,5 milhões de euros”, assinala o fiscalista João Espanha.

Pagamento adicional por conta

Fonte: CIRC, Portal das Finanças

Todas as empresas, com sede ou estabelecimento estável em Portugal que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, estão sujeitas a pagamentos por conta”, indica o especialista em Direito Fiscal.

Mas há algumas exceções. “As demais entidades que sejam sujeitos passivos de IRC (como associações ou fundações) não estão sujeitas a pagamentos por conta. E qualquer sujeito passivo de IRC fica dispensado de pagamentos por conta quanto o valor do IRC liquidado quanto ao exercício anterior foi inferior a 200 euros”, aponta João Espanha.

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