Economia, aborto e imigração vão marcar debate focado nos indecisos dos “swing states”
Conflitos em Gaza e na Ucrânia também serão tema no frente-a-frente desta noite entre Kamala Harris e Donald Trump. Mas o custo de vida e a inflação influenciam mais o voto dos eleitores indecisos.
A economia, a imigração e o aborto serão os temas em destaque no debate entre Kamala Harris e Donald Trump esta noite. Para segundo plano deverá ficar a política externa, em particular o conflito em Gaza, visto que ambos os candidatos à Casa Branca pretendem concentrar a sua mensagem nos eleitores indecisos, sobretudo dos swing states, para quem este não é um fator decisivo.
A atual vice-presidente parte para o frente-a-frente marcado para as 21 horas locais (2 horas de quarta-feira em Portugal) em ligeira vantagem nas sondagens a nível nacional: segundo a plataforma RealClearPolling, que calcula a média de 12 empresas de pesquisa de opinião, Kamala Harris lidera por 1,1 pontos percentuais (48,4% versus 47,3%).
No entanto, são os votos dos 538 grandes eleitores do Colégio Eleitoral que contam e não os votos a nível nacional. Basta recordar que Donald Trump venceu Hillary Clinton em 2016 por ter conquistado a maioria dos votos no Colégio Eleitoral, embora não tenha recebido o maior número de votos da população. E, neste momento, a plataforma RealClearPolling dá uma maioria de 281 votos de grandes eleitores ao ticket republicano contra 257 para a candidatura de Kamala Harris e Tim Walz.
Este cenário indica que, à semelhança das presidenciais anteriores, as eleições agendadas para 5 de novembro se jogam, essencialmente, nos swing states, assim chamados por serem estados que tendem a mudar de partido a cada eleição, tidos por isso como determinantes para o resultado eleitoral. Como indica Luís Tomé, professor catedrático de Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), é nos eleitores indecisos destes estados decisivos que Kamala Harris e Donald Trump “vão centrar a mensagem” durante o debate desta noite.
A plataforma RealClearPolling assume como sete os “estados de batalha” para a corrida à Casa Branca, mostrando Donald Trump em vantagem no Arizona (por 1,6 pontos percentuais), na Carolina do Norte (por 0,1 pontos percentuais) e na Georgia (por 0,3 pontos percentuais) – três estados que, no seu conjunto, valem 43 grandes eleitores no Colégio Eleitoral.
No debate desta noite, Kamala Harris e Donald Trump vão centrar a sua mensagem nos eleitores indecisos, em particular dos “swing states”
Já Kamala Harris surge à frente noutros três estados, nomeadamente no Nevada (por 0,6 pontos percentuais), no Wisconsin (por 1,5 pontos percentuais) e no Michigan (por 1,2 pontos percentuais), que, juntos, garantem 31 grandes eleitores no Colégio Eleitoral.
Sobra a Pensilvânia, o “mais valioso” dos swing states, com 19 grandes eleitores em jogo, e onde a democrata e o republicano estão, neste momento, empatados. É, aliás, na maior cidade deste estado norte-americano, Filadélfia, que vai decorrer o primeiro e, pelo menos por enquanto, único debate entre ambos. O palco está a ser montado no National Constitution Center, um centro educativo privado sem fins lucrativos e um museu dedicado à Constituição dos EUA.
Antecipando sobre o que deverão incidir as perguntas a ser colocadas pelos moderadores David Muir e Linsey Davis, dois jornalistas da ABC News, Luís Tomé considera que o foco vai ser a personalidade e o currículo dos candidatos. Porém, ressalva ao ECO que, “embora em regra se sobreponham as questões centradas na personalidade, as divergências entre candidatos são tão profundas e a sociedade norte-americana está tão polarizada que haverá certamente discussão sobre questões políticas, essencialmente política interna“.
Independentemente das questões dos moderadores e de as regras ditarem que os microfones vão ser silenciados quando o adversário tiver a palavra, quer Kamala Harris, quer Donald Trump vão “empurrar” o debate para os temas que querem salientar, numa tentativa de “degradar a imagem do adversário”, considera o também investigador no Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa (IPRI-NOVA).
Nesse sentido, Luís Tomé aponta que Kamala Harris “deverá utilizar a sua experiência como procuradora para confrontar Trump com os seus muitos processos judiciais e as condenações em que já foi visado”, bem como “com a sua anterior presidência, o ataque ao Capitólio, as mentiras e a sua defesa da posse de armas de fogo, lembrando os sucessivos ataques em escolas”.
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Mas a atual vice-presidente dos EUA vai insistir, em particular, na questão do aborto, importante para o eleitorado do Partido Democrata, uma vez que foi o concorrente republicano, quando era Presidente, quem nomeou três juízes para o Supremo Tribunal Federal que votaram a favor de reverter a decisão do caso Roe vs Wade, que estabeleceu o direito à interrupção voluntária de gravidez nos Estados Unidos. Aqui, o professor da UAL prevê que Trump “vai meter-se na defensiva e dizer que, no fundo, quer é dar margem de manobra a cada um dos estados federados para legislar conforme entender”.
Donald Trump, por seu lado, “vai tentar associar Kamala Harris à presidência de Joe Biden, impopular, e às questões que mais preocupam a generalidade do eleitorado norte-americano, em particular o dos swing states, como a inflação, o aumento do custo de vida e as dificuldades da indústria do país” – cuja responsabilidade tenta imputar à atual administração –, além de trazer a debate o tema da imigração e dos problemas na fronteira com o México, acrescenta.
Para Vasco Rato, ex-presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) entre 2014 e 2020, o candidato republicano vai pressionar a rival democrata a “responder concretamente sobre as mudanças de política” – como por exemplo no que diz respeito ao fracking, uma questão crucial para o eleitorado da Pensilvânia –, apontando-lhe as “inconsistências” e procurando “gerar alguma dúvida sobre se ela verdadeiramente mudou de posição ou se mudou por oportunismo político”.
Em matéria de política externa, Trump vai manter a “narrativa de que Biden e Harris são responsáveis pelas guerras na Ucrânia e no Médio Oriente”, aponta o analista Luís Tomé, que, contudo, considera que este “não será um assunto de fundo”. Ainda assim, enquanto o ex-presidente “vai limitar-se a dizer que com ele não haveria nem uma guerra nem outra e que os adversários jamais se atreveriam com ele, sem no entanto apresentar verdadeiros planos de solução e paz quer para um lado, quer para o outro”, a posição de Kamala Harris será de “equilíbrio” entre o seu papel como vice-presidente da atual administração norte-americana, em que “responsabiliza os autocratas e defende a democracia, sobretudo com os parceiros e aliados dos EUA que Trump sempre alienou”, e procurar mostrar ao eleitorado mais progressista que está disposta a exercer maior pressão sobre Israel para um cessar-fogo em Gaza do que Biden.
O ex-presidente da FLAD concorda que a política externa “é obrigatoriamente falada” num debate, mas “não tem grande influência” no eleitorado. Não obstante, “as perguntas sobre política externa são importantes para testar a capacidade de liderança e também para ver se os candidatos estão dentro dos assuntos“, sublinha Vasco Rato ao ECO, lembrando o debate às presidenciais de 1976, em que o então presidente e candidato republicano Gerald Ford cometeu uma gaffe ao afirmar que “não havia qualquer domínio da União Soviética no leste da Europa e que nunca haveria numa administração Ford”. Ou seja, “há sempre o perigo de [os candidatos] se espalharem em matéria de política externa“.
No debate, serão ainda relevantes as dinâmicas do género e a diferença de idades. Se, até meados de julho, a idade era desfavorável ao candidato democrata e a campanha republicana usava isso contra Joe Biden, agora isso inverteu-se: Kamala Harris tem 59 anos, quase 20 anos a menos que Donald Trump, com 78.
Embora Luís Tomé não acredite que Kamala Harris dê ênfase à idade do opositor, porque as pessoas já o sabem, considera que é um contexto que vai ser notado pelo eleitorado e por quem assistir ao debate. “Se Kamala Harris vier a ser a vencedora das eleições será a primeira mulher Presidente dos EUA; se porventura for Trump, será o mais velho Presidente dos Estados Unidos alguma vez eleito. Portanto, isto pode acabar por pesar“, resume o também professor no Instituto da Defesa Nacional (IDN).
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