MP recorre a escutas “quando percebe que elas são essenciais”, diz PGR
Para punir "os responsáveis pela violação do segredo de Justiça, então temos de aceitar os meios intrusivos de obtenção de prova, como as escutas telefónicas”, diz Lucília Gago.
“Quando alguns falam em necessidade de prestação de contas, referindo que os magistrados do Ministério Público (MP) não estão dispensados de prestar contas, assim é e assim tem ocorrido através da atividade de inspeção dos magistrados”, começa por dizer a titular da investigação criminal, referindo que “o número de inspetores a verificar o trabalho dos magistrados duplicou” durante o seu mandato, o que facilita a “deteção prematura de problemas”. A procuradora-geral destacou ainda o facto de o relatório ter evidenciado que foram instaurados 59 inquéritos, tendo sido aplicadas 18 penas disciplinares aos procuradores do MP.
Lucília Gago insistiu na falta de meio dos magistrados: “Os magistrados do Ministério Público fazem um esforço quase dantesco para levar por diante a sua missão, não obstante a falta de meios”. Há uma insuficiência de magistrados, diz a PGR, que volta a apontar as greves feitas pelos funcionários judiciais como uma das justificações para os atrasos nos trabalhos do Ministério Público.“A greve de funcionários judiciais de forma recorrente tem malefícios que só daqui a algum tempo serão medidos. Há uma falta de 400 funcionários judiciais. Se as condições dos funcionários judiciais continuarem, é certo que podemos abrir concursos, que eles acabarão por não permanecer nesse desempenho”, disse.
A audição de Lucília Gago na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias acontece na sequência de requerimentos apresentados em 25 de junho por Bloco de Esquerda e PAN, a um mês do fim do seu mandato à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR). O presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, esteve também presente na sala da Assembleia da República para esta audição. Ao longo dos últimos meses, em sucessivas intervenções públicas, perante o avolumar de casos na Justiça, José Pedro Aguiar-Branco afirmou que a procuradora Geral da República deveria apresentar explicações na Assembleia da República.
Questionada sobre o uso excessivo de escutas telefónicas por vários grupos parlamentares, “a lei está bem. O MP recorre a escutas quando percebe que elas são essenciais”, diz, sem mais, a PGR. Recusando que os magistrados recorrem a este meio de prova em excesso. “Tendo em conta o RASI, desde 2011, verificamos que o número de interceções telefónicas conheceu o auge em 2015. Desde então tem vindo a decrescer. As escutas carecem de autorização judicial. Há e tem de haver por parte do magistrado uma avaliação sobre a estrita necessidade de recorrer a escutas telefónicas”, explicou. “Essas situações em que as escutas demoraram tempo longo são absolutamente excecionais e é porque se reconhece a necessidade para as finalidades do inquérito”, acrescentou. Misturando assuntos, Lucília Gago insere o tema de violação de segredo de Justiça: “Se se pretende efetivamente perseguir e punir os responsáveis pela violação do segredo de Justiça, então temos de aceitar os meios intrusivos de obtenção de prova, como as escutas telefónicas”.
Sobre a violação do segredo de Justiça, defendeu que o MP surge sempre como tendo “uma presunção de culpa”, sublinhando que esse é um clima que serve os interesses dos arguidos e das respetivas defesas “desviando o foco das suspeitas”.
Lucília Gago esclareceu que esta não é a primeira vez que está a responder às perguntas dos deputados. “Esta é a quarta vez que me encontro a ser ouvida na Assembleia da República. Aconteceu em Tancos, em 2018, em julho do mesmo ano sobre violência doméstica e em 2021 sobre a diretiva sobre os deveres hierárquicos em matéria penal”.
Sobre o atraso na entrega do relatório de atividades do Ministério Público, Lucília Gago apontou a culpa às sucessivas greves dos funcionários judiciais. “As greves que têm decorrido por parte dos senhores funcionários judiciais, independentemente da justeza das reivindicações é o motivo que atrasou a recolha de dados”, acrescentou.
A audição de Lucília Gago ocorre depois da sua primeira entrevista a um meio de comunicação social em seis anos de mandato, ao quebrar o silêncio em julho na RTP. Entre outras coisas, denunciou a existência de uma “campanha orquestrada” contra o MP e referiu que o ex-primeiro António Costa continuava sob investigação no caso Influencer, o que suscitou ainda mais críticas e pedidos de esclarecimento de diversos partidos.
Lucília Gago, que já manifestou a sua indisponibilidade para continuar no cargo, ainda deixou críticas à ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, após a governante ter declarado que o futuro procurador-geral teria de “arrumar a casa”.
O relatório de atividade, que só foi divulgado publicamente a 5 de agosto e já depois de ser confirmada a presença de Lucília Gago perante os deputados no dia 11 de setembro, indica que o MP terminou 2023 com mais de 300 mil processos pendentes, devido ao aumento do número de inquéritos abertos no ano passado.
O MP registou ainda um aumento nos inquéritos instaurados nas áreas do cibercrime, da violência conjugal e do tráfico de droga, assumindo também que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), a unidade que investiga a criminalidade mais complexa, apenas fez acusações em 2% dos inquéritos concluídos em 2023.
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