‘Cartel da banca’ no crédito à habitação agrava infração – sentença
O Tribunal da Concorrência considera que o facto de os bancos terem feito conluio no crédito à habitação tornou especialmente graves as infrações por este ser um mercado crítico.
O Tribunal da Concorrência considera que o facto de os bancos terem feito conluio no crédito à habitação tornou especialmente graves as infrações por este ser um mercado crítico dada a importância histórica e cultural deste empréstimo em Portugal.
Na semana passada, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão confirmou as coimas de 225 milhões de euros aos 11 bancos que recorreram das coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência (AdC), em 2019, no processo conhecido por ‘cartel da banca’.
O tribunal decidiu que houve “conluio” na troca de informações sobre créditos (‘spreads’ e montantes concedidos) que “alinharam práticas comerciais” e falsearam a concorrência.
As maiores multas foram para Caixa Geral de Depósitos (82 milhões de euros), BCP (60 milhões), Santander Totta (35,65 milhões), BPI (30 milhões) e Montepio (13 milhões).
Na sentença de mais de 2.000 páginas, a que a Lusa teve acesso, constam centenas de ‘emails’ trocados entre funcionários dos bancos, com autorização das chefias, até administradores, com grelhas com taxas de juro praticadas, bonificações, comissões, volumes mensais concedidos. Falavam ainda que precisavam de se alinhar com a concorrência e há ‘emails’ de uns bancos a pressionarem outros a participar no intercâmbio de informações.
Segundo a juíza Mariana Gomes Machado, que julgou este processo, a “elevada gravidade” das infrações “decorre, particularmente, da natureza dos segmentos da atividade bancária em que isso sucedeu, de que se destaca o crédito à habitação”, por ser um mercado muito sensível para os cidadãos pois é geralmente por essa via conseguem casa própria.
O tribunal destaca a importância do crédito à habitação em Portugal por “razões históricas e culturais” (70% da riqueza das famílias é habitação), e dos preços elevados das casas, para considerar que a prática dos bancos lesou os direitos dos consumidores “num setor crítico no país”.
Considera ainda que sendo já conhecido que as pessoas singulares têm dificuldades em estabelecer negociações efetivas com uma empresa, pela desproporção de poder, tal ficou ainda mais limitado quando do outro lado estavam bancos cujas práticas levaram “inexistência de efetiva concorrência”.
Além disso, acrescenta, sendo o crédito à habitação um produto âncora dos bancos tal tem efeitos noutros segmentos, pois atrás desses empréstimos os clientes subscrevem muitos outros produtos financeiros (contas de depósito, seguros, cartões).
No julgamento do recurso dos bancos multados em 2019 pela Autoridade da Concorrência, que começou em outubro de 2021 (foi interrompido em 2022 para esclarecimento do Tribunal de Justiça da União Europeia que só chegou em julho de 2024), foram ouvidas muitas testemunhas, designadamente funcionários dos bancos envolvidos na troca de informações.
A sentença explica o testemunho de um bancário que, em tribunal, recordou que “fez uma vez uma proposta quanto ao ‘spread’ e que a mesma foi rejeitada pela administração com base na informação de que os concorrentes estavam a fazer ajustes no sentido do agravamento do preço, pelo que teriam que acompanhar”.
No julgamento, a defesa dos bancos tentou demonstrar que a informação partilhada era, sobretudo, informação pública e acessível. Na última sessão antes da sentença, o advogado do Santander defendeu que as trocas de informações eram “esporádicas” e, sobretudo, “de antigos colegas que queria poupar trabalho uns aos outros”, para que não tivessem de ir a simuladores e ‘sites’ buscar dados.
Já o tribunal decidiu que a troca era regular e que não se provou que a informação trocada o fosse efetivamente pública ou que o viesse a ser nos moldes trocados. Decidiu ainda que a troca de informação não era só entre funcionários de diferentes bancos, mas organizada.
“A recorrida CGD recebia aquela informação da recorrida Montepio, aditava os seus dados e remetia a sua informação e da recorrida Montepio ao recorrente BPI”, lê-se na sentença.
Os bancos sancionados já anunciaram maioritariamente que vão recorrer (por considerarem que não praticaram infrações lesivas da concorrência e que há prazos prescritos), tendo até à segunda semana de outubro para o fazer.
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