Roubo “sistemático” de material atrasa obras na ferrovia
O presidente da Infraestruturas de Portugal afirmou no Parlamento que existe "uma situação complicada" de roubo de material. Atribui derrapagem nos prazos ao calendário desadequado com a realidade.
Miguel Cruz, presidente da Infraestruturas de Portugal (IP), justificou os atrasos no Ferrovia 2020 com a “elevada complexidade de um empreendimento ferroviário”, que demora cerca de dez anos desde a conceção à conclusão, e a falta de resposta do mercado. Apontou também “uma situação muito complicada de roubo de material” nas obras.
“Há algo que estamos com muita dificuldade em lidar, e tem vindo a acontecer sistematicamente, que é o roubo de material“, afirmou o presidente da empresa pública responsável pela gestão da infraestrutura ferroviária e rodoviária, que está a ser ouvido na Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação, a requerimento da Iniciativa Liberal, por causa dos atrasos no Ferrovia 2020.
Miguel Cruz afirmou que “a situação muito complicada de roubo de material” está a contribuir para atrasos nas obras, dando como exemplo a Linha do Algarve, onde os furtos levaram a um atraso de três meses, e a Linha do Oeste, onde “foram necessários seis meses para recuperar material”.
“A nossa preocupação não é tanto o valor. Os roubos são feitos enquanto estamos em obra e a responsabilidade recai sobre o empreiteiro. A questão principal é o tempo. O roubo de cabo significa, necessariamente, que o empreiteiro vai ter de encomendar novamente cabo. Podemos estar a falar de seis meses para entrega. Tem impacto sobre todo o investimento”, esclareceu o presidente da IP, acrescentando que a empresa está “a trabalhar com os empreiteiros para aumentar a segurança e autoridades poderem dar apoio”.
Carlos Guimarães Pinto, deputado da Iniciativa Liberal, assinalou que o calendário inicial do Ferrovia 2020 previa a conclusão das obras em 2021, que em 2019 foi apresentado um novo calendário com data limite de 2023, e, “quase oito anos depois, continuam por concluir obras em sete das oito linhas intervencionadas”. Lembrou as críticas de “suborçamentação”, que “limita a concorrência e faz com que os prazos derrapem”.
O presidente da IP defendeu que os atrasos resultam de um calendário desadequado da realidade. Na intervenção inicial, Miguel Cruz afirmou que o Ferrovia 2020 arrancou com o país a sair do período de assistência financeira e num contexto de “forte limitação na dimensão do mercado e na capacidade de resposta do mercado”.
Miguel Cruz salientou também a “elevada complexidade” e o elevado tempo necessário para a implementação dos projetos, apontando que os estudos preliminares e a avaliação estratégica demoram cerca de um ano, os trabalhos preparatórios quatro anos, a obra quatro anos e meio e seis meses para testes e certificações.
Existiu uma desadequação entre a previsão da data de conclusão de muitos investimentos e aquilo que era possível executar.
“Existiu uma desadequação entre a previsão da data de conclusão de muitos investimentos e aquilo que era possível executar“, apontou também. “Em boa medida temos um Ferrovia 2020 que arranca com um planeamento e previsão de conclusão de obras, quer pelas condições de mercado quer de condições de profundidade dos projetos que avançam para financiamento comunitário, que tornam o planeamento notoriamente desadequado com a capacidade que existia”, acrescentou.
Tanto o PSD como o Chega questionaram Miguel Cruz sobre se a IP concordou com os prazos, que serviram para diferentes ministros fazerem anúncios de obras. O social-democrata Gonçalo Oliveira Lage perguntou se existiu uma “ocultação dos prazos reais” e deixou críticas ao antigo ministro das Infraestruturas. “Ou o anterior ministro Pedro Nuno Santos acordou estes prazos com a IP ou o objetivo foi fazer aqui um show off“, disse.
“Houve uma gestão política na elaboração dos prazos. A IP sabia que os prazos eram impossíveis. Havia uma conveniência política em colocar esses prazos”, acusou Carlos Guimarães Pinto.
“O calendário foi apresentado num pressuposto de capacidade de resposta. Houve um excesso de otimismo“, reconheceu Miguel Cruz. “A IP assume a responsabilidade pelo planeamento, com aquilo que conhecemos hoje e as condições que temos hoje”, acrescentou o presidente da IP.
Sobre o atraso na Linha da Beira Alta, Miguel Cruz reiterou que a obra estará concluída no primeiro trimestre de 2025, mas afirmou não ser possível garantir que não existirão mais derrapagens nos prazos.
O presidente da IP afirmou que já sugeriu a simplificação de mecanismos para acelerar o tempo dos projetos. “Nós não nos queixamos dos atrasos de resposta das entidades. Trabalhamos muito bem com as APA, as ICNF ou o Tribunal de Contas. O problema é que todo o processo, quando estamos com uma quantidade de pedidos enorme, cria um determinado acumular. Importa perceber se do ponto de vista das regras não há eficiências que possam ser conseguidas”, disse.
Segundo o relatório e contas da IP relativo a 2023, nesse ano foram executados 466 milhões de euros em investimentos do Ferrovia 2020, 65% do que estava orçamentado. No ano anterior tinha sido de 69%. O programa devia ter ficado concluído em 2021.
O Plano de Investimento Ferrovia 2020 contempla a modernização de cerca de 1.200 km de rede, que inclui ligações a Espanha, a renovação de parte da linha do Norte ou a eletrificação de mais de 400 km de linhas existentes.
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