Sem desequilibrar as contas públicas, PS vai a jogo na especialidade. O que pode estar em causa?
Partido deverá recuperar para a especialidade do Orçamento do Estado para 2025 as medidas levadas às negociações com o Governo no que toca ao SNS, habitação e pensões.
O frenesim sobre uma eventual crise política chegou ao fim com o anúncio do PS de viabilização do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). A aprovação está garantida quer na votação na generalidade, quer na votação final global, mas pelo meio existe a fase da especialidade, onde os socialistas garantem que, sem pôr em causa as contas públicas, irão apresentar algumas propostas de alteração. A ser estudadas estão matérias relacionadas com saúde, segurança social e habitação.
O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, anunciou na quinta-feira que irá propor à Comissão Política do partido – que reúne na segunda-feira – a abstenção na votação da proposta orçamental. “Este voto aplica-se na generalidade e na votação final global, mas partimos para a especialidade com toda a liberdade, mas também com a premissa de não haver um desequilíbrio das contas públicas”, esclareceu.
Este voto aplica-se na generalidade e na votação final global, mas partimos para a especialidade com toda a liberdade, mas também com a premissa de não haver um desequilíbrio das contas públicas.
O compromisso com a apresentação de propostas que não coloquem em causa as contas públicas já tinha sido transmitido em outras ocasiões pelo líder socialista. Ainda durante as negociações com o Governo, com o qual não chegou a acordou, Pedro Nuno assumiu “o direito” de “recuperar algumas propostas” que não estivessem “de forma clara, objetiva, inequívoca, apresentadas pelo Governo“, mas sem “criar um desequilíbrio orçamental”.
“O que quer dizer que nós, na especialidade, reservamos também o direito do PS para podermos apresentar algumas propostas neste sentido, mas sempre com um grande sentido de responsabilidade no processo da especialidade”, disse aquando da apresentação da contraproposta ao Governo sobre o IRS Jovem e o IRC.
Depois de desfeito o impasse sobre o sentido de voto, os socialistas começam agora a centrar atenções na apreciação da proposta na fase da especialidade, que decorre entre 4 de novembro e 29 de novembro. Em 4 de outubro, Pedro Delgado Alves, vice-presidente da bancada do PS, em entrevista ao Observador, assinalava: “Quando chegarmos à especialidade, evidentemente, veremos. Há muito trabalho de debate e discussão, de pormenor, que teremos nessa fase. E é natural que aconteça. Em todos os orçamentos do tempo da geringonça nunca isso significou que depois não pudessem colocar-se e haver debate na fase seguinte da especialidade“, disse.
Em causa está desde logo a recuperação de três medidas levadas às negociações com o Governo e que o PS considera não terem sido satisfeitas, tal como Pedro Nuno Santos acentuou na quinta-feira.
- dotação anual de 500 milhões de euros para a construção ou reabilitação de casas para os jovens da classe média e alojamento estudantil: os socialistas propuseram ao Governo que esta verba acrescesse às linhas de apoio já definidas, nomeadamente no Plano de Recuperação e Resiliência. A execução do investimento ficaria a cargo dos municípios no caso das casas – destinadas à venda ou ao arrendamento – e das instituições de ensino superior no caso das residências estudantis, mediante a apresentação de candidaturas ao Governo.
- regime de exclusividade no SNS, de adesão voluntária, suficientemente “generoso”: um regime de adesão voluntária em simultâneo com a “redução gradual e acentuada do recurso à contratação de médicos em regime de prestação de serviços”. Para isso defendia um reforço de 200 milhões de euros em complemento ao montante previsto pelo governo no âmbito das negociações com as organizações representativas da classe.
- aumento permanente das pensões acima do que a lei de atualização das pensões: um aumento extraordinário de pensões de 1,25 pontos percentuais até ao valor correspondente a três vezes o Indexante de Apoios Sociais (IAS), abrangendo pensões até aproximadamente 1.565 euros, a acrescentar ao aumento que decorrerá da aplicação da lei de atualização das pensões, sendo refletido no valor das pensões para efeitos de futuras atualizações anuais.
Como o ECO escreveu esta semana, os socialistas começam assim agora a estudar que mais alterações irão propor às medidas introduzidas no Orçamento do Estado pelo Governo, designadamente em matérias relacionadas com o SNS, a Segurança Social, isenções em IRS e Taxa Social Única (TSU) nos prémios de produtividade ou as contribuições para fundos privados de pensões.
A inspiração poderá vir do programa eleitoral ou resultar da afinação de algumas das medidas propostas pelo Executivo. Na área da saúde, o PS propunha nas legislativas, por exemplo, “definir e atribuir incentivos especiais aos profissionais que trabalhem em territórios menos atrativos, através de apoios ao alojamento e às famílias, assegurando o seu desenvolvimento profissional e o acesso à telemedicina e a pertença a equipas multidisciplinares”.
No caso da habitação, os socialistas tinham a proposta de “rever a fórmula de cálculo para atualização de rendas, incluindo a evolução dos salários nos critérios de atualização em anos com inflação superior a 2%“. Recorde-se que o PS já fez aprovar no Parlamento, à revelia do Governo, uma outra proposta eleitoral nesta matéria: o aumento da dedução das despesas com rendas no IRS para um valor máximo de 800 euros em 2028, com um aumento gradual ao longo deste período.
Do lado do Governo vão-se fazendo contas, até porque o passado recente – caso da atualização do IRS este ano e do fim das portagens nas antigas SCUT – mostra que, mesmo contra a vontade do Governo, basta que o Chega viabilize as propostas socialistas para que estas vejam a ‘luz do dia’. Por isso, as mensagens vão começando a ecoar.
Esta sexta-feira o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, manifestou-se “absolutamente convencido” de que a responsabilidade demonstrada pelo PS ao viabilizar o Orçamento “vai ficar patente” na discussão do documento na especialidade.
“Estou perfeitamente tranquilo quanto ao trabalho na especialidade e estou absolutamente convencido de que a responsabilidade que o Partido Socialista ontem demonstrou vai ficar também patente na discussão na especialidade”, considerou Hugo Soares, em declarações aos jornalistas, no Parlamento, citado pela Lusa.
O debate e votação do OE2025 estão marcados para dia 30 e 31 de outubro, mas antes o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, e a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria da Palma Ramalho, irão ao Parlamento defender a proposta. A votação final global terá lugar a 29 de novembro.
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