“Opacidade” é a melhor característica da Digi, diz CEO da Nos
Miguel Almeida alerta para os impactos a curto e médio prazo da entrada da operadora romena em Portugal, defendendo a revisão das políticas de concorrência para o setor voltar a ser competitivo.
O presidente executivo da Nos admite que a entrada da Digi no mercado português pode levar a uma baixa de preços “no imediato”, mas antecipa, por outro lado, “consequências terríveis para o país a médio e longo prazo”, por considerar que “vai pôr em causa o investimento sustentável” do setor das telecomunicações.
“Estamos a falar de uma entidade que a melhor característica que tem é a opacidade“, diz Miguel Almeida, em declarações ao Jornal de Negócios (acesso pago), acerca da operadora romena, que lança esta segunda-feira a sua operação em Portugal.
O responsável, que lidera a Nos desde 2013, critica também a Anacom por não se preocupar com a sustentabilidade do investimento, reforçando que Portugal estará “na cauda” da Europa nas tecnologias do futuro “porque não haverá condições de investir”.
As soluções aponta-as numa entrevista à agência Lusa publicada esta segunda-feira, na qual defende que “basta que as políticas de concorrência” permitam que as empresas europeias cresçam e se consolidem para que o setor das comunicações possa ser competitivo.
Questionado se é preciso haver uma nova lei europeia das comunicações (‘Telecom Act’) para que o setor volte a ser competitivo, Miguel Almeida refere que “essencialmente” é preciso rever as políticas de concorrência.
A capacidade de as empresas europeias crescerem nas comunicações, ganharem em escala, terem capacidade de investimento e de inovação, “está a ser bloqueado pelas políticas de concorrência”, afirma o gestor, referindo que para isso nem é preciso um Telecom Act.
“Basta que as políticas de concorrência, e não mais uma vez só o setor das comunicações — mas aqui é crítico –, permita que as empresas cresçam, se consolidem e ganhem escala para poderem ser competitivas com os operadores chineses e americanos e coreanos e por aí fora”, salienta.
Miguel Almeida até aponta um exemplo em que a concorrência foi uma barreira: “Em Portugal, o operador que é o terceiro em termos de dimensão e quota de mercado estava num processo de aquisição de uma coisa pequena, que nem sequer 2% de quota de mercado tinha” e a “entidade fundida continuaria a ser número três, portanto não há aqui concentração sob nenhuma perspetiva de análise de outros mercados”.
E o que é que a Concorrência fez em Portugal? “Chumbou a operação”, mas “isto é o que tem acontecido um pouco por toda a Europa”, embora menos agora, com Espanha a tentar corrigir.
A entrada desse ‘player’ [Digi] tem consequências terríveis para o país a médio e longo prazo, porque vai pôr em causa o investimento sustentável do setor. Se é verdade que nas tecnologias atuais Portugal é líder na Europa, eu posso garantir que nas tecnologias do futuro estaremos na cauda porque não haverá condições de investir.
Questionado sobre se a consolidação é inevitável para ganhar escala, remata: “Claro que é, mas (…) os reguladores nacionais e europeus não perceberam isso, porque mais uma vez estamos a privilegiar” a variável concorrência e, assim, a pôr em causa a competitividade das economias, sejam do país como da Europa.
No caso das comunicações, os retornos de capital das empresas europeias “são baixíssimos, abaixo do custo de capital”, algo que é “absolutamente transversal na Europa”, mas “não é verdade nos outros países” fora do bloco europeu, aponta.
A sustentabilidade e competitividade das telecomunicações constam tanto do relatório do antigo primeiro-ministro italiano Enrico Letta, divulgado em abril, como do relatório elaborado pelo ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) Mario Draghi.
“A Europa foi inovadora e foi líder nas tecnologias anteriores e tem um atraso considerável no que diz respeito ao 5G. Isso é consequência de uma política que privilegiou o curto prazo e sacrificou o longo prazo e as coisas podem demorar algum tempo a perceber-se os resultados, mas eles chegam”, prossegue Miguel Almeida.
Esta política europeia, “que tem origem na primeira década deste século, fez com que, quando chegou o ciclo de investimento 5G, basicamente a maior parte dos países — ainda bem que não é o caso da Nos, mas mesmo em Portugal temos exemplos –, os operadores” não tivessem “capacidade de investimento”. Porquê? “Porque existem operadores a mais em cada um dos mercados“, aponta, referindo que nos Estados Unidos há “três operadores”, um país que é “praticamente o tamanho da Europa toda” refere.
Na China, “há três operadores e, pasme-se, em Portugal há quem achasse (…) e quem criou as condições para isso que deveriam existir seis. Isso provavelmente terá consequências de curto prazo que, do ponto de vista populista, as pessoas vão apreciar, tem consequências dramáticas a médio/longo prazo, porque quando chegar o 6G, garantidamente — e isso posso garantir com toda a certeza — (…) que não haverá capacidade de investimento“, enfatiza, e de líder o país poderá passar para a cauda.
“É pena” porque atualmente, em infraestrutura digital, Portugal “é líder na Europa e praticamente atingiu em 2023 os objetivos que a União Europeia fixou para 2030”, e isso não é verdade para a maior parte dos outros países.
Agora, “quando chegar os objetivos para 2040 ou 2035, vamos estar na cauda da Europa. E a Europa como um todo ou inverte caminho — e isso de alguma forma está a acontecer de forma tímida –“, segundo as recomendações de Draghi, “ou se não atuar, se mantiver o status quo, vai-se atrasar ainda mais em relação aos blocos asiático e americano” e “não é só nas telecomunicações, infelizmente”, alerta.
“Já temos um atraso considerável no 5G. Se não criamos as condições de concorrência e para o investimento na Europa em geral, em Portugal em particular, esse atraso vai-se acumular e (…), provavelmente vai pôr em causa a competitividade (…) da economia europeia porque sejamos realistas, a economia do futuro passa pelo digital”, insiste Miguel Almeida.
“Sem infraestruturas digitais modernas (…) não há transição digital, não há competitividade económica e é isso que estamos a condenar a Europa e Portugal, ainda mais que a Europa”, adverte. Agora, “tudo isto é reversível ainda? É, mas é preciso ação”, remata o presidente executivo da Nos.
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