Parlamento Europeu testa Maria Luís Albuquerque. Assis entre os que decidirão futuro da comissária indigitada
Comissária indigitada para os Serviços Financeiros enfrenta escrutínio dos eurodeputados, um deles Francisco Assis. Futuro de Maria Luís em Bruxelas será decidido hoje, e antecessora já deixou avisos.
Três horas irão ditar o futuro de Maria Luís Albuquerque na Comissão Europeia. Historicamente, não chegam a dez o número de candidatos chumbados pelo Parlamento Europeu. E mesmo depois de uma série de obstáculos se terem apresentado diante da presidente da Comissão Europeia na formação da nova equipa executiva, não se espera que os eurodeputados rejeitem algum dos candidatos em cima da mesa. Alguns, no entanto, irão enfrentar um escrutínio intenso. Seja pelo peso político e orçamental da pasta que lhes foi atribuída – por exemplo, Mercado Interno, Economia e Transição Energética – como pelo currículo e histórico do candidato – como Robert Fitto, Olivér Várhelyi e Hadja Lahbib. Maria Luís Albuquerque é um desses nomes.
Por um lado, a pasta atribuída por Ursula von der Leyen à ex-ministra das Finanças de Portugal — Serviços Financeiros, Poupança e a União dos Investimentos — estará na linha da frente, numa altura em que a União Europeia procura recuperar parte da competitividade que perdeu nos últimos anos para os EUA e China. Tanto Mario Draghi como Enrico Letta, em relatórios recentes entregues ao executivo comunitário, apontam a futura pasta da ex-ministra das Finanças como uma peça chave para tapar o tal fosso. E parte disso será possível com a concretização da União da Poupança e dos Investimentos, fundamental para direcionar as poupanças para investimentos sustentáveis e de longo prazo, e União dos Mercados de Capitais e a União Bancária, duas reformas que tardam em concretizar-se.
Enquanto isso, o passado de Maria Luís Albuquerque será, certamente, um tema quente durante a audição desta quarta-feira. A transição do setor público para o privado, e agora de novo para o público (se passar o teste do Parlamento Europeu), é um aspeto que não convence muitos eurodeputados — sobretudo os socialistas, que alertam para um potencial conflito de interesses. A própria presidente da Comissão Europeia foi rápida a sair em defesa da candidata portuguesa, garantido que a experiência nesses dois campos confere a Maria Luís Albuquerque conhecimentos adequados para a pasta dos Serviços Financeiros.
“Maria Luís Albuquerque vai ser excelente no portefólio”, garantiu Ursula von der Leyen no dia em que anunciou o nome da comissária indigitada, desdramatizando a passagem direta da antiga governante, em 2016, para a Arrow Global, empresa de gestão de ativos, e em 2022 para o banco norte-americano Morgan Stanley.
“Tem uma vasta experiência como ministra das finanças e também no setor privado. Sabe as dificuldades tanto do campo político como do investimento privado. É uma pasta difícil, mas é a pessoa indicada”, ressalvou. Mas a palavra de Von der Leyen, nesta fase, tem pouco ou nenhum poder de influência.
A decisão final recairá sobre os eurodeputados. Maria Luís Albuquerque será ouvida na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (ECON) do Parlamento Europeu. Do ECON fazem parte os eurodeputados portugueses Lídia Pereira (PSD), que terá direito a fazer um questão e Francisco Assis (PS).
O antigo presidente do Conselho Económico e Social (CES) será outro dos inquisidores que se sentará na ala socialista do ECON. Ao ECO, o agora eurodeputado não tem dúvidas quanto às suas aptidões técnicas — “é indiscutível que as tem”, diz — nem quanto ao seu percurso político — “temos de partir do pressuposto que [Maria Luís] não pensa como nós [socialistas], não temos de ter a expectativa que corresponda ao nosso posicionamento político. É provável que mantenhamos diferenças nalguns casos”, acrescenta.
O foco da audição, explica Francisco Assis, será perceber de que forma Maria Luís irá executar a pasta que lhe foi atribuída, uma vez que esta foi desenhada por Ursula von der Leyen, que, em junho, na altura em que procurava uma reeleição à frente da Comissão Europeia, assumiu perante os socialistas um leque de compromissos programáticos em troca do voto a favor da bancada socialista, “alguns deles na área que será atribuída a Maria Luís Albuquerque”.
“Tenho a expectativa de que a nova comissária, dentro dessa linha de orientação corresponda às nossas expectativas. É com esse estado de espírito que parto para a audição“, refere ao ECO, detalhando que a questão que o próprio lhe fará durante a audição será no âmbito do plano de ação de Maria Luís para os próximos cinco anos.
Além de Lídia Pereira e Francisco Assis, estarão presentes na audição de Maria Luís Albuquerque os eurodeputados portugueses Catarina Martins (BE), João Oliveira (PCP) e António Tânger-Corrêa (Chega), que também procurarão saber quais são as ambições da futura comissária europeia à frente dos Serviços Financeiros. Ao todo, a ex-ministra das Finanças será inquirida por 43 eurodeputados.
Mas a ex-governante deverá ir para a audição sem grandes nervos. O seu mandato enquanto ministra das Finanças durante o tempo da troika ter-lhe-á conferido resistência a grandes pressões e a sua passagem pelas comissões de inquérito, na Assembleia da República, conferiu-lhe pulso firme.
Além de ter de prestar esclarecimentos adicionais aos adiantados nas respostas ao questionário dos eurodeputados, e nas quais são dadas garantias de ter competências para executar o mandato, Maria Luís Albuquerque deverá ser confrontada com um capítulo inesperado do seu passado: a privatização da TAP e o relatório da Inspeção Geral de Finanças (IGF) que levantou suspeitas de crime na privatização da companhia aérea. Em Portugal, já foi chamada pelo Parlamento para responder às questões dos deputados e em Estrasburgo os eurodeputados portugueses à esquerda não deverão deixar passar o assunto. Assis assim o sugere: “É possível que essa questão seja levantada. Eu, pessoalmente, não a vou levantar. Não vejo como um obstáculo“, garante.
Antecessora deixa reformas pelo meio e alerta Maria Luís
A verdade é que os Serviços Financeiros e a União de Poupança e Investimento não tendem a ser pastas mediáticas em Bruxelas e, no passado, foram muitas vezes diluídas entre outros dossiês nas mãos dos comissários. A sua antecessora, Mairead McGuinness, teve pouco tempo de antena durante os seus cinco anos de mandato, e no final, em entrevista ao The Banker, disse ter ficado “desiludida” por ter deixado o trabalho a meio, admitindo dificuldades em concretizar a união bancária e a união dos mercados financeiros visionada por Jean Claude Juncker em 2014, acusando os Estados-membros de serem individualistas.
“Com demasiada frequência, durante o meu tempo na Comissão, assisti à prioridade dada aos interesses nacionais a curto prazo em detrimento do interesse europeu a longo prazo. Isto tem de acabar”, referiu na entrevista. A irlandesa termina o seu mandato sem ter concretizado as reformas estruturais previstas, embora reconheça que ambas são urgentemente necessárias.
“O peso relativo da União Europeia na economia mundial diminuiu nos últimos 20 anos”, adverte. “Não há tempo a perder. Temos de melhorar o nosso desempenho em termos de competitividade, produtividade e crescimento”, vincou.
O testemunho será agora entregue a Maria Luís Albuquerque, se passar pelo crivo dos eurodeputados, que anunciarão o seu parecer nas 24 horas depois da audição. E depois de vários mandatos nas sombra, a expectativa é de que os Serviços Financeiros ganhem espaço na ribalta nos próximos cinco anos. Mais do que teve a Coesão, com Elisa Ferreira, ou a Inovação, com Carlos Moedas.
Por fim, a importância e influência da pasta dependerão ainda da ambição da própria comissária. Nas respostas ao questionário do Parlamento Europeu, a comissária indigitada por Portugal propõe um horizonte de cinco anos para concretizar um conjunto de medidas, desde a União dos Mercados de Capitais à União Bancária, mas também materializar uma reforma da autoridade que supervisiona os mercados financeiros e desfazer o impasse que dura há anos em torno do sistema de garantia dos depósitos. Durante este processo, diz que Bruxelas pode abrir mão de regulamentação e simplificar requisitos, para reduzir obstáculos e encargos às empresas e aumentar a competitividade. A questão agora é Maria Luís terá oportunidade de realizar esse sonho. Só o Parlamento Europeu poderá responder.
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