Empresas ainda à espera dos efeitos do plano das migrações

Governo tem em fase de implementação mais de 80% das medidas do plano para as migrações, mas setores-chave ainda carecem de mão de obra e estão atentos à discussão no resto da Europa.

Os agentes da construção civil, hotelaria, turismo e agricultura não sentem ainda qualquer impacto das medidas do Governo para as migrações, mas consideram “prematuro” fazer uma avaliação definitiva. Ao ECO realçam que os trabalhadores estrangeiros continuam a ser “essenciais para a manutenção e crescimento” das suas atividades, e esperam que a União Europeia não restrinja mais as entradas.

“O Governo fez algum equilíbrio ao não adotar um plano radical que paralisasse a economia. Mas as medidas que o Governo promoveu estão, em geral, quase sem expressão”, aponta João Vieira Lopes ao ECO. “Houve um reforço nos serviços da AIMA, e tem sido possível regularizar mais do que três mil pessoas por dia, mas a situação está praticamente igual. Não há grandes diferenças”, afirmou o presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) ao ECO.

Em causa está o plano do Governo para as migrações, apresentado em junho pelo Governo. Quatro meses volvidos e, de acordo com o ministro da Presidência António Leitão Amaro, já foram executadas 83% das 41 medidas previstas na estratégia. Isto é, já foram legisladas a maioria das medidas previstas no documento estando agora em fase de implementação.“Ter 83% [do plano adiantado] em quatro meses é uma obra relevante“, sublinhou o governante, na altura.

Uma das medidas já em fase de implementação prende-se com a captação e retenção de imigrantes, e paralelamente a atração de fluxos migratórios de capital humano qualificado, em articulação com as entidades empregadoras e respetivos representantes. O plano prevê a promoção de Portugal enquanto destino de trabalho, em articulação e cooperação com as autoridades consulares noutros países.

A medida que mereceu maior destaque pelo governante é o objetivo de regularização dos cerca de 400 mil processos na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) que estavam pendentes há vários meses, desde a extinção do SEF, no ano passado. De acordo com António Leitão Amaro, graças aos centros de atendimento da Estrutura de Missão da AIMA foi possível triplicar a capacidade de atendimento do Estado, passando de mil atendimentos para três mil. Porém, os impactos reais desta regularização de processos no mercado de trabalho — nem todos os candidatos estão em condições de receber uma autorização de residência — ainda são escassos.

Neste momento, consideramos prematuro avaliar o impacto das recentes medidas do Executivo no âmbito do plano de imigração sobre a atividade das empresas de construção e do imobiliário”, avalia o presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) e da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) ao ECO. Ainda assim, Manuel Reis Campos afirma “com certeza” que “a escassez de mão-de-obra qualificada era e continua a ser um dos principais constrangimentos à atividade das empresas do setor”.

Quem também não sente os impactos, para já, é o setor do turismo. Ao ECO, Francisco Calheiros recorda que o plano do Governo foi apresentado já em plena época alta, altura em que “as empresas de turismo já tinham as suas equipas de trabalho maioritariamente asseguradas para o verão”. Assim, a Confederação do Turismo de Portugal (CTP) espera que nos próximos meses, “já seja possível apurar com rigor o impacto das medidas aprovadas”, apelando para que o processo de execução do plano seja “célere e efetivo”.

Em sentido contrário, a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) diz mesmo que a revogação das manifestações de interesse – um recurso jurídico que permitia a regularização de quem estivesse em Portugal com visto de turista –, uma das medidas do plano para as migrações do Governo, criou “constrangimentos para as empresas” no que toca à contratação de profissionais.

“O que foi particularmente grave em plena época alta, altura em que as empresas sentem uma necessidade de contratar”, alertou a secretária-geral da AHRESP, Ana Jacinto ao ECO.

O primeiro-ministro não partilha da mesma visão. Com a revogação das manifestações de interesse, os pedidos de entrada no país diminuíram em cerca de 80%, mas aos olhos de Luís Montenegro isto significa que quem vem para Portugal, chega “com um objetivo de trabalho definido, muitas vezes respondendo às necessidades do mercado e da nossa economia. É isso que se pretende”.

De acordo com os dados do Barómetro da Restauração e Similares, o setor da restauração e hotelaria precisa de integrar cerca de 40 mil pessoas no setor para suprir as necessidades. Algumas delas começarão a fazer-se sentir na próxima época de maior movimento, em dezembro. Mas olhando para o panorama geral, as necessidades deverão ser muito superiores.

Citando os dados do Gabinete de Estudos da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) recorda que Portugal necessita de 138 mil novos imigrantes para conseguir crescer. “É, pois, necessário, de forma equilibrada assegurar que estas necessidades são acomodadas, ao mesmo tempo que se garante integração destes trabalhadores”, sublinha Luís Mira, secretário-geral da organização.

Para o responsável, é evidente que a agricultura está dependente da mão-de-obra imigrante e que, se nos dias de hoje já sente “muita dificuldade em conseguir atrair” trabalhadores, o setor certamente continuará a sentir essas dificuldades no futuro se as medidas previstas não começarem a produzir efeitos.

O setor da agricultura e pescas emprega 60 mil trabalhadores por conta de outrem, dos quais 40% são estrangeiros. Há, de facto, uma falta crónica de trabalhadores no setor agrícola, que se mantém inalterada aos dias de hoje”, explica o secretário-geral da CAP, defendendo um reforço da capacidade de resposta dos postos consultares.

Setores atentos ao debate na Europa sobre as migrações

Pela Europa fora o debate em torno das políticas migratórias e de asilo vai subindo de tom. Mais recentemente, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pediu aos Estados-membros que considerassem a criação dos chamados “centros de retorno” fora do território da União Europeia (UE) para transferir os requerentes de asilo cujos pedidos tenham sido rejeitados, à semelhança do acordo em vigor entre Itália e a Albânia.

O tema foi debatido com os chefes dos 27, no último Conselho Europeu, numa altura em que se implementam as regras do Pacto para as Migrações e Asilo, aprovado em abril. E por cá, embora Luís Montenegro não tenha, para já, assumido uma posição, certo é que os setores chave estão atentos ao desenrolar do debate. A posição do Governo é adotar uma política migratória de “portas abertas, mas não escancaradas”.

Naturalmente, que estamos atentos às políticas europeias que venham a ser adotas nesta matéria“, diz Francisco Calheiros, alertando que um apertar das medidas seria contraproducente considerando as necessidades do setor do turismo.

Na mesma linha está o setor da construção civil que deixa um alerta: “uma eventual restrição na entrada de imigrantes teria, sem dúvida, um impacto nas empresas do setor da construção e do imobiliário“, perante uma “elevada” escassez de mão de obra. Para a CPCI e AICCOPON, a falta de trabalhadores é um dos maiores entraves” ao desenvolvimento da atividade destas empresas, sobretudo daquelas que têm projetos em cursos financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Igualmente atenta está a AHRESP. Ana Jacinto considera o tema “sensível” e apela, por isso, à “moderação” dos países no debate sobre as políticas migratórias. “A nossa grande preocupação é acolher, integrar condignamente e empregar todos os cidadãos estrangeiros que procuram o nosso país para ter um vida mais digna e com maior qualidade”, argumenta a secretária-geral.

A posição também é partilhada pela CAP que sublinha que um apertar das políticas migratórias “terá sempre de ser, obrigatoriamente, acompanhado de medidas robustas que permitam uma maior integração dos imigrantes”.

Aos olhos de João Vieira Lopes, face ao plano para as migrações adotado não se espera que o Governo avance com um apertar das medidas, sobretudo em relação aos requerentes de asilo que, segundo o presidente da CTP, “ainda não têm grande peso” na sociedade portuguesa. No ano passado, Portugal recebeu cerca de 2.600 novos pedidos de asilo essencialmente da Gâmbia, Afeganistão e Colômbia.

“É evidente que se houvesse uma movimentação massiva no sentido de as pessoas serem expulsas, certamente afetaria a economia. Mas, neste momento, não temos nenhum indício de que o Governo o irá fazer”, prevê Vieira Lopes.

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