Saída de bolsa da Greenvolt marca maior êxodo de empresas da Euronext Lisboa desde 2018

Desde 2018 que a Euronext Lisboa não via partir tantas empresas num só ano. A baixa liquidez e a reduzida atratividade da bolsa nacional não são as únicas causas do problema.

A Euronext Lisboa enfrenta um dos seus piores anos em termos de saída de empresas. Com a saída da Greenvolt da bolsa portuguesa, confirmada na quinta-feira com o registo da aquisição potestativa das últimas ações da empresa de energias renováveis por parte do private equity KKR, a Euronext Lisboa fechará 2024 com menos quatro empresas no seu principal mercado face ao arranque do ano.

Se mais nada acontecer até ao final do ano, 2024 será marcado por um êxodo de empresas sem precedentes desde 2018, com a saída da Greenvolt a ser acompanhada pelos abandonos da Lisgráfica, Inapa e Reditus.

Cada uma destas saídas tem uma história própria, refletindo os desafios específicos enfrentados pelas empresas e as dinâmicas complexas do mercado de capitais português.

  • A Reditus foi a primeira empresa a sair de bolsa este ano, tendo sido excluída pela própria Euronext Lisboa depois de mais de três anos no “penalty bench” por incumprimentos nos deveres de informação ao mercado. A empresa tecnológica, que estava em bolsa há 37 anos, acabou a ver as suas ações a cotar no último dia por 0,036 euros, depois de em 2007 terem chegado a negociar acima dos 8 euros e no pico dos anos 2000, pouco tempo antes de rebentar a bolha tecnológica terem chegado a cotar acima dos 13 euros.
  • A Lisgráfica, por sua vez, aprovou a sua saída do mercado em 2022, citando os custos associados à cotação bolsista e a situação económica desafiadora como principais motivos. Esta decisão, que se concretizou a 12 de novembro, foi mais um golpe para a bolsa de Lisboa.
  • O caso da Inapa é particularmente dramático. A empresa distribuidora de papel perdeu quase 95% do seu valor em bolsa nos últimos dias de negociação, culminando com a declaração de insolvência pelo tribunal. Esta desvalorização abrupta resultou em perdas significativas para o Estado português, um dos principais acionistas através da Parpública. A situação da Inapa foi tão grave que a empresa passou a negociar na chamada “liga das revitalizações”. Mais recentemente, ficou claro que nenhum investidor estava interessado em adquirir a totalidade da Inapa, levando a empresa a preparar-se para ser desmembrada.
  • A Greenvolt foi a mais recente empresa a “bater com a porta”, encerrando na quinta-feira o seu capítulo na Euronext Lisboa após o registo da aquisição potestativa da KKR das últimas ações que ainda estavam na posse dos pequenos investidores, representativas de 2,36% do capital da empresa de energias renováveis. Esta saída foi o resultado de uma oferta pública de aquisição (OPA) lançada pela KKR no final de 2023, que inicialmente era voluntária, mas acabou por se tornar obrigatória e que se concretizou no final de outubro com o KKR a deter 97,6% do capital da empresa.
Isabel Ucha, presidente da Euronext LisboaHugo Amaral/ECO

Um mercado em busca de liquidez e atratividade

O ano tem sido também particularmente negativo para a generalidade do mercado acionista nacional. Apesar do PSI, o principal índice da Euronext Lisboa, registar uma rendibilidade de 4,3% (com dividendos), o PSI geral, que agrega todas as empresas cotadas na Euronext Lisboa, contabiliza perdas de 10% desde o início do ano.

A falta de liquidez continua a ser um problema crónico da bolsa portuguesa. Mesmo empresas de maior dimensão enfrentam dificuldades para manter um volume de negociação satisfatório para atrair grandes fundos de investimento e grandes investidores institucionais. Esta situação cria um ciclo vicioso: a baixa liquidez desencoraja novos investidores, o que por sua vez reduz ainda mais a liquidez.

Mas a dificuldade da Euronext Lisboa em “segurar” as empresas na bolsa só é superada pela dificuldade em captar novas empresas. Nos últimos três anos, por exemplo, só conseguiu convencer quatro empresas, e todas elas foram parar ao mercado secundário Euronext Access Lisbon, marcadamente reconhecido por ter muito menos visibilidade e, por consequência, muito menos liquidez.

Isso fica bem espelhado com as duas últimas empresas a entrar na bolsa de Lisboa: tanto a Atrium Bire, que foi para bolsa a 13 de abril de 2023, como a Vila dos Números, cujo IPO ocorreu a 25 de junho deste ano — ambas Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (SIGI) — não negociaram por uma única ocasião este ano. Significa que nem uma ação destas empresas trocou de mãos no mercado.

O mercado Euronext Access Lisbon foi criado com o intuito de facilitar o acesso de pequenas e médias empresas ao mercado de capitais, mas não tem conseguido cumprir plenamente o seu papel.

A Euronext Lisbon está numa encruzilhada. O ano de 2024 mostrou as fragilidades do mercado, mas 2025 oferece uma oportunidade de renascimento.

Apesar do murro no estômago que está a ser 2024 para a Euronext Lisboa, 2025 pode trazer algum alento para a bolsa nacional. Duas operações de peso estão no horizonte e, dada a sua dimensão, podem “abanar” com o mercado. É disso o caso da potencial abertura do capital a investidores por parte da seguradora Fidelidade, sobre quem recai a expectativa que comece a ser negociada com uma capitalização bolsista entre 2 mil milhões e 3 mil milhões de euros, e a possível listagem do Novo Banco na primeira metade do ano.

No entanto, os desafios estruturais da bolsa nacional persistem. A falta de uma cultura de investimento em ações entre os portugueses, a preferência das empresas por financiamento bancário e a complexidade regulatória continuam a ser obstáculos significativos.

Para reverter esta tendência, a Euronext Lisboa e os reguladores portugueses precisam trabalhar em várias frentes, incluindo a simplificação de processos de listagem, a promoção de incentivos fiscais e o desenvolvimento de programas de educação financeira.

A Euronext Lisboa está numa encruzilhada. O ano de 2024 mostrou as fragilidades do mercado, mas 2025 oferece uma oportunidade de renascimento. O sucesso dependerá não só das novas entradas, mas também da capacidade de criar um ecossistema mais robusto e atrativo para empresas e investidores.

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