Bastonária dos advogados quer eleições antecipadas. E a classe concorda?
Várias foram as vozes que se manifestaram contra esta manobra política da atual bastonária. A Ordem dos Advogados vai a votos até 31 de março.
A bastonária da Ordem dos Advogados anunciou esta quarta -feira a convocação de eleições antecipadas para todos os órgãos da instituição, incluindo o que lidera, o Conselho Geral (CG). Um comunicado – divulgado em formato de vídeo, inicialmente – que deixou a classe surpreendida, numa manobra política que poucos anteciparam.
As razões? o novo Estatuto dos advogados, em vigor desde abril deste ano e que obriga a criação de dois novos órgãos na estrutura da Ordem dos Advogados. Ou a convocação de eleições antecipadas. À data, Fernanda de Almeida Pinheiro decidiu dar posse ao dito Conselho de Supervisão. Mas, dois meses depois dessa tomada de posse, a líder dos advogados volta atrás e decide convocar eleições antes do previsto, alterando toda uma tradição relativamente aos atos eleitorais, previsivelmente marcados em novembro e com tomada de posse em janeiro seguinte.
“Este novo estatuto dos advogados impunha a criação de novos órgãos e naturalmente esses dois órgãos tinha um regime transitório da norma previa duas opções: podíamos designar o órgão ou convocar eleições antecipadas até 31 de março de 2025”, diz a bastonária. A OA optou, à data, designar e dar posse ao Conselho de Supervisão e ao Provedor do Beneficiário dos Serviços.
E o que pensa a classe?
João Massano, líder do Conselho Regional de Lisboa da OA defende que “não existe qualquer razão que justifique, neste momento, a convocação de eleições antecipadas. A razão invocada pela Bastonária da OA, que tem a ver com a tomada de posse do Conselho de Supervisão, não é válida. Esta justificação não é válida, até porque já vem muito fora de tempo. O Conselho de Supervisão já tomou posse, mostrando que o Conselho Geral da OA não tinha intenção de convocar eleições. Neste momento, este órgão encontra-se em plenas funções”, diz o advogado. “A razão que está por detrás desta decisão é uma clara tentativa por parte da Bastonária de eliminar concorrência na futura eleição para a Ordem dos Advogados. A proximidade do momento eleitoral anunciado com as festas de Natal e fim-de-ano pelo meio, eliminará grande parte dos potenciais adversários. Esta atitude da Senhora Bastonária não é séria e vai contra a tradição e valores a que nos habituámos na nossa profissão”, concluiu.
“A bastonária percebeu várias coisas: que não aguentaria a contestação interna e que, se não convocasse eleições, perderia rapidamente a base de apoio. De registar que um mandato interrompido não conta. Em abstrato, poderá apresentar-se mais duas vezes a eleições. Ficou à vista de todos que o protesto que organizou não teve impacto”, explicou a advogada Ana Rita Duarte Campos, sócia da Abreu e que pertenceu à estrutura da OS no mandato de Guilherme de Figueiredo. “Se se preocupasse com a estabilidade da Ordem, teria convocado eleições para todos os órgãos no período transitório. Está a fazer isto agora porque quer ir a eleições enquanto a sua base de apoio se mantiver (que é a advocacia do apoio judiciário), antes que percebam que não conseguiu, nem nesse capítulo, nada de digno para a classe. É uma jogada reativa, mas muito inteligente politicamente”.
“A bastonária da Ordem dos Advogados Portugueses foi eleita no final de 2022 com promessas claras: combater o novo quadro regulatório da advocacia, dignificar o papel dos Advogados na sociedade e no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT) e melhorar os apoios sociais. Dois anos depois, o que resta dessas promessas? Zero”, defende José Costa Pinto, ex-dirigente da ANJAP. “A Ordem dos Advogados capitulou perante o novo quadro regulatório. A nomeação de um Conselho de Supervisão, assinada pela própria bastonária, é prova disso. Onde prometeu firmeza, ofereceu rendição. No que toca a dignificar o papel dos advogados na sociedade e no âmbito do SADT, a advocacia foi forçada a aceitar esmolas. O protocolo no âmbito da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) é um insulto: remunerações irrisórias por trabalho essencial. É a marca de uma advocacia empobrecida e desvalorizada”, acrescenta o advogado. “Quanto aos apoios sociais, reina a inação e a crispação. A incapacidade de negociar com a CPAS perpetua uma situação insustentável, que será ainda agravada em 2025 pelo aumento das contribuições. Prometeu-se tudo, não se conseguiu nada. Sem obra, estratégia ou resultados, a Senhora Bastonária anuncia eleições antecipadas através de um truque de secretaria próprio de outros associativismos. Estou certo de que os advogados não cedem a manobras eleitorais marcadas pela tática, nem esquecem a pobreza deste mandato. Os advogados saberão aproveitar as circunstâncias mais hostis para construir um novo rumo. É tempo de voltar a prestigiar e credibilizar a nossa Ordem. É o momento de unir a Advocacia. Não há tempo a perder”, concluiu.
“Dois anos depois, a Ordem dos Advogados voltará a ir a votos. Em condições normais iria em novembro, mas irá antes de março. Sabemos agora, 3 meses antes, com o Natal e as férias judiciais pelo meio. Eu soube-o de queixo caído, através de um daqueles vídeos em que a Senhora Bastonária nos fala como se nos estivesse a ralhar”, escreveu Paulo Valério, anterior candidato ao ato eleitoral de dezembro de 2022.
“As últimas alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados vieram criar novos órgãos e, segundo a Bastonária, restavam-lhe duas alternativas: designar esses órgãos até ao final do mandato em curso; ou convocar eleições antecipadas. Há uns meses, designou os novos órgãos ( num ato de discutível legalidade), criando em todos a convicção de que as eleições seriam no tempo devido. Agora, antecipou as eleições, passando – não há outra forma de o dizer – uma rasteira a quem se lhe queira opor. O comportamento da Senhora Bastonária é, portanto, semelhante ao daquelas pessoas que, nos pequenos-almoços de hotel, não sabem escolher de entre as opções disponíveis e fazem uma pilha no prato, como se o mundo fosse acabar amanhã. A Senhora Bastonária, com um movimento tático próprio de uma democracia selvagem – um golpe de secretaria -, pode, agora, carimbar o passaporte (que aliás tem usado bastante) para mais três anos. O que, aliás, já seria provável acontecer – embora a esmagadora maioria dos advogados repudie a transformação da OA num sindicato dos advogados oficiosos, essa maioria não vota”, concluiu.
O que diz a bastonária ?
“Como é de conhecimento público, o novo Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 6/2024, de 19 de janeiro, trouxe mudanças estruturais profundas, incluindo a criação de novos órgãos e a necessidade de adaptação regulamentar. Perante o curto prazo imposto para a implementação do novo Estatuto, o Conselho Geral deliberou designar o Conselho de Supervisão, para cumprir a obrigação legal de criação deste órgão. Esta deliberação foi tomada no enquadramento da norma transitória do Estatuto, não só com o objetivo de permitir que os mandatos em curso chegassem tranquilamente ao fim, como também de evitar a entrada imediata de membros externos para outros órgãos, de acordo com a nova composição estatutariamente prevista”, explica a bastonária, em comunicado.
“Porém, tal decisão gerou alguma divisão na nossa classe, com críticas públicas àquela designação (incluindo de titulares de órgãos da Ordem), apresentação de recursos daquela deliberação e ameaças públicas de ações judiciais. A Ordem dos Advogados não pode viver refém de controvérsias internas, litígios judiciais ou debates infindáveis sobre a regularidade de atos administrativos. O cenário atual não só cria desconfiança e insegurança quanto aos atos praticados pelo Conselho de Supervisão, como compromete a capacidade da Ordem de se focar nos verdadeiros desafios da advocacia”, acrescenta.
O artigo 5.º, n.º 5, das disposições transitórias da Lei n.º 6/2024 permite à Ordem optar, no prazo de um ano, por antecipar o calendário eleitoral. Esta possibilidade visa assegurar a designação simultânea de todos os órgãos. Perante este contexto, o Conselho Geral deliberou convocar eleições antecipadas (a realizar em data a anunciar posteriormente), “por entender ser atualmente a única solução possível para clarificar e estabilizar a nossa Ordem”, disse a líder dos advogados.
A líder dos cerca de 37 mil advogados anunciou que se vai recandidatar nessas mesmas eleições, que terão de ser realizadas até o dia 31 de março de 2025. Segundo os estatutos, as eleições não poderiam ser apenas para os novos órgãos mas também para os restantes de toda a estrutura da OA, eleitos em janeiro de 2023.
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