OE2025 vai à votação final global com mais de 300 milhões de nova despesa
Entre de 2.100 propostas alterações foram aprovadas mais de 240. Só em medidas do PSD-CDS e o aumento das pensões do PS a 'fatura' vai subir em, pelo menos, 314 milhões de euros.
A proposta final global do Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) é votada esta sexta-feira, tendo a aprovação garantida devido aos votos favoráveis do PSD e CDS-PP, os partidos que suportam o Governo, e a abstenção do PS. O documento sai, contudo, da especialidade com alterações ‘pesadas’. Entre as novas medidas da Aliança Democrática (AD) e do PS a ‘fatura’ para o próximo ano sobe, pelo menos, cerca de 314 milhões de euros, a que poderá ainda somar-se mais 400 milhões se o Governo voltar a atribuir o ‘bónus’ aos pensionistas.
Contra a vontade do Governo, a proposta do PS para um aumento extraordinário permanente para os pensionistas no próximo ano teve ‘luz verde’. Além disso, o Executivo viu travado o pedido para mexer nas férias e greves da Função Pública e a proposta orçamental passa a prever a manutenção da publicidade na RTP. Aos olhos dos politólogos, embora a proposta permita validar o xadrez político na Assembleia da República, “fragiliza” o Governo ao serem aprovadas 186 medidas da oposição — mas não ao ponto de ameaçar a governação até ao próximo Orçamento.
“O Governo sai fragilizado porque viu algumas medidas que propôs rejeitadas, e posicionamentos políticos da oposição que claramente evidenciam um nível de maior popularidade em determinados grupos, mas não o suficiente para o Governo assumir que não tem condições para governar até ao próximo Orçamento do Estado“, considera Bruno Ferreira da Costa, professor de Ciência Política na Universidade da Beira Interior (UBI) em declarações ao ECO. Ou seja, há medidas da oposição que “enfraquecem a posição do Executivo de Montenegro em todo este processo” por irem contra uma “vontade” clara do Governo e dos partidos que o suportam, diz o politólogo da UBI.
Paula Espírito Santo não vê com surpresa que a proposta orçamental tenha saído desvirtuada, tendo em conta as propostas recorde que deram entrada no Parlamento, mais de 2.100. “Seria de esperar que ficasse [desvirtuado] dado o equilíbrio de forças no hemiciclo“, diz a politóloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP), acrescentando, ainda assim, ser um desfecho “benéfico do ponto de vista de integração de propostas de partidos diferentes”, diz. “Não é um orçamento que vai derrubar o Governo“, vinca.
Ao longo de uma ‘maratona’ de votações de quatro dias, que pela primeira vez contou com a presença do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, foram aprovadas 243 propostas de alteração, 57 das quais do PSD e CDS-PP. Nas contas finais, o maior vencedor da oposição é o PAN (46 iniciativas), seguido pelo PCP (34) e o Livre (29) – estes foram também dos partidos que apresentaram dos maiores números de propostas de alteração.
Orçamento do Estado sai da especialidade com 243 alterações aprovadas, a larga maioria da oposição.
Segue-se na lista o Bloco de Esquerda (27) e o Chega (26), partido que pela primeira vez conseguiu vitórias na especialidade, chegando assim ao fim a prática dos últimos anos de sair desta fase do processo sem qualquer proposta viabilizada. Por seu lado, o PS viu passarem 18 iniciativas e a IL seis. Apesar deste retrato, o PS é o partido que faz a maior mossa ao Executivo, devido ao aumento permanente das pensões em 1,25 pontos percentuais.
A proposta socialista deverá custar 273,8 milhões de euros aos cofres do Estado só em 2025, segundo as contas da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). Para o PS, o impacto será um pouco inferior, de 265 milhões de euros. Já o bónus pontual entre 100 e 200 euros que o Governo pretende atribuir, em 2025, caso haja margem orçamental, vai representar uma despesa adicional de 400 milhões de euros. Contudo, este brinde tem um caráter pontual, isto é, não conta para a atualização regular anual das prestações, o que significa que este encargo só será sentido no próximo ano. Já a medida do PS tem um efeito permanente na base da atualização das pensões com impactos a longo prazo. No entanto, a UTAO não apresentou estimativas do custo desta medida nos próximos anos.
Ao impacto das pensões soma-se o custo de cerca de 40 milhões de euros associados a propostas do PSD e CDS-PP, segundo contas anunciadas pelo líder parlamentar social-democrata, Hugo Soares. Assim, o Orçamento terá, pelo menos, mais cerca de 314 milhões de euros de despesa que não estava prevista pelo Executivo. Apesar de grande parte das alterações aprovadas pela oposição serem de natureza residual — e muitos representarem cavaleiros orçamentais — a fatura final ainda não está contabilizada.
“Nesta matéria, o Executivo fica numa posição difícil porque deixa de ter condições para assinalar em praça pública uma discordância evidente face a essa medida” dado que, simultaneamente, conseguiu ver aprovada a atribuição de um suplemento extra aos pensionistas, num cenário de margem orçamental, argumenta Bruno Ferreira Costa. “Seria contraproducente agora o Governo voltar a insistir nesta narrativa“, diz.
Por seu turno, Paula Espírito Santo não descarta que essa cartada venha a ser jogada — juntamente com as outras que façam referência às propostas da oposição que foram aprovadas à revelia do Governo — num cenário em que a execução orçamental comprometa as metas definidas pelo Ministério das Finanças.
“O Governo pode um dia atirar à cara que uma determinada medida comprometeu outra e que isso é da responsabilidade de certo partido. Mas, neste momento, parece-me que há pouca margem para o fazer porque o documento final do OE2025 deve, acima de tudo, ser um compromisso parlamentar”, argumenta Paula Espírito Santo. “Ter um orçamento que reflete essa capacidade negocial entre os partidos é importante, embora o Governo possa não ficar tão satisfeito”, acrescenta.
“O Governo sai fragilizado deste debate na especialidade, mas não o suficiente para assumir que não tem condições para governar até ao próximo orçamento do Estado.
Entre as principais medidas da oposição viabilizadas incluem-se ainda a redução do IVA sobre as touradas para 6%, bem como da alimentação para bebés e a manutenção da publicidade na RTP. Contudo, outra das maiores ‘derrotas’ do Governo passa pelo travão ao pedido de autorização legislativa que permitia ao Executivo alterar a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, designadamente na marcação de férias, nas regras dos pré-avisos de greve e no regime de mobilidade da Função Pública, devido à aprovação de uma iniciativa do BE, com os votos de toda a esquerda e PAN, a abstenção do Chega e os votos contra do PSD, CDS e IL.
Aos olhos dos politólogos, é certo que, pelo menos até ao verão do próximo ano Luís Montenegro consiga governar — ainda que o faça com um orçamento que não é completamente da sua autoria. Bruno Ferreira Costa não descarta, no entanto, que as “coisas possam vir a aquecer” aquando das eleições autárquicas, que deverão decorrer entre setembro e outubro, de 2025. Nessa altura, diz, “pode ser criado um ambiente de antecipação” para eleições antecipadas.
Os vencedores e os perdedores
Mas se o Executivo não está satisfeito, há partidos que estarão. Um deles, é o PAN que conseguiu ser dos partidos com maior número de propostas aprovadas, algo que, segundo Bruno Ferreira Costa, já é ” tradição” uma vez que a deputada única, Inês Sousa Real, consegue aprovar propostas tanto nas governações de PS como do PSD. Este ano, o partido entregou mais de 200 iniciativas.
Em sentido contrário, surge a Iniciativa Liberal que, aos olhos do politólogo da UBI, embora não saia derrotada, termina a maratona parlamentar “eclipsada” por ter conseguido aprovar apenas uma das medidas sobre a qual fez campanha, a redução do IVA para 6% na comida para bebés, e por não se ter conseguido “distanciar do Governo” em matérias relevantes, aponta o politólogo.
Já o PS, depois de os avanços e recuos sobre o sentido de voto que adotaria aquando da votação na generalidade, conseguiu ganhar pontos por ter conseguido levar avante o aumento das pensões — embora o tenha conseguido graças à abstenção do Chega. Partido que, por seu turno, não conseguiu ver a própria proposta direcionada aos pensionistas aprovada. Os socialistas viram, contudo, ficar pelo caminho duas bandeiras: o regime de dedicação exclusiva no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o reforço na habitação. Chumbada foi também a proposta para o fim permanente das comissões no reembolso antecipado do crédito à habitação com taxa fixa e a redução do limite que a banca pode cobrar no caso da taxa fixa de 2% para 0,5%.
Por seu lado, André Ventura conseguiu ainda assim marcar terreno, destaca Bruno Ferreira Costa. Durante o debate, esta quinta-feira, o líder do partido anunciou que os 50 deputados concordaram em abdicar do aumento salarial dos políticos em 2025 — decisão que fragilizou a bancada do PSD devido à reação explosiva do líder da bancada, Hugo Soares.
“Ficou visivelmente irritado“, comenta o politólogo, prevendo que o momento “viralize” nas redes sociais. “Em termos da perceção e de comunicação com o eleitorado, acaba por ser uma mensagem muito forte, ainda que com um certo populismo”, admite.
Paralelamente ao contexto da Assembleia da República, Bruno Ferreira destaca a conferência de imprensa de Luís Montenegro, na quarta-feira à noite, que serviu para falar sobre segurança interna, num dia em que a Polícia Judiciária colocara em curso uma mega-operação no concelho de Loures, distrito de Lisboa, para a detenção de “vários suspeitos” do incêndio num autocarro em Santo António dos Cavaleiros, que em outubro feriu gravemente o motorista.
“Parece-me que o facto de o Parlamento ter aprovado algumas medidas da oposição passou a imagem de que o Governo estava a sair derrotado, e por isso, talvez, numa altura em que o país deveria estar focado em discutir o Orçamento, o primeiro-ministro decide fazer uma conferência de imprensa paralela, a uma hora que passa pouco despercebida”, acrescenta o politólogo.
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