Von der Leyen pisca o olho ao gás de Trump com alívio dos custos na mira

Com o regresso de Trump à Casa Branca, a UE prepara-se para novas tarifas vindas dos EUA. Em paralelo, Von der Leyen procura estreitar laços, piscando o olho ao GNL americano.

A Europa e os Estados Unidos já deram os primeiros passos para inaugurar a nova era comercial entre os dois blocos, agora que Trump será o novo inquilino da Casa Branca, a partir de janeiro de 2025. Von der Leyen quer aumentar ainda mais as importações de gás natural liquefeito (GNL) norte-americano, justificando a aposta no fornecimento vindo do outro lado do Atlântico com base nos preços mais baixos em relação ao gás de Moscovo.

Numa conversa que a presidente da Comissão Europeia teve com Donald Trump, dois dias depois de ter sido declarada a vitória deste candidato nas eleições norte-americanas, foi abordada “a questão do GNL”, visto que parte deste combustível que chega ao bloco europeu ainda provém da Rússia. “E porque não substituí-lo pelo gás americano? É mais barato e permite reduzir os nossos preços. É uma discussão a ter“, disse von der Leyen, durante uma conferência de imprensa, no início do mês, salientando ser “muito importante” identificar os “interesses comuns” entre o bloco europeu e os Estados Unidos e “negociar”.

Esta questão é levantada numa altura em que paira a ameaça norte-americana de adotar novas tarifas contra a União Europeia, e ao mesmo tempo o bloco procura aliviar a dependência do gás de Moscovo. Até ao início da guerra na Ucrânia, a Rússia era o principal fornecedor deste combustível, tendo chegado a representar quase metade dos consumos de GNL em toda a Europa.

Mas com as sanções europeias e a destruição do Nord Stream 2, o gás por gasoduto de Moscovo perdeu uma quota significativa de mercado, tendo a União Europeia apostado na diversificação de fornecedores com origens na Noruega, Norte de África e Estados Unidos. Atualmente, os fluxos de gás da Rússia que chegam ao bloco europeu por gasoduto, a principal via de entrada no bloco europeu, representam cerca de 15% do total.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

Embora o fornecimento norte-americano seja uma alternativa para a Europa, o transporte desde o outro lado do Atlântico faz com que o preço deste combustível suba. O transporte de GNL por navios metaneiros de facto encarece o custo comparativamente ao transporte por pipeline”, aponta, Gonçalo Aguiar, engenheiro eletrotécnico.

Considerando os preços praticados, em novembro, o GNL americano no mercado grossista custava entre 22 a 25 euros por MWh ao passo que o gás russo por gasoduto na fronteira com a Alemanha custava cerca de 44 euros MWh. Mas enquanto o preço do combustível proveniente de Moscovo já inclui os custos de transporte por gasoduto, o americano tem de ser transformado, pelo menos duas vezes, até chegar o mercado europeu, processo que encarece o preço deste combustível.

O transporte de GNL por navios cargueiros é geralmente mais caro do que o transporte de gás natural por gasodutos, como os que trazem gás russo diretamente para a Europa“, explica Paulo Monteiro Rosa, do Banco Carregosa ao ECO. “Os custos são necessariamente no “processo de liquefação e regaseificação”, custos de transporte, maior distância, e infraestrutura portuária e de armazenamento”, acrescenta o analista.

Segundo Gonçalo Aguiar, o transporte de gás russo por gasoduto custa cerca de quatro euros por MWh por já estar no estado adequado para o seu transporte, não sendo necessário ser transformado. Já o gás natural dos Estados Unidos, passa por um processo diferente.

A 29 de novembro, os contratos do gás natural nos mercados grossistas nos Estados Unidos custavam cerca de 10,80 euros por MWh. Depois de extraído, o gás natural tem de ser liquidificado, um processo que custa, em média, 8,53 euros por MWh. Depois de ser transportado desde a origem até aos terminais de receção na Europa — fator que varia dependendo da distância — somam-se 4,27 euros por MWh. Chegado ao mercado europeu, o gás precisa de ser regaseificado para estar adequado ao transporte, algo que custa cerca de três euros por MWh.


Estes custos de processamento são considerados o preço de breakeven, ou seja, o valor mínimo a que os produtores precisam de vender o gás natural por forma a cobrir todos os custos — extração, liquidificação, transporte e regaseificação –, sem ter prejuízo. Neste caso, totalizam cerca de 15 euros por MWh.

Uma vez exportado, o GNL americano entra nos mercados globais, como o TTF (Title Transfer Facility) na Europa ou o JKM (Japan-Korea Marker) na Ásia, onde o valor final pode variar de acordo com a oferta e a procura regionais. Feitas as contas, o preço final do gás americano acaba a rondar os 25 euros por MWh.

Com base nesses números, o GNL dos EUA é significativamente mais barato na entrega final à Europa, considerando os custos adicionais“, estima Paulo Monteiro Rosa, economista chefe do Banco Carregosa, corroborando as afirmações de Ursula von der Leyen. No fundo, conclui o economista, o gás americano “permitiria baixar substancialmente os preços” da energia na Europa, que atualmente é quatro vezes superior aos preços praticados nos Estados Unidos e China, tal como alerta Mario Draghi.

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A poucas semanas do início do inverno, as reservas de gás natural na Europa já estão cheias, permitindo que o bloco europeu, sobretudo os países da Europa Central, tenham recursos suficientes para satisfazer as necessidades domésticas e industriais.

Em agosto, a Comissão Europeia dava nota de que 90% das reservas dos 27 Estados-membros estavam cheias, o que corresponde a uma capacidade de cerca de 1,147 terawatts-hora (TWh), cumprindo assim a meta comunitária definida em 2023, segundo os dados agregados do Gas Infraestructure Europe. Desse total, Portugal contribui com 3,5 TWh de capacidade, tendo mais de 100% das reservas completas.

Moscovo com prejuízos de 6 mil milhões com fim do contrato com Kiev

A guerra na Ucrânia fez com que o gás natural se tornasse numa arma de arremesso da Rússia contra uma Europa que se unia para apoiar Kiev, obrigando a que o bloco europeu rumasse em direção à independência energética. Neste momento, essa realidade ainda é distante uma vez que a exploração de GNL na Europa ainda é limitada. A maioria do GNL consumido entre os 27 Estados-membros, incluindo Portugal, ainda é maioritariamente importado.

Neste momento, embora ainda existam alguns contratos com a empresa estatal de gás russo, a Gazmpom, em vigor na Europa — Hungria, Eslováquia, República Checa, e fora da UE, a Sérvia e Bulgária — a ideia da União Europeia é de que até 2027 seja possível fechar, por completo, a torneira ao gás vindo de Moscovo. Sobretudo a torneira ucraniana.

O próximo contrato a chegar ao fim será o da Rússia com a Ucrânia, que termina a 1 de janeiro de 2025. Segundo as contas do Bruegel, um think tank com sede em Bruxelas, o fim deste fornecimento resultaria numa perda de 6,5 mil milhões de dólares anuais para a Rússia, a menos que esta possa redirecionar estes fluxos para outros gasodutos ou terminais de GNL.

O fim do contrato marcará uma mudança importante porque o gás via Ucrânia regido pelo contrato representa atualmente metade das restantes exportações russas de gás por gasoduto para a UE e um terço do total das exportações russas de gás, incluindo o GNL“, estima Bruegel. O impacto far-se-á sentir especialmente na Áustria, Hungria e Eslováquia, países para os quais a rota de trânsito ucraniana satisfazia 65% da procura de gás em 2023. Globalmente, a percentagem do trânsito ucraniano nas importações de gás da UE diminuiu de 11% em 2021 para cerca de 5%.

Em sentido contrário, a Ucrânia também sairá prejudicada: o think tank estiva que Kiev perca cerca de e 0,5% do PIB com o fim do contrato de trânsito, “arriscando-se a comprometer o seu papel estratégico como parceiro energético da Europa”, nomeadamente, como fornecedor de gás.

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