Tempestade perfeita no Reino Unido com obrigações do Tesouro em ebulição
As yields das obrigações do Tesouro britânico continuam a bater recordes com desconfiança crescente dos investidores na economia do Reino Unido e com efeitos das políticas protecionistas de Trump.
Os mercados e os investidores estão a enviar um sinal claro de desconfiança relativamente às perspetivas económicas do Reino Unido, com as yields das obrigações do Tesouro britânico (Gilts) a baterem máximos históricos diariamente ao longo desta semana.
Este cenário, que está também a despertar “fantasmas” antigos da crise de 2022 que levou à queda do Governo britânico então liderado por Liz Truss, coloca uma pressão significativa sobre a chanceler Rachel Reeves, que se adensa ainda mais com uma onda de críticas por a ministra das Finanças manter uma viagem de três dias à China para promover a cooperação económica e financeira entre os países no meio desta tempestade.
A yield das Gilts a 10 anos já chegou a negociar acima dos 4,9% (agora está nos 4,84%), o nível mais elevado desde a crise financeira global de 2008, enquanto a yield das obrigações a 30 anos alcançou o valor histórico de 5,44% no durante a manhã de quinta-feira (agora está nos 5,4%), um patamar não observado desde o verão de 1998.
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O recente aumento acentuado do custo das obrigações britânicas reflete uma combinação de fatores domésticos e globais que estão a abalar a confiança dos investidores. O Orçamento apresentado por Reeves em outubro tem sido apontado como um dos catalisadores desta turbulência.
O plano orçamental do governo trabalhista liderado por Keir Starmer, que prevê um aumento nos gastos governamentais, levantou preocupações sobre pressões inflacionárias adicionais numa economia já fragilizada. Basta lembrar que os números referentes ao PIB do Reino Unido no final do ano passado foram mais fracos do que o esperado e as últimas estimativas do Banco de Inglaterra apontam para que a não tenha crescido no último trimestre de 2024.
E em cima de um cenário pouco otimista, a inflação no Reino Unido, que tinha mostrado sinais de arrefecimento, inverteu a tendência de queda em outubro e novembro, voltando a subir para uma taxa homóloga de 2,6% em novembro (últimos dados conhecidos), o valor mais elevado desde março de 2024.
À subida dos preços não é indiferente a forte desvalorização da libra esterlina, que negoceia atualmente no nível mais baixo em 14 meses relativamente ao dólar americano, provocando por inerência um encarecimento das importações e potencialmente alimentando pressões inflacionistas adicionais.
A contribuir para a turbulência económica e financeira por terras de Sua Majestade há ainda a contabilizar o aumento planeado nas contribuições para a Segurança Social por parte dos empregadores, que tem gerado apreensão entre as empresas ao temerem um impacto negativo nos preços e no mercado de trabalho. Este cenário alimenta os receios de uma potencial estagflação, uma combinação tóxica de crescimento económico estagnado e inflação persistente.
O contexto global também tem desempenhado um papel crucial nesta equação. A expectativa da chegada de Donald Trump à Casa Branca (que tomará posse a 20 de janeiro) e das suas políticas tem agitado os mercados financeiros internacionais.
As promessas de Trump de impor tarifas generalizadas e implementar cortes de impostos abrangentes têm alimentado temores de pressões inflacionárias e défices crescentes nos EUA. Esta perspetiva tem impulsionado as yields dos títulos do Tesouro norte-americano (Treasuries), que por sua vez tem provocado um efeito de contágio, influenciado os mercados de obrigações globais, particularmente o britânico.
Pressão sobre a política orçamental e monetária
O aumento nas yields das Gilts coloca uma pressão significativa sobre as finanças públicas britânicas. O espaço orçamental limitado que Reeves tinha para manobrar as contas públicas já foi praticamente eliminado pelo aumento de rompante das yields das obrigações nos últimos meses, alertam os economistas. “O risco agora é que se desviem irrevogavelmente do seu rumo, porque perderam o controlo da posição orçamental, e sejam forçados a austeridade e a aumentos de impostos”, refere Erik Britton, um antigo economista do Banco de Inglaterra que agora dirige a Fathom Consulting, à Bloomberg.
Isto pode forçar o Governo de Starmer a considerar medidas de austeridade adicionais ou aumentos de impostos para cumprir as suas próprias regras orçamentais. No entanto, nem todos veem a situação atual como uma crise iminente.
Paul Donovan, economista-chefe do UBS, oferece uma perspetiva mais moderada, observando que os pagamentos de juros da dívida do Tesouro britânico “continuam a representar uma parte menor da economia do que em muitos outros países, limitando, por enquanto, as consequências económicas.”
Por outro lado, Michael Krautzberger, diretor de Investimento (CIO) em obrigações da Allianz GI, vê uma oportunidade nos títulos de dívida britânicos. O especialista acredita que as Gilts “são uma boa opção, já que o mercado está a subestimar a margem para cortes nas taxas de juro”, escreve Michael Krautzberger numa nota enviada na quinta-feira aos clientes da Allianz GI. Esta visão sugere que, apesar da turbulência atual, pode haver potencial de valorização para os investidores dispostos a assumir riscos no mercado de obrigações britânico.
Para o Banco de Inglaterra, este ambiente de turbulência não é indiferente. Após uma série de aumentos nas taxas de juro que elevaram a taxa base da libra esterlina de 0,1% em dezembro de 2021 para 5,25% em agosto de 2023, o banco central realizou dois cortes em agosto e novembro do ano passado, deixando a taxa atual em 4,75%.
No entanto, a persistência da inflação e a volatilidade nos mercados de obrigações complicam a tarefa da autoridade monetária do Reino Unido em equilibrar o controlo da inflação com o estímulo ao crescimento económico. Será com estas preocupações bem presentes que os nove membros do Comité de Política Monetária do Banco de Inglaterra terão de tomar uma decisão relativamente à taxa de juro da libra na próxima reunião, que decorrerá dentro de um mês (6 de fevereiro).
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O aumento nas yields das Gilts tem implicações significativas tanto para as contas públicas quanto para os investidores. Para os investidores, embora as yields mais altas ofereçam retornos potencialmente maiores, também sinalizam um aumento no risco percebido associado à dívida britânica.
Para o Governo, yields mais elevadas significam custos mais pesados em futuras emissões de dívida, particularmente de títulos com maturidades mais longas, que pode levar a cortes nos gastos públicos ou aumentos de impostos para manter a estabilidade orçamental.
Isso foi visível já na terça-feira com uma emissão de 2,3 mil milhões de libras a 30 anos pelo qual o Tesouro pagou 5,2% que compara com um custo de 4,7% há três meses numa operação semelhante; e também com um leilão a 5 anos realizada na quarta-feira pelo qual o Tesouro se financiou em 4,25 mil milhões de libras ao preço de 4,49%, quando em setembro, numa operação em tudo semelhante, pagou menos 61 pontos base (3,9%).
Para a próxima semana as atenções dos investidores estarão centradas no leilão de dívida a 10 anos programado para quarta-feira, em que o Tesouro britânico pretende financiar-se em 4 mil milhões de libras. A última operação a 10 anos promovida pelo Gabinete de Gestão da Dívida do Reino Unido resultou numa yield de 4,33%. Atualmente, o benchmark a 10 anos do Tesouro britânico apresenta uma yield próxima dos 5%.
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