Aguiar-Branco alerta que país corre o “risco de só ficar com políticos sem interesse algum”

Presidente da AR avisa que a política precisa de mobilizar os académicos mais capazes e os profissionais mais qualificados para defender os "diferentes interesses que existem na sociedade".

O presidente da Assembleia da República alertou esta terça-feira para o risco de Portugal ficar só com políticos sem interesse nenhum e sugeriu uma mudança de regras e mentalidades por ocasião dos 50 anos das primeiras eleições livres.

Estas posições foram defendidas por José Pedro Aguiar-Branco na abertura de uma conferência sobre “O estatuto dos titulares de cargos políticos — cinco anos depois”, na Sala do Senado, no Parlamento.

Na sua intervenção, o presidente da Assembleia da República considerou que a política portuguesa “precisa de mobilizar os académicos mais capazes, os profissionais mais qualificados” e “os representantes mais adequados para os diferentes interesses que existem na sociedade”.

“Escolho a palavra interesses propositadamente. Os deputados devem mesmo defender interesses: os das suas terras e regiões, os de uma classe profissional, comunidade ou setor, os interesses dos agricultores ou dos professores. É o conjunto dos interesses que constitui o interesse nacional”, sustentou.

Depois, deixou um aviso: “Quando estamos, por demagogia, inveja ou maledicência, demasiado preocupados com os interesses dos políticos, corremos o risco de só ficar com políticos sem interesse algum“.

José Pedro Aguiar-BrancoLusa

O antigo ministro social-democrata admitiu que esta posição seja polémica e impopular, mas, na sua perspetiva, “criou-se em Portugal um terreno armadilhado na discussão sobre o estatuto dos titulares de cargos políticos”.

“Não só pelas leis, mas sobretudo pelo ambiente mediático que se criou. Um ambiente de suspeição face aos políticos, sem cuidar do que é trigo e do que é joio, degradando, por falta de rigor, o sentido nobre da função. Um ambiente que, tantas vezes, parece querer cobrar dos políticos um grau de transparência que visa apenas o voyeurismo e não o escrutínio sério de que serve a causa pública”, criticou.

Há um ambiente que, tantas vezes, parece querer cobrar dos políticos um grau de transparência que visa apenas o voyeurismo e não o escrutínio sério de que serve a causa pública.

José Pedro Aguiar-Branco

Presidente da Assembleia da República

Neste contexto, o presidente da Assembleia da República fez uma proposta para combater um ambiente que “presume que todos são suspeitos e potenciais culpados” e que inverte o ónus da prova.

“Celebramos, neste ano, os 50 anos das primeiras eleições livres. É uma excelente ocasião para homenagear os nossos primeiros deputados, os fundadores do regime democrático. Mas também é tempo de pensarmos no futuro, de mudarmos regras e mentalidades, para que volte a ser possível recrutar os melhores para a política”, advogou.

Na sua intervenção, José Pedro Aguiar-Branco admitiu que, face à atual realidade, figuras como Natália Correia, Lucas Pires ou Sophia de Mello Breyner talvez não estivessem na vida política.

“Precisamos de mudar a forma como olhamos para a política, as exigências que, enquanto sociedade, fazemos aos servidores públicos. Todos sabemos como é difícil a quem tem uma vida privada participar na política”, disse.

O presidente do Parlamento considerou mesmo que “quem tem uma carreira profissional, quem tem currículo no setor privado, quem tem empresas próprias, quem fez negócios, vê-se muitas vezes inibido de participar na política, ainda que sem qualquer incompatibilidade ou conflito de interesses“.

“E corremos o risco com isso de atrair, para o serviço público, apenas os que não têm percurso feito no privado, os políticos de carreira, os que sempre fizeram política — e nada mais”, acrescentou.

Na abertura da sessão, a presidente da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, a social-democrata Ofélia Ramos, classificou Aguiar-Branco como uma “referência em defesa do pluralismo e da liberdade”, e salientou que a ética e a transparência “não são uma opção mas um dever” dos políticos.

Num momento em que se discute a possibilidade de se agravar sanções aos deputados com conduta imprópria, Ofélia Ramos advertiu porém que não se deve criar leis de forma reativa e precipitada.

Criar confusão com lei dos solos e imobiliárias

O presidente da Assembleia da República afirmou, por outro lado, que se está a pretender criar um clima de confusão junto dos cidadãos com polémicas sobre a lei dos solos e de políticos com participações em empresas imobiliárias.

José Pedro Aguiar-Branco falava aos jornalistas no parlamento, depois de questionado sobre os mais recentes casos que atingiram vários membros do Governo, incluindo o primeiro-ministro, Luís Montenegro, sobre participações em empresas, designadamente negócios no ramo imobiliário, ou sobre potenciais interesses na revisão da chamada lei dos solos.

“Estas situações mais recentes confundem tudo. E a confusão é o primeiro passo para que se crie uma atmosfera de suspeição em relação a todos, o que é errado, porque degrada o ambiente para o exercício da intervenção cívica”, declarou.

Sobre as mais recentes controvérsias que atingiram membros do executivo PSD/CDS e também deputados, o presidente do parlamento considera ser “óbvio que se pretende criar confusão”. “E ao misturarem-se as várias situações que foram objeto de discussão, quer na Assembleia da República, quer no espaço público, quer em artigos [de opinião], confunde-se tudo”, respondeu.

Para o presidente da Assembleia da República, “confundem-se todas as situações, em concreto, no caso da lei dos solos, que está em debate – e confunde-se propositadamente, porque nem todos os que fazem a discussão desejam efetivamente ver quais são os méritos ou os deméritos da lei”.

Confrontado com o facto de o líder do Chega, André Ventura, o ter também apontado como um dos políticos que detém uma participação numa empresa imobiliária, José Pedro Aguiar-Branco reagiu: “Nem sequer valorizo isso, porque cai campo da tal confusão, no campo em que se pretende confundir tudo”.

Sem nunca especificar forças políticas, o presidente da Assembleia da República observou que, nos últimos tempos, a discussão à volta de uma determinada norma “tem resvalado para o debate do que parece – e não para o debate daquilo que efetivamente é”.

Quando alguém que entra para o exercício de cargos políticos, ainda que não tenha absolutamente nenhuma situação de necessidade de escrutínio particular, tudo é escarrapachado: o seu património, a sua situação do ponto de vista financeiro, tudo o que tem a ver com um acervo particular, ainda que não exista alguma suspeita.

José Pedro Aguiar-Branco

Presidente da Assembleia da República

“O debate surge amputado, aparecendo só num determinado contexto, o que dá uma impressão errada às pessoas. Isso tem um objetivo: Criar uma imagem de menor confiabilidade no parlamento, de menor confiabilidade em quem nos governa e com isso criar aquilo que é o pior para a democracia, que é a confusão”, acentuou.

José Pedro Aguiar-Branco manifestou-se defensor da transparência na atividade política, com uma quadro eficaz de punição em casos objetivos de violação de normas, mas criticou quem tenta estender ao absurdo as normas de incompatibilidade e de conflito de interesses.

Neste ponto, o presidente do parlamento foi ainda mais longe: “Muitas vezes realmente há só voyeurismo”. “Quando alguém que entra para o exercício de cargos políticos, ainda que não tenha absolutamente nenhuma situação de necessidade de escrutínio particular, tudo é escarrapachado: o seu património, a sua situação do ponto de vista financeiro, tudo o que tem a ver com um acervo particular, ainda que não exista alguma suspeita”, criticou.

O presidente do parlamento assinalou depois que está há mais de 20 aos na política. “Sempre fui escrutinado. Portanto, tenho a tranquilidade de poder estar a falar desta forma. Mas a verdade é que o grau de exposição é muitas vezes gratuito. Parece que quem tem mais vida para além da política, quem teve uma atividade privada, quem sempre pautou a sua vida por condutas irrepreensíveis está hoje inibido de poder participar na política”, afirmou.

José Pedro Aguiar-Branco identificou que, progressivamente, se foi “criando essa dimensão demagógica em que, mesmo quando não há situações que se encontrem no âmbito do regime das incompatibilidades, se gera uma atmosfera que confunde o trigo e o joio”. “Desta forma, pessoas de bem não estão disponíveis para participar” na vida política, acrescentou.

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