Governo dança com todos mas privilegia PS. Quer baixar IRS e apertar regras na greve e imigração

Montenegro lançou um "desafio histórico" ao PS para dar condições de governabilidade. Aprova em breve novo alívio fiscal, admite tirar a nacionalidade a criminosos e vai fiscalizar "abusos" no RSI.

O Executivo da Aliança Democrática (AD) – coligação PSD/CDS quer dançar com todos, mas não esconde a preferência pelo parceiro socialista a quem lançou um “desafio histórico” para dar condições de governabilidade. O “diálogo aberto, leal e genuíno” que o primeiro-ministro quer firmar com o PS será essencial para viabilizar medidas futuras como a descida do IRS em 500 milhões de euros já com efeitos este ano. Mas, se necessário, o primeiro-ministro também aceita uma valsa com o Chega para tirar a nacionalidade a criminosos graves, apertar as regras da greve ou fiscalizar “abusos” nos apoios sociais, com mira no Rendimento Social de Inserção (RSI), propostas que também terão de passar pelo escrutínio dos deputados. Assim foi a manhã desta terça-feira no Parlamento, o primeiro dia de debate do programa do Governo.

Apesar da “maioria maior”, com 91 eleitos, Montenegro não tem um poder absoluto, só alcançado com 116 cadeiras das 230 do hemiciclo. Por isso, precisa de consensos com o Chega, que subiu a líder da oposição, com 60 parlamentares, ou com o PS, que caiu para terceira força política, com 58 deputados, para conseguir passar propostas como reduções de impostos ou mudanças à política imigratória, às regras da greve ou das prestações sociais.

Durante a apresentação e discussão do programa do Governo, o primeiro-ministro indicou que irá dialogar com “todas as forças políticas”. No entanto, não esquece “as responsabilidades históricas e o sentido que o PS teve em vários aspetos de convergência”, ressalvou. “Não excluímos ninguém e sabemos quem esteve a altura dessa responsabilidade e logo veremos se há novas forças e novos protagonistas a mostrar essa responsabilidade”, afirmou. E, dirigindo-se ao Chega, insistiu: “Logo veremos quem tem esse sentido de responsabilidade.” À margem do debate, o único candidato à liderança do PS, José Luís Carneiro, desafiou o “PSD a clarificar com que parceiro quer dialogar”.

Mas antes, dentro plenário, Montenegro deixou claro que tem consciência da primazia do PS nas pontes de convergência. “Nós nunca vamos diminuir o PS, nunca vamos deixar de fazer o diálogo franco, aberto, leal e genuíno com o PS”. E elencou as áreas onde será possível firmar pactos com os socialistas: “Não será difícil convergir na política externa e europeia e temos uma posição comum, de alinhamento com os objetivos na área da defesa. E fico satisfeito, porque o deputado José Luís Carneiro evidenciou disponibilidade para uma aproximação nas políticas da administração interna. É importante que o PS queira colaborar na reforma do Estado, da Justiça.”

Contudo, os entendimentos dependem agora mais do PS do que do Governo, atirou, em resposta ao líder da bancada parlamentar socialista, Pedro Delgado Alves. O PS vai mesmo ter “um desafio histórico perante si próprio”. “Talvez seja a primeira vez que o PS, na oposição, possa dar a Portugal uma demonstração de verdadeira e genuína disponibilidade para colaboração com o Governo. Aquilo que tem acontecido ao longo dos últimos anos é precisamente o contrário: O PS está sempre pronto para receber a colaboração quando o PSD está na oposição, mas nunca esteve pronto para fazer o mesmo, com o mesmo significado e alcance, em sentido contrário”, sustentou.

“A estabilidade política é uma tarefa de todos, é um bem a proteger tanto pela maioria que apoia o Governo como pelas diferentes oposições. O Governo está aqui para cumprir a legislatura de quatro anos”, sublinhou. E avisou, atirando contra Chega e PS: “O Governo só não terá a duração de quatro anos se os dois maiores partidos da oposição assumirem entre si uma coligação deliberada e cúmplice politicamente.”

Luís Montenegro espera, no entanto, que o “amplo consenso” na eleição do presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, seja “o prenúncio de muitos outros consensos que venham a ser alcançados nesta casa em benefícios dos portugueses”. Até porque o Executivo incluiu “80 medidas” da oposição no seu programa. “Dizemo-lo sem qualquer arrogância, fá-lo-emos com humildade democrática e abertura para o diálogo construtivo”, afirmou. Não obstante, salientou, “cabe às oposições corresponder com igual humildade espírito de diálogo”.

Redução do IRS em 500 milhões de euros avança nas próximas duas semanas

Primeiro-ministro Luís Montenegro, na apresentação do programa do Governo, com Carlos Amorim e Miranda SarmentoHugo Amaral/ECO 17 junho, 2025

Montenegro aproveitou o debate para anunciar algumas medidas que serão aprovadas brevemente em Conselho de Ministros e que só poderão sair do papel se tiverem o apoio de Chega ou PS — desde logo, a redução do IRS em 500 milhões de euros já este ano. De lembrar que, no ano passado, o Parlamento aprovou uma iniciativa do PS que passou com a abstenção do Chega à revelia do PSD.

Nas próximas duas semanas, vamos decidir a redução de mais de 500 milhões de euros de IRS já este ano, em 2025, até ao 8.º escalão, beneficiando os rendimentos mais baixos, mas sobretudo a classe média, revelou Luís Montenegro. A medida terá efeitos retroativos a janeiro através da redução das tabelas de retenção na fonte, à semelhança do que aconteceu no ano passado.

A medida já constava do programa eleitoral com que a Aliança Democrática (AD) – coligação PSD/CDS ganhou as legislativas de 18 de maio. E agora é vertida no caderno de encargos do Executivo para os próximos quatro anos.

O programa do Governo consagra assim uma nova descida do IRS até ao 8.º escalão em dois mil milhões de euros até 2029, com uma redução de 500 milhões já em 2025, sendo este um adicional ao Orçamento do Estado para 2025 (OE2025). O 8.º penúltimo nível de tributação abrange matéria coletável até 83.696 euros anuais, o que corresponde a um salário bruto mensal de cerca de 7.000 euros. E as taxas variam entre 13% e 45% para o mesmo intervalo de rendimentos.

A par desta medida, o Governo quer ainda avançar A força política liderada por Luís Montenegro pretende continuar a trajetória de descida do IRC à razão de um ponto percentual ao ano, até chegar aos 17%, no final da legislatura, e aos 15% nos primeiros 50 mil euros de lucro tributável. O impacto para este ano da descida da taxa de 20% para 19% deverá rondar os 250 milhões de euros. Com o IRS, os cofres do Estado deverão perder 750 milhões de euros em receita fiscal este ano, mas Montenegro garantiu que “não será necessário um Orçamento retificativo”.

Alterações à lei da greve

Outra das matérias sensíveis e que mereceu críticas por parte de José Luís Carneiro prende-se com a intenção do Executivo mexer no direito à greve, uma medida que não estava no programa eleitoral da AD. Depois das mortes provocadas pela falha do socorro do INEM, devido a uma paralisação dos trabalhadores, e da greve dos maquinistas da CP em plena campanha eleitoral, e sem direito a serviços mínimos, o Executivo quer alterar algumas regras mas sem detalhar o quê em concreto.

O poder político tem de assumir as suas responsabilidades. As normas e leis têm de ser alteradas quando funcionam mal.

Luís Montenegro

Primeiro-ministro

O Governo “não quer ofender os direitos dos trabalhadores com possíveis alterações na lei da greve”, começou por se defender. E depois atirou: “Queremos conciliar os direitos dos trabalhadores com os direitos dos ouros trabalhadores a trabalhar, de forma a não colocar um prejuízo desproporcionado a todos os outros face àquilo que alguns decidem”, defendeu.

Luís Montenegro criticou depois a decisão dos trabalhadores do Metro de Lisboa em marcar, “num dia de festa, um plenário à noite até às 6h”. Na noite de Santo António, dia 12 de junho, o metropolitano teve de encerrar às 20h e só abriu na manhã do dia seguinte. Perante esta desproporcionalidade, “o poder político tem de assumir as suas responsabilidades”. “As normas e leis têm de ser alteradas quando funcionam mal”, reforçou.

Perda de nacionalidade para criminosos graves

Sobre as alterações à lei da nacionalidade, Luís Montenegro adiantou que o Governo vai avançar com “o alargamento do prazo para que seja efetuado o pedido de nacionalidade, para haja um reforço da ligação efetiva dos candidatos que têm de mostrar do ponto de vista da nossa cultura, hábitos cívicos e sociais e daquilo é a demonstração da sua plena integração”.

Mas, para além disso, a proposta de lei que será em breve aprovada em Conselho de Ministros também prevê “situações em que pode haver perda da nacionalidade em função de comportamento muito graves, nomeadamente de natureza criminal“. “Nas próximas semanas, tomaremos essa decisão e será enviada à Assembleia da República”.

Para além disso, o primeiro-ministro esclareceu que o Governo quer “julgamentos mais rápidos para a criminalidade mais grave”. “Propomos que haja julgamentos mais rápidos para a criminalidade mais grave desde que tenha ocorrido a sua detenção em flagrante delito”, esclareceu. Para Montenegro, “é preciso” que os criminosos “percebam que há repressão”.

Ainda na política migratória, o Governo vai avançar com “uma proposta da lei da nacionalidade e limitação ao reagrupamento familiar e voltará a propor a criação de uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP”. O objetivo, esclarece, “é apertar mais as regras, mas não é suspender a possibilidade de haver reagrupamento familiar”.

“Termos famílias bem integradas é bom para a economia, o que é mau é termos imigrantes ilegais, falta de regras, incapacidade de fazer cumprir as regras. Por isso, vamos apresentar alterações a lei da nacionalidade”, reforçou Luís Montenegro. E lançou um desafio ao partido de André Ventura para aprovar a proposta do Governo de criação de uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras: “Vamos dar uma segunda oportunidade ao Chega”.

Governo vai fiscalizar “abusos” nos apoios sociais

Em resposta à oposição, designadamente ao Chega, Luís Montenegro reiterou que o “programa é claro sobre a necessidade de rever a atribuição e fiscalização das prestações sociais, nomeadamente o rendimento social de inserção (RSI)”. “Sabemos que há abusos e há dificuldades práticas no terreno em combater esses abusos e vamos ter de intervir nesse domínio“, afirmou.

E mostrou abertura para acolher a proposta do partido de André Ventura de colocar os beneficiários a contribuir para a sociedade: “Há a possibilidade de haver uma solidariedade recíproca de quem recebe para quem dá e estamos disponíveis para isso”.

Sabemos que há abusos e há dificuldades práticas no terreno em combater esses abusos e vamos ter de intervir nesse domínio.

Luís Montenegro

Primeiro-ministro

Na área da defesa, Luís Montenegro reiterou que “Portugal propõe-se a respeitar já em 2025 a meta de 2% do produto em investimento em defesa”.

“Num quadro europeu e internacional marcado pela instabilidade e incerteza, Portugal, na margem que depende de si próprio, vai preservar a estabilidade e agir com visão, propósito e consequência. É para isso que apresentamos este programa. Sentimos o ímpeto de superação e uma vontade incessante de cuidar melhor da nossa gente”, remata.

Além disso, o Executivo vai integrar “mais 1.500 elementos da GNR e PSP, correspondendo a 60% a guardas da GNR e agentes da PSP e 30% a oficiais, sargentos e chefe”. Será ainda aberta formação para mais 600 guardas e 800 agentes, acrescentou.

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