Processo entre estafetas e Uber arrisca voltar à estaca zero com dúvidas do Supremo
Supremo Tribunal de Justiça considera que é preciso esclarecer, por exemplo, se os estafetas têm outras profissões com horário de trabalho e se fazem entregas só aos fins de semana e à noite.
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) anulou um acórdão do Tribunal da Relação por ter dúvidas sobre a classificação de vários estafetas que fazem entregas para a Uber Eats.
O Ministério Público pretendia que estes fossem reconhecidos como trabalhadores da plataforma, mas o Supremo entendeu que, antes de mais, é preciso determinar, por exemplo, se os estafetas só fazem entregas em part-time, e se fazem entregas em simultâneo para outras plataformas.
A história começa na primavera do ano passado. O Ministério Público avançou com ações para que fossem reconhecidos contratos de trabalho entre 26 estafetas e a Uber Eats, mas o tribunal de primeira instância rejeitou a existência desse vínculo.
O Ministério Público decidiu, então, recorrer, mas também o Tribunal da Relação (já em janeiro deste ano) entendeu não estarem em causa trabalhadores dependentes, confirmando, assim, o que já tinha ficado decidido na primeira instância.
“Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de revista”, na expectativa de que o Tribunal Supremo de Justiça reconhecesse, por fim, a existência de um contrato de trabalho.
A decisão chegou este mês, com o Supremo a anular o acórdão da Relação e a assinalar que, primeiro, é preciso recolher mais informação sobre o modo como estes estafetas se relacionam com a plataforma.
Ou seja, com dúvidas sobre a relação entre estes estafetas e a Uber Eats, o Supremo decidiu “devolver” os processos à segunda instância, e abre mesmo a porta a que esta possa eventualmente devolver, por sua vez, estes casos à primeira instância, o que significaria um regresso à estaca zero.
Em concreto, o Tribunal Supremo de Justiça entende que é preciso esclarecer se os estafetas têm outras profissões com horário de trabalho completo e fazem entregas à noite e aos fins de semana em part-time ou se fazem entregas todos os dias da semana;
Diz também ser pertinente saber se os estafetas fazem entregas para a Uber Eats em simultâneo com outras plataformas que também se dedicam às entregas de refeições nas mesmas áreas geográficas (como a Bolt e Glovo); e se, não fazendo, isso resulta de opção dos próprios ou de uma regra da Uber Eats.
O Supremo frisa também que é de apurar se os estafetas em causa podem ter “a sua própria clientela e atendê-la com liberdade e sem necessidade de comunicar isso” à plataforma em questão, e que montante receberam mensalmente durante os períodos em que estiveram vinculados à Uber Eats, com conta ativa.
“Após o apuramento da mencionada factualidade, e de eventual outra que seja tida por relevante, deverá ser proferida (pelo Tribunal da Relação ou pela primeira instância, conforme seja o caso) nova decisão“, lê-se no acórdão.
Supremo já reconheceu contrato, mas na Glovo
No final de maio, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu reconhecer um contrato de trabalho entre um estafeta e a Glovo, visto que, numa fase anterior desse processo, já tinham sido identificados cinco dos seis elementos que “indiciam uma relação de trabalho”.
“Depois de analisar os factos, o STJ entendeu que a Glovo não logrou provar o contrário e, por isso, reconheceu a existência de uma relação de trabalho entre a empresa e o estafeta em questão“, realçou, na altura, o Supremo.
Desde 1 de maio de 2023 que o Código do Trabalho contém um mecanismo que permite aos estafetas serem considerados trabalhadores dependentes das plataformas digitais, desde que haja indícios de subordinação, como a organização do tempo de trabalho e a fixação das retribuições.
É essa lei que serve de base a todas estas decisões. De acordo com o relatório enviado ao Parlamento, até ao final de 2024 já eram conhecidas 16 decisões de tribunais de primeira instância que reconheceram contratos de trabalho com 31 estafetas, mas também 53 decisões que foram no sentido oposto (relativamente a 66 estafetas).
E mesmo nos tribunais de segunda instância, não há concordância. Até ao final de 2024, de um lado, estavam 12 decisões que reconheceram um contrato de trabalho a 12 estafetas. Do outro, três decisões que o rejeitaram relativamente a 33 estafetas.
Sem consenso nos tribunais, estas regras podem vir a mudar, tendo o Governo já deixado a intenção de as revisitar no seu programa.
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