Portugal violou direito de acesso à informação no caso da mina de lítio do Barroso, acusa comité da Convenção de Aarhus

  • Lusa e Capital Verde
  • 3 Setembro 2025

Instituições portuguesas retiveram de "maneira deliberada e infundada" informação no processo de avaliação ambiental da mina do Barroso, afirma o comité da Convenção de Aarhus.

O comité da Convenção de Aarhus, à qual Portugal aderiu em 2003, concluiu que três instituições portuguesas retiveram de “maneira deliberada e infundada” informação durante a participação pública no processo de avaliação ambiental da mina do Barroso, em Boticas, após queixa apresentada em 2021. Uma destas instituições é a Agência Portuguesa do Ambiente que, na sequência, afirma discordar da interpretação do comité, e defende que respeitou todos os procedimentos.

A queixa foi apresentada em 2021 pela Fundação Montescola, uma organização não-governamental (ONG) espanhola, e a conclusão do Comité da Convenção Aarhus foi divulgada esta quarta-feira, em comunicado. A Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB) e a MiningWatch Portugal foram observadoras no processo.

As três ONG consideram que o Comité “vem corroborar que o processo de avaliação de impacte ambiental não garantiu o direito à participação pública” e defendem a anulação da Declaração de Impacte Ambiental (DIA).

A mina de lítio a céu aberto obteve uma DIA condicionada em 2023 e a Savannah prevê iniciar a produção de lítio em 2027, no concelho de Boticas, no distrito de Vila Real. A queixa remonta ao período da consulta pública da primeira versão do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) após terem sido negados vários pedidos de acesso a documentos ligados ao procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA).

O Comité da Convenção de Aarhus concluiu que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional Norte (CCDR-N) retiveram “de maneira deliberada e infundada informação”.

Entre outros, o comité considerou que a APA não respondeu ao pedido de informação ambiental no prazo estabelecido pela Convenção, que a APA e a CCDR-N retiveram informação ambiental alegando um critério de recusa infundado e que a DGEG incumpriu a Convenção ao remeter o pedido para outra entidade quando se encontrava na posse da informação solicitada.

Aponta ainda que a APA não garantiu um período razoável para a participação pública no âmbito do EIA reformulado (2023) e considera que a legislação portuguesa incumpre vários artigos da Convenção, como, por exemplo, manter um período de consulta de 10 dias úteis no caso do EIA reformulado que incumpre o artigo 6.º da Convenção, recomendando alterações que permitam um alinhamento com o tratado subscrito pelo Estado português.

Em reação, a APA afirma que “não está em causa o cumprimento do procedimento de AIA e muito menos da Consulta Pública, mas tão só uma interpretação divergente do Comité de Cumprimento da Convenção” em relação à aplicação de um artigo da Convenção (ponto 3 do artigo 4.º da Convenção de Aarhus) e da lei portuguesa (artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto). Acrescenta ainda que neste momento, já toda a informação foi disponibilizada ao requerente.

A Convenção da Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas (CEE/ONU) sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente – conhecida habitualmente como Convenção de Aarhus – foi adotada em 25 de junho de 1998, na cidade dinamarquesa de Aarhus.

Em Portugal, a Convenção entrou em vigor em setembro de 2003. “Esta deliberação é muito importante porque acaba com a ideia que as críticas que temos feito à condução do processo de avaliação são infundadas. A violação do direito ao acesso à informação e à participação pública é um motivo mais do que suficiente para anular a DIA e para começar o processo de avaliação do zero”, afirma, citada no comunicado, Carla Gomes, da UDCB.

Para Nik Völker, da MiningWatch Portugal, “as conclusões do Comité da Convenção têm consequências para além do projeto de lítio no Barroso”, questionando que garantias “oferecem aos territórios onde decorrem ou poderão vir a decorrer novos processos de avaliação ambiental”.

“Estas entidades saem descredibilizadas por via das suas ações e isto é mau para todos. Algo tem de mudar, e a anulação da DIA seria um sinal forte nessa direção”, salienta.

Em nome da Montescola, Joam Evans congratulou-se com a decisão e afirmou que esta ONG “trabalhará com a UDCB e a MiningWatch para garantir a proteção do Património Agrícola Mundial do Barroso”, esperando que a “deliberação não seja atirada para debaixo do tapete”. “Queremos ações concretas por parte do Estado Português (…) A DIA tem de ser anulada e não descansaremos até o conseguirmos”, frisa. A Junta de Freguesia de Covas do Barroso iniciou em 2023 uma ação legal para anular a DIA.

(Notícia atualizada às 13h08 com a reação da APA)

 

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