Vinho português corta margens para sobreviver a tarifas de Trump

Exportação de vinho para EUA afunda 8,6% nos primeiros sete meses do ano, pressionada pela redução de preço que produtores tiveram de aplicar. Após avanços e recuos, taxa subiu para 15% em setembro.

As empresas portuguesas de vinho já perderam 5,2 milhões de euros de exportações para os EUA desde o início do ano, de acordo com os dados fornecidos ao ECO pela ViniPortugal. Um período que coincidiu com o início do segundo mandato de Donald Trump na Casa Branca e que ficou marcado pelas ameaças e depois pela imposição efetiva de tarifas adicionais que abrangem este setor.

Entre janeiro e julho, o valor das vendas de vinho para o mercado americano encolheu 8,6% face ao mesmo período do ano anterior, para 55,58 milhões de euros. Apesar desta quebra de uma magnitude sem paralelo nos dez principais destinos, mantém-se como o segundo mais relevante para o vinho nacional, apenas atrás da França.

Foi a 13 de março que Donald Trump ameaçou impor uma taxa de 200% sobre vinhos, champanhes e outras bebidas alcoólicas da União Europeia, até que fosse eliminada a taxa aplicada ao uísque norte-americano. Após as primeiras negociações, o republicano acabou por aplicar a 5 de abril uma tarifa de 10% sobre vários produtos europeus, incluindo vinhos.

Mais tarde, na sequência de novas conversações com Bruxelas, foi acertada uma tarifa de 15% para aplicar no início de agosto, que inicialmente não incluía o vinho. No entanto, a 21 de agosto houve um novo volte-face e o sucessor de Joe Biden decidiu mesmo integrá-lo também neste regime, que vigora desde 1 de setembro.

Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, aponta ao ECO que “toda esta incerteza levou muitos importadores a suspender encomendas, originando a quebra das exportações”. Por outro lado, nos primeiros sete meses deste ano, a queda em volume foi de ‘apenas’ 2,9% (vs. 8,6% em valor), o que reflete as “reduções de preço que os produtores tiveram de aplicar durante a vigência da tarifa de 10%”. Ou seja, os produtores estão a “comer” a sua margem para não cair tanto em volume.

Se a tarifa de 15% se mantiver, é previsível que 2025 encerre com uma quebra cujo valor é ainda difícil de estimar. As reações dos importadores norte-americanos sugerem, contudo, que poderão absorver parte do aumento de preço, mitigando o impacto no consumidor final.

Frederico Falcão

Presidente da ViniPortugal

Ao ambiente de imprevisibilidade que se viveu este ano e travou negócios, Ana Isabel Alves, diretora-geral da Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal (ACIBEV), soma outros dois fatores que trazem “algum medo e apreensão” aos operadores: a desvalorização do dólar e a redução do próprio consumo por parte dos americanos.

“Os importadores não quiseram [nos últimos meses] arriscar porque entre o vinho sair de Portugal e chegar aos EUA são, em média, três semanas. Em cima disso, o dólar desvalorizou 15%. Há ainda outro fator, que não tem sido muito falado, mas está documentado: houve uma diminuição do consumo do vinho nos Estados Unidos na ordem dos 6%”, frisa.

Tal como o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) também a organização interprofissional para a promoção deste produto no estrangeiro ainda mantém a esperança de que a Comissão Europeia consiga convencer Washington a incluí-lo na lista de isenções — tal como conseguiu para artigos como a cortiça, os medicamentos genéricos ou as peças de aviões.

Mas mantendo-se em vigor esta tarifa de 15%, Frederico Falcão aponta como “previsível que 2025 encerre com uma quebra cujo valor é ainda difícil de estimar”. No entanto, sublinha que “as reações dos importadores norte-americanos sugerem que poderão absorver parte do aumento de preço, mitigando o impacto no consumidor final”.

“Se este cenário se confirmar, a redução poderá ser menos acentuada do que inicialmente antecipado. Ainda assim, sendo os EUA o segundo maior destino das exportações de vinho português, qualquer quebra neste mercado tem sempre forte repercussão no desempenho global do setor”, acrescenta o responsável.

E é isso que evidenciam os números do vinho até julho – à imagem da análise global publicada pelo INE, ainda relativa apenas ao primeiro semestre, a mostrar as exportações de bens para os EUA a baixarem 8,1%. Neste setor, a subida em oito dos dez maiores mercados só compensou parcialmente as perdas nos EUA e no Brasil, que fecha o pódio para o vinho português no estrangeiro. Neste caso, porém, mantém a “expectativa” de encerrar o ano a crescer.

Os 544,65 milhões de euros em vinho de Portugal enviados para o estrangeiro nos primeiros sete meses deste ano ficaram 0,5% abaixo do registo homólogo. Até se compraram mais litros (+2,7%), mas a um valor médio inferior. Caiu de 2,73 para 2,65 euros no espaço de um ano (-3,16%), com a “forte redução do preço médio nos EUA a contribuir decisivamente para a descida do preço médio global das exportações portuguesas de vinho”, enquadra Falcão.

Até 2030, a meta fixada pela ViniPortugal passa por alcançar 1,2 mil milhões de euros em exportações e aumentar o preço médio para 3.19 euros por litro. O líder da organização diz ao ECO que mantém esses objetivos, embora “naturalmente [esteja] a rever e a ajustar a estratégia de promoção para dar resposta aos novos desafios e circunstâncias de mercado”.

Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal

Outro fator de pressão chega da Rússia, que reduziu o montante de vinho comprado a Portugal em 36,2% entre janeiro e julho, para quase 18 milhões de euros. Contudo, Frederico Falcão reconhece que “o peso das exportações indiretas e a ausência de dados oficiais de importação de vinho desde 2022 (…) dificulta a quantificação exata do vinho português que chega ao país, direta ou indiretamente”.

Em sentido contrário, o maior aumento de vendas em termos percentuais (36,3%) aconteceu em Angola, que é historicamente o maior mercado em volume, embora tenha sofrido uma quebra em 2024. “Em 2025 estamos a assistir a uma recuperação para valores mais próximos do padrão habitual, impulsionada pela melhoria da situação económica do país e pelo desinvestimento de outros concorrentes na promoção em Angola, o que acabou por beneficiar os produtores portugueses”, contextualiza o líder da ViniPortugal.

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