Mota-Engil ataca grandes projetos e cimenta contratos cada vez mais complexos (e valiosos)

Construtora, que ganhou a construção do túnel imerso que ligará Santos e Guarujá, no Brasil, tem fechado contratos com maior complexidade e valores mais elevados. Uma estratégia cimentada em know-how.

O primeiro túnel imerso do Brasil e o maior da América Latina, o primeiro troço da linha de Alta Velocidade em Portugal, a manutenção e a construção de uma nova mina de ouro na Etiópia, ou um porto de águas profundas no Congo. Em comum têm o facto de ser grandes projetos de engenharia e estarem todos a ser desenvolvidos pela Mota-Engil, numa lista mais extensa que soma obras de centenas de milhões, e que resulta de uma estratégia focada em projetos cada vez mais complexos e valiosos, que está a engordar a carteira de encomendas da construtora da família Mota que, em 2026, comemora o seu 80.º aniversário.

Apenas nos últimos 12 meses, a construtora controlada pela família Mota, que detém mais de 42% do capital, emitiu 10 comunicados a informar o mercado sobre a adjudicação de novos contratos, todos acima de 100 milhões de euros, somando mais de 4,5 mil milhões de euros em carteira. A obra com o valor mais baixo diz respeito a um projeto residencial em Lisboa, no valor de 108 milhões de euros, que deverá ser executado em 29 meses. Já um contrato nas minas, em África, valeu 1,4 mil milhões à empresa portuguesa, no passado mês de novembro. Em causa estão seis contratos com a empresa de mineração de ouro Allied Gold Corporation, para a “operação de todos os seus ativos em produção (Mali e Costa do Marfim) e uma adjudicação” de uma nova mina na Etiópia.

Quanto ao recente anúncio de que a construtora bateu a espanhola Acciona e ganhou a construção do túnel que ligará as cidades de Santos e Guarujá, no litoral de São Paulo, naquele que será o primeiro túnel imerso do Brasil e o maior da América Latina, sabe-se que vai implicar um investimento estimado de quase 1,1 mil milhões de euros, mas não foi reportado o montante que a obra vai acrescer à carteira de encomendas da empresa.

Em Portugal, a adjudicação da concessão do 1.º troço da Alta Velocidade, entre Porto e Oiã, ao consórcio português liderado pela Mota-Engil rendeu 800 milhões à carteira de encomendas da empresa. Na Arménia foram mais 600 milhões, na área da mineração, outros dois contratos de prestação de serviços de manutenção de plataformas petrolíferas offshore à brasileira Petrobras, a extensão do contrato de prestação de serviços de recolha de resíduos urbanos em Omã, ou a construção de um porto de águas profundas no Congo, grandes projetos contratados nos últimos meses, que valiam 14,7 mil milhões de euros no final de junho, com a empresa a destacar “o volume de novas adjudicações alcançado no semestre de cerca de 1,7 mil milhões de euros, maioritariamente oriundas de projetos de grande dimensão”.

Contabilizando os 560 milhões de euros ganhos com três contratos em Portugal, México e Ruanda, fechados já após o primeiro semestre, a “adjudicação destes novos contratos reforça a carteira de encomendas do Grupo, que se encontra em níveis recorde desde 2024“, adiantou a empresa na apresentação de resultados semestrais, na qual divulgou um aumento dos lucros de 20% para 59 milhões de euros.

Este é um ciclo virtuoso em que a experiência adquirida no passado é depois potenciada nas obras futuras e a Mota-Engil tem conseguido, nos últimos anos, capitalizar em seu proveito este ciclo virtuoso”, destaca Pedro Barata, gestor de ações nacionais da GNB. Para o responsável, “a complexidade dos concursos a que [a empresa] se candidata é cada vez maior e de maior valor e esse facto faz com a concorrência vá diminuindo (fruto da complexidade) e as margens aumentando (em resultado da dimensão crescente das empreitadas)”.

Este é um ciclo virtuoso em que a experiência adquirida no passado é depois potenciada nas obras futuras e a Mota-Engil tem conseguido, nos últimos anos, capitalizar em seu proveito este ciclo virtuoso. A complexidade dos concursos a que [a empresa] se candidata é cada vez maior e de maior valor e esse facto faz com a concorrência vá diminuindo (fruto da complexidade) e as margens aumentando (em resultado da dimensão crescente das empreitadas).

Pedro Barata

Gestor da GNB

“O negócio da construção civil e gestão de infraestruturas é um negócio em que o know-how obtido na realização de obras passadas, conjugado com a solidez financeira, são essenciais para uma evolução favorável”, acrescenta, notando que o crescimento da Mota-Engil “tem sido notório” ao longo dos anos. “É uma empresa que tem vindo a crescer de uma forma sustentada ao longo dos últimos anos e cujas perspetivas futuras são aparentemente boas”, remata Pedro Barata.

Pedro Lino, CEO da Optimize, também mantém uma visão positiva para a empresa. “A Mota Engil é um dos top picks do Fundo da Optimize, Portugal Golden Opportunities, focado em empresas portuguesas. Vemos uma oportunidade de investimento a longo prazo pois a empresa apresenta um portefólio de investimentos muito diversificado e tem, na nossa opinião, um potencial muito elevado por explorar nos próximos anos”, explica.

Quando à carteira de obras de grande dimensão que têm vindo a ser fechadas pelo grupo, Pedro Lino lembra que a Mota-Engil “é uma das poucas empresas de grande dimensão que pode concorrer às grandes obras da próxima década, pois tem acesso a condições de financiamento e capacidade de entrega, que vai ser um fator distintivo na decisão das obras a serem lançadas”.

A Mota-Engil é uma das poucas empresas de grande dimensão que pode concorrer às grandes obras da próxima década, pois tem acesso a condições de financiamento e capacidade de entrega, que vai ser um fator distintivo na decisão das obras a serem lançadas.

Pedro Lino

CEO da Optimize

“A estratégia da Mota-Engil de se posicionar em grandes projetos faz sentido numa lógica de diferenciação e escala. São contratos que permitem maximizar os recursos técnicos e humanos da empresa, garantem maior estabilidade ao longo de vários anos e reforçam a notoriedade internacional”, concorda Nuno Melo, analista da XTB. O especialista refere ainda que “esta abordagem cria também barreiras à entrada de concorrentes mais pequenos, pois exige capacidade financeira e experiência comprovada”.

Para Pedro Oliveira, trader da sala de mercados do Banco Carregosa, “a Mota-Engil demonstra sinais positivos com a sua robusta carteira de encomendas e resultados financeiros sólidos” e “as oportunidades de investimento são por isso interessantes a médio longo prazo”, números que confirmam que a empresa está a adotar uma estratégia de crescimento certeira.

Parceria chinesa dá impulso

A sociedade da família Mota abdicou, em 2021, de parte do capital na empresa para permitir a entrada dos chineses da China Communications Construction Company (CCCC), na sequência de um acordo firmado em 2020 para a Mota Gestão e Participações (MGP), a holding familiar, vender 23% das ações à gigante e realizar um aumento de capital, permitindo aos chineses ficar a controlar mais de 30%. Uma parceria estratégica que tinha como finalidade dar mais músculo à empresa portuguesa.

Conforme referia o prospeto do aumento de capital para permitir a entrada da CCCC no capital, que ficou com 32,41% do capital, a empresa realçava que apesar de ainda estar a trabalhar na “identificação de oportunidades de negócio adequadas, pela combinação de recursos e esforços com a CCCC”, acreditava que poderia “haver potencial, se as circunstâncias o permitirem, para atingir um montante de mais de 250 milhões de euros por ano em projetos de construção e infraestruturas” desde logo. “Em cinco anos esse montante pode potencialmente aumentar para mais de mil milhões de euros por ano”, referia o mesmo documento.

Carlos Mota Santos, CEO da Mota-Engil, durante a cerimónia de assinatura do contrato de concessão da linha ferroviária de Alta Velocidade entre Porto e OiãHugo Amaral/ECO 29 julho, 2025

O líder da empresa, Carlos Mota dos Santos, defende que tem de existir uma maior consolidação do setor e uma estratégia de internacionalização ordenada, para que as empresas portuguesas tenham capacidade para competir no exterior. “É importante ganhar dimensão no setor. As empresas têm de aproveitar esta onda de investimento público para duas coisas: terem um balanço mais saudável e serem capazes de enfrentar o desafio da Internacionalização; para ganhar escala devia haver movimentos de fusão no setor“, defendeu o CEO da maior construtora portuguesa, a falar numa conferência realizada no passado mês de fereveiro.

Mais recentemente, por ocasião da assinatura do contrato de concessão da linha ferroviária entre Porto (Campanhã) e Oiã, Carlos Mota dos Santos, assegurou que as empresas nacionais vão continuar a apresentar “soluções de engenharia portuguesa para dar continuidade” à construção da Alta Velocidade em Portugal.

Se a engenharia portuguesa é reconhecida como sendo de excelência lá fora e até com mais quilómetros de ferrovia realizados nos últimos anos do que os seus concorrentes europeus, porque não colocar esse know-how, essa experiência, ao serviço de Portugal?

Carlos Mota Santos

CEO da Mota-Engil

“Conscientes do marco que hoje aqui assinalamos ao celebrar o primeiro contrato de autorização em Portugal, não posso deixar de afirmar que estaremos fortemente empenhados para que o contributo das empresas portuguesas não termine em Oiã“, destacou o porta-voz do consórcio LusoLAV, que é constituído por seis empresas portuguesas.

Se a engenharia portuguesa é reconhecida como sendo de excelência lá fora e até com mais quilómetros de ferrovia realizados nos últimos anos do que os seus concorrentes europeus, porque não colocar esse know-how, essa experiência, ao serviço de Portugal?“, questionou o gestor nortenho.

Além da Alta Velocidade, a empresa está ainda envolvida nas obras do atual aeroporto de Lisboa, depois de a ANA – Aeroportos de Portugal ter selecionado o consórcio composto pela Mota-Engil, Vinci, Alves Ribeiro e HCI Construções para as obras de alargamento do Humberto Delgado.

António Mota passa testemunho aos filhos

8ª edição da conferência anual do ECO "Fábrica 2030"

A entrar no ano que cumpre oito décadas de existência, a Mota está a atravessar uma transição geracional, com o histórico empresário António Mota a sair da administração da construtora e da holding familiar, à qual são imputáveis 40,32% do capital social da construtora.

António Mota decidiu transferir para os quatro filhos 28% do capital da Mota Gestão e Participações, SGPS (MGP), a dona da construtora fundada pela família Mota. Cedeu ainda o seu lugar na administração da sociedade familiar ao filho Manuel Mota, que já tinha ocupado o lugar do pai no board da construtora.

“O Sr. Eng. António Manuel Queirós Vasconcelos da Mota procedeu à doação (fora de bolsa), aos seus filhos elencados abaixo, de 1.789.780 ações da MGP (447.445 ações a cada um), representativas de 28% do seu capital social“, refere um comunicado enviado esta quinta-feira à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

António Mota, que assumiu a presidência da Mota-Engil entre 1995 e janeiro de 2023, altura em que entregou a liderança executiva ao sobrinho Carlos Mota Santos, afasta-se agora da gestão da empresa da família, onde iniciou a sua carreira em 1976 como estagiário na Mota & Companhia, exercendo atividade em diversas direções operacionais da empresa.

Ação brilha, mas “shorts” não largam

O bom desempenho operacional tem-se refletido no comportamento das ações da Mota-Engil, que acumulam uma valorização de cerca de 83% desde o início do ano. Mesmo assim, a empresa continua a ser um dos alvos preferidos dos especuladores na praça portuguesa.

O britânico Marshall Wace adquiriu uma posição curta no capital da construtora e reforçou no dia 8 deste mês a aposta negativa nas ações, após uma escalada superior a 9% dos títulos, numa reação ao novo contrato no Brasil.

Segundo a informação divulgada no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o histórico fundo, conhecido por assumir apostas contrárias em várias cotadas da bolsa portuguesa ao longo dos anos, comunicou uma posição curta no capital da empresa liderada por Carlos Mota dos Santos de 0,51% no dia 22 de agosto, uma aposta negativa que reviu ligeiramente em alta, para 0,6%, no dia 8 de setembro.

O hedge fund criado por Paul Marshall e Ian Wace, em 1997, não é o único a assumir participações a descoberto, que ganham com a descida das ações, na Mota-Engil. A construtora tem sido uma das empresas mais visadas por estes movimentos especulativos. A Muddy Waters assumiu, em setembro de 2024, uma posição curta e mantém uma aposta negativa, com uma participação a descoberto de 0,57% do capital.

Ações disparam perto de 83% em 2025

“A Mota-Engil tem sido alvo de algumas estratégias de investimento que investem no sentido da desvalorização dos títulos, mas a nosso ver até traz mais liquidez ao título, e se a administração continuar a entregar resultados os investidores acabam por comprar os títulos“, explica Pedro Lino.

Já o analista da XTB destaca que “a ação da Mota-Engil caracteriza-se por uma volatilidade acima da média, e isso justifica que continue a ser alvo de operações curtas e especulativas”. “A forte exposição a mercados internacionais, o peso da dívida na estrutura financeira e a dependência de adjudicações públicas tornam a cotação muito sensível a notícias e rumores”, acrescenta Nuno Melo, notando que “pequenos eventos externos podem provocar grandes oscilações, o que atrai investidores que procuram ganhos rápidos através de posições vendedoras“.

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