Exclusivo O que estão as tecnológicas portuguesas a fazer, numa Europa à Defesa?

Empresas nacionais estão a desenvolver tecnologia e drones para dar músculo defensivo à Europa. Com os orçamentos de Defesa a serem reforçados, o momento é uma “janela crítica” para a indústria.

A guerra na Ucrânia e a mudança de prioridades dos Estados Unidos da América colocou o tema da defesa no topo da lista de preocupações da Europa, com Bruxelas a avançar com fundos para dar maior músculo defensivo ao Velho Continente — só em maio anunciou um pacote de 150 mil milhões, para conceder empréstimos aos 27 Estados-membros interessados na compra conjunta de equipamentos militares, através do Security Assistance for Europe (SAFE) — ao mesmo tempo que a NATO exige aos países membros mais investimento. “É um momento decisivo para que países como Portugal apostem na criação de valor dentro das suas fronteiras. Isso passa por potenciar um ecossistema industrial forte, com empresas capazes de inovar com rapidez, operar em escala, adaptar-se em pouco tempo e entregar capacidades reais no terreno”, diz Ricardo Mendes, CEO da Tekever. “Portugal não pode ficar de fora desta redefinição do modelo de defesa europeu. Há uma janela de oportunidade para criarmos capacidades próprias, exportáveis, e tornarmo-nos referência em áreas estratégicas como inteligência artificial, robótica e sistemas não tripulados”, reforça.

O mais recente unicórnio a voar com cores nacionais, a Tekever, já tem drones na frente de combate ucraniana, através de um contrato com as Forças Armadas britânicas, e tem anunciado vários pacotes de investimento no Reino Unido — onde comprou o Aeroporto de West Wales para testar os drones — e França (Cahors) para reforçar a sua capacidade de produção. Só nestes dois países prevê investir mais de 500 milhões de euros, em cinco anos. “Estamos a expandir fortemente a nossa presença industrial na Europa e a aprofundar colaborações com aliados europeus e transatlânticos. A nossa prioridade estratégica continua a ser o apoio da Europa na criação de uma base industrial de defesa ágil, resiliente e soberana”, garante o CEO. Mas também em Portugal, a maior base da empresa, onde nos próximos três anos estimam comprar à indústria portuguesa cerca de 100 milhões de euros e acabam de abrir um hub em Leiria.

“Armas para não as ter de usar”

O negócio todo relacionado com defesa está claramente a aumentar e cabe às empresas tirar partido, posicionando-se de diversas maneiras”, diz João Brito. “Uma das razões deste investimento é a necessidade de termos capacidade de nos defender. É ter armas para não termos que as usar”, considera o division director of smart & reliable systems da Critical Software. Há muito que a tecnológica nacional trabalha em projetos com as Forças Armadas portuguesas — desde 2003 que, com a Marinha, desenvolveu o Oversea para a monitorização e o acompanhamento das operações de busca e salvamento no mar —, a que se junta o “fornecimento de serviços para clientes fora de Portugal, grandes fabricantes de equipamentos para a Defesa”.

É nessa área de negócio que se inclui o trabalho desenvolvido para a Diehl Defence, empresa alemã, que, “entre outras coisas, faz os sistemas antiaéreos, alguns deles enviados para a Ucrânia”, diz. “Trabalhamos com eles essencialmente nos sistemas de testes para a produção, nas ferramentas para criar ou para testar aquilo que está a ser desenvolvido”, detalha João Brito.

Foi essa colaboração com a alemã Diehl Defence que levou a Critical a ser chamada para o consórcio Beast — financiado com 35 milhões de euros pelo Fundo Europeu de Defesa, no valor de 910 milhões de euros — para tornar o sistema de mísseis europeu mais inteligente e com capacidade de responder a ameaças emergentes, como aeronaves de 5.ª e 6.ª geração, ‘enxames’ de drones, mísseis de cruzeiro ou guerra eletrónica.

Com a Rohde & Schwarz, líder em rádios e em sistemas de comunicações, trabalhamos nalguns dos seus produtos core — comando e controlo naval, processamento de sinal, tratamento de dados de rádio —, também nesta ótica de ajudarmos a desenvolver os seus produtos. E com a Rheinmetall estamos a ajudá-los na certificação de um drone, o AV, já de dimensão média, para poder voar em zonas populadas”, descreve. Projetos que contribuem para que, na Critical, o setor de defesa represente 12% do volume de vendas, com perto de “duas centenas” de colaboradores a trabalhar nestas iniciativas.

Reforço da defesa deve ser dirigido à “criação de valor” industrial e tecnológico no país

“A guerra da Ucrânia acelerou a urgência da Europa em reforçar a sua autonomia estratégica e a resiliência das cadeias de abastecimento na área da defesa. Fundos como o European Defence Fund (EDF) e o novo programa Readiness 2030 representam uma oportunidade concreta para consolidar a base industrial europeia — e Portugal tem condições para se posicionar de forma relevante”, considera José Neves, presidente do AED Cluster, que agrega mais de 150 entidades — empresas, centros de I&D e universidades — do setor de defesa, aeronáutica e espaço (cerca de 75% das empresas atuam, simultaneamente, em mais do que um destes domínios).

Em conjunto, as empresas do AED Cluster geram cerca de 2,1 mil milhões de euros de receitas anuais, mas José Neves vê o atual momento de reforço dos orçamentos de defesa nacionais e europeus como uma oportunidade para o setor. Mas deixa alguns alertas à navegação. “O aumento sustentado do orçamento de defesa — com a meta de atingir os 2% do PIB até ao final do ano — representa uma oportunidade concreta para consolidar a indústria nacional. No entanto, mais importante do que atingir a meta é garantir que esse esforço financeiro gera retorno estratégico e económico para o país”, aponta. “

Cumprir os critérios da NATO, como o mínimo de 20% de investimento em equipamento, não chega se esse valor for executado totalmente no estrangeiro. É necessário um mecanismo claro de cooperação industrial que envolva o ecossistema aeroespacial e de defesa local, valorizando competências nacionais e estimulando o crescimento de fornecedores estratégicos”, refere. “Esta é uma janela crítica para estruturar uma verdadeira economia de defesa em Portugal — com mais emprego qualificado, maior autonomia tecnológica e maior capacidade de gerar exportações. Para isso, é essencial que o investimento em defesa seja orientado não apenas para a aquisição, mas para a criação de valor industrial e tecnológico em território nacional”, conclui.

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