Centeno quer expulsar “a má moeda” do Banco de Portugal

Na hora da despedida, Centeno faz uma carta no limite da hagiografia, com dezenas de referências ao que fez ou mandou fazer. E não poupa os que considera "a má moeda" que tem de ser expulsa.

Mário Centeno deixa hoje oficialmente a função de governador do Banco de Portugal, e sai como entrou, em confronto. Entrou em confronto com o seu antecessor, Carlos Costa, sai em confronto com aqueles que recusaram aprovar a sua promoção a diretor antes de passar a consultor e deixar essa decisão para uma reunião de conselho já presidida por Álvaro Santos Pereira, que toma hoje posse. E na carta de despedida faz lembrar um economista do Banco de Portugal que chegou a Presidente da República. “O desafio que a boa moeda expulse a má moeda“.

Mário Centeno era diretor-adjunto do Banco de Portugal quando foi convidado para o Governo de António Costa, regressou como governador e, no que seria o último Conselho de Administração, como revelou o Observador, a administradora Helena Adegas, que tem o pelouro dos recursos humanos, levou uma proposta de promoção de Centeno. O ainda governador terá saído da reunião, mas a votação deu um empate a três: A vice-governadora Clara Raposo e os administradores Rui Pinto e Francisca Guedes de Oliveira votaram favoravelmente a promoção, enquanto o vice-governador Luís Máximo dos Santos e os administradores Luís Morais Sarmento e Helena Adegas votaram por um adiamento da decisão para um conselho seguinte, já com Álvaro Santos Pereira. Um empate com sabor a derrota, para seguir as referências futebolísticas do (benfiquista) Mário Centeno aos colaboradores do banco. Este desfecho, conta o Observador, gerou tensão e levou mesmo ao cancelamento de um tradicional almoço de despedida.

Uma coisa é certa: Como antecipou na sua última audição parlamentar, Centeno vai ficar no Banco de Portugal como consultor. Vai ter um salário bruto da ordem dos 17 mil euros, e ao contrário do que tem sucedido com outros administradores, arranjou maneira (e gabinete) para permanecer na sede do banco, na baixa, evitando a transferência para o edifício de Almirante Reis. E há quem assinale um pormenor curioso: Ficará com um gabinete no quarto andar (o governador está no terceiro…).

A longa carta — com mais de três mil palavras — é um exercício para deixar escrito o que fez, o que liderou, ou o que mandou fazer. São dezenas de referências na primeira pessoa, com elogios às equipas pelo meio que responderam às suas exigências. “Às minhas exigências infindáveis, o DLI primeiro estranhava, mas depois entregava“, lê-se. Mas Álvaro Novo, o chefe de gabinete que promoveu em dois momentos diferentes no espaço de dois meses já no final do mandato, foi mesmo o único a merecer uma referência explícita. Pelo contrário, não se leu uma referência que fosse ao conselho de administração que o acompanhou. Tudo passou do governador para os diversos departamentos, todos eles com novas designações e/ou novas competências.

Centeno em discurso direto

  • Começo pelo óbvio. Foi um enorme privilégio, honra e prazer liderar o Banco de Portugal entre Julho de 2020 e Outubro de 2025. Mas a minha liderança não foi do óbvio. De outra forma não teria aceitado o desafio (…)
  • O sistema bancário concluiu com notório sucesso uma inversão do ciclo económico-financeiro iniciada há quase 10 anos (…)
  • A análise económica, uma das bandeiras de excelência do Banco de Portugal, melhorou (…)
  • No meu mandato percorri o país para visitar escolas. Foram milhares de estudantes do ensino básico e secundário com quem interagimos e a quem levámos um pouco de literacia financeira, económica e estatística (…)
  • Gerir é assumir riscos, até na inação. A rede que sempre procurei veio do DJU. Mas não uma rede acrítica, uma que sempre desafiei com raciocínio económico para encontrar soluções (…)
  • Os Encontros do Banco foram um enorme sucesso. Nunca tínhamos partilhado um espaço comum com mais de 1500 trabalhadores presentes. Nunca estivemos tão juntos (…)
  • O Fórum de Sintra, onde o Banco de Portugal como país anfitrião junta convidados de todo o Mundo, contou com inovações culturais, que receberam os maiores elogios. Obrigado. Mas também houve mais proximidade e confiança cá dentro com as pessoas que são a preocupação do DPE (…)
  • Ao meu Chefe de Gabinete, que rapidamente acabou com os meus discursos escritos, lidos para tédio da audiência. Uma lista de tópicos, às vezes apenas por si manuscrita, teria de ser suficiente em si para cativar (…)
  • Mas falhámos. E lamento, lamento profundamente, que alguns tenham atuado desrespeitosamente para com a história, os valores e a ética do Banco de Portugal, quando infringiram deveres de reserva que regem a nossa instituição (…)
  • Como diz o poema do Banco, que escrevi para o Encontro do Banco de 2023 e que o Carlos Tê melhorou e musicou, O Banco é filho da revolução liberal e republicana […] Mas a sua função mais soberana é servir os interesses de Portugal […] Com ética e moral, capital social. A nossa instituição tem o papel de transmitir ao país confiança

Centeno termina a carta de despedida com recados para o interior do banco, para os que, no seu entender, falharam no dever de reserva. “E lamento, lamento profundamente, que alguns tenham atuado desrespeitosamente para com a história, os valores e a ética do Banco de Portugal, quando infringiram deveres de reserva que regem a nossa instituição“. Revela, mesmo no final, que foi o autor do poema do banco para um encontro de quadros em 2023 — “e que o Carlos Tê melhorou e musicou” — que reflete sobre ética, moral e capital social. E como disse um dia Santana Lopes, Centeno promete que vai continuar por aí. “Sim, está nas vossas mãos construir um ainda melhor Banco de Portugal, que contará comigo nos próximos anos, como contou ao longo de mais de 30“.

(Notícia atualizada com informação sobre sentido de voto dos administradores do Banco de Portugal).

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