FMI alerta para riscos sistémicos no mercado cambial
Sob pressão das instituições financeiras não bancárias e de bancos dominantes, o maior mercado do mundo revela fissuras que podem desencadear um novo abalo financeiro, adverte o FMI.
Quase 10 biliões de euros mudam de mãos diariamente no mercado cambial global, transformando-o na maior e mais líquida praça financeira mundial. No entanto, o Fundo Monetário Internacional (FMI), liderado por Kristalina Georgieva, revela que esta dimensão colossal não protege o mercado de vulnerabilidades sistémicas que podem comprometer a estabilidade financeira internacional.
Num dos capítulos do mais recente “Global Financial Stability Report”, divulgado esta terça-feira, os especialistas do FMI apontam para uma realidade que exige ação imediata dos reguladores globais, deixando como nota de rodapé uma série de recomendações cruciais para se evitar uma crise de grandes dimensões.
O mercado de divisas sofreu transformações profundas nas últimas décadas que, embora tenham melhorado a eficiência e competitividade, introduziram novos desafios para a estabilidade da economia e dos mercados financeiros.
“A incerteza macrofinanceira crescente pode gerar tensões nas condições do mercado cambial ao elevar significativamente os custos de financiamento, prejudicar a liquidez e amplificar o excesso de volatilidade das taxas de câmbio”, destacam os especialistas do Fundo, sublinhando ainda que o crescente envolvimento das instituições financeiras não bancárias (NBFI) e a expansão do comércio de derivados cambiais oferecem benefícios evidentes, mas também podem aumentar a vulnerabilidade do mercado global de divisas a choques adversos.
Esta constatação ganha particular relevância num contexto de incerteza política elevada e reorientações geopolíticas que caracterizam o atual panorama económico global.

Um dos principais alertas do FMI prende-se com o comportamento das instituições financeiras não bancárias durante períodos de stress. O FMI concluiu que “as compras de dólares americanos por residentes não americanos tendem a aumentar 24 pontos percentuais após um pico acentuado na incerteza financeira”, sendo que esta procura por ativos refúgio é “especialmente forte entre as NBFI”.
Este fenómeno é particularmente preocupante porque, como refere o documento, “a atividade das NBFI, embora apoie a liquidez em tempos normais, pode aumentar a fragilidade do mercado durante episódios de stress“.
As estratégias de negociação destas instituições, frequentemente baseadas em alavancagem, arbitragem de curto prazo e negociação de alta frequência, podem amplificar as oscilações do mercado e transferir o risco de inventário para os bancos especializados em negociação cambial que atuam como intermediários centrais no mercado de divisas — conhecidos como market makers.
Concentração de dealers representa risco sistémico
O relatório do FMI identifica também como vulnerabilidade estrutural crítica a elevada concentração de market makers. “Quase metade do volume global de câmbio é intermediado por um pequeno grupo de dealers dominantes – principalmente grandes bancos regulamentados”, o que deixa o mercado exposto caso estas instituições reduzam a atividade durante períodos de stress.
Esta concentração torna-se ainda mais problemática quando combinada com outros fatores de risco. Os analistas do FMI referem, por exemplo, que durante episódios de volatilidade alargada, os bancos dealers podem enfrentar constrangimentos de balanço mais apertados devido ao aumento da procura de intermediação e à diminuição do valor dos ativos, dificultando o cumprimento dos requisitos regulamentares de alavancagem e limitando a capacidade de apoiar os mercados de swaps cambiais.
o risco de liquidação cambial, frequentemente designado por risco Herstatt, continua a ser uma preocupação material. Aproximadamente 25% do volume de negociação de moedas permanece sem mecanismos de mitigação de risco adequados.
O impacto destes choques é particularmente severo para as moedas dos mercados emergentes. “Os efeitos dos choques tendem a ser mais pronunciados para mercados emergentes e para moedas com alta participação de NBFI, redes de dealers concentradas e atividade de cobertura elevada”, referem o FMI. Esta disparidade reflete as características estruturais destes mercados, incluindo mercados menores com acesso limitado à liquidez em dólares, o que os torna mais suscetíveis a episódios de fuga para a qualidade.
Face a estes riscos sistémicos, os especialistas do FMI apresentam cinco recomendações políticas fundamentais que deverão orientar a ação dos reguladores e bancos centrais:
- Reforçar a supervisão do mercado cambial através de monitorização do risco sistémico, por via de “testes de stress e análise de cenários para capturar choques de liquidez e contágios”. Esta supervisão estruturada é essencial para avaliar melhor as vulnerabilidades do mercado cambial e o seu potencial para perturbar a estabilidade macrofinanceira.
- Colmatar lacunas críticas de dados cambiais, melhorando os relatórios e transparência, especialmente no que se refere às NBFI e exposições bilaterais fora das infraestruturas centralizadas.
- Assegurar reservas robustas de liquidez e capital, “apoiadas por salvaguardas eficazes, como acesso à liquidez do banco central com supervisão adequada, reservas internacionais suficientes e linhas de swap expandidas do banco central”.
- Fortalecer a resiliência operacional das infraestruturas do mercado financeiro e instituições financeiras através de estruturas de risco cibernético, planeamento de contingência e supervisão coordenada.
- Reduzir os riscos de liquidação e ineficiências de mercado nos mercados cambiais de balcão “encorajando a adoção de pagamento-contra-pagamento e explorando inovações digitais para desenvolver plataformas financeiras interoperáveis”.
Risco de liquidação permanece material
O relatório destaca ainda que o risco de liquidação cambial, frequentemente designado por risco Herstatt, continua a ser uma preocupação material. Segundo a investigação de Marc Glowka e de Thomas Nilsson, publicada em 2022, aproximadamente 25% do volume de negociação de moedas permanece sem mecanismos de mitigação de risco adequados.
De acordo com a análise dos especialistas do FMI, a adoção de sistemas de liquidação simultânea, como as plataformas de pagamento-contra-pagamento, demonstrou reduzir significativamente os retornos cambiais excedentários e a volatilidade, diminuindo assim a incerteza de liquidação e os prémios de risco cambial.
As conclusões do Fundo apontam para que o stress nos mercados cambiais pode expandir-se para outras classes de ativos, apertando as condições financeiras gerais e representando riscos para a estabilidade macrofinanceira. “O alargamento das bases entre moedas pode reduzir a rentabilidade das instituições financeiras que enfrentam constrangimentos de capital”, forçando-as a reduzir alavancagem e vender ativos de risco.
Este ciclo vicioso pressiona os balanços dos dealers e limita a sua capacidade de absorver risco, amplificando o risco sistémico e perturbando a intermediação financeira global. É neste sentido que, no centro das recomendações do Fundo está a ideia de que “os responsáveis políticos devem reforçar a supervisão para monitorizar riscos sistémicos decorrentes do stress do mercado cambial”.
Os analistas do FMI sublinham que a implementação destas recomendações exige uma abordagem coordenada entre reguladores, bancos centrais e participantes do mercado para garantir que o mercado cambial global possa continuar a desempenhar o papel crucial como espinha dorsal do sistema monetário e financeiro internacional, mantendo simultaneamente a estabilidade necessária para sustentar o crescimento económico global.
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