Crise à vista? Os sinais por detrás do ouro em máximos

A escalada de mais de 50% do ouro este ano para níveis acima dos 4.000 dólares levanta dúvidas sobre a estabilidade das bolsas e alimenta previsões de uma crise económica.

Num ano em que as incertezas financeiras e geopolíticas dominam a economia global, a cotação da onça do ouro disparou 50%, superando esta quarta-feira o marco dos 4.000 dólares – um patamar nunca alcançado –, que reacende tanto o fascínio pelo metal precioso como os receios face ao que este novo topo poderá revelar sobre a economia global.

Nos bastidores desta escalada está a perceção renovada do ouro como o refúgio derradeiro, à medida que surgem alguns sinais de alerta, como seja alguma pressão sobre a inflação, instabilidade geopolítica, sinais de fraca confiança monetária e inquietação face a possíveis abalos económicos globais que agitam investidores de todas as geografias . E, para lá da cotação absoluta do ouro, há dois rácios avançados, o Ouro/Petróleo e o Dow/Ouro, que aguçam o alerta e ajudam a ler a temperatura da economia global e dos mercados financeiros.

A relação entre o ouro e petróleo, medida pelo chamado Gold/Oil ratio, é um dos instrumentos preferidos dos analistas para antever tempestades financeiras. Este rácio exprime quantos barris de petróleo são necessários para comprar uma onça de ouro.

Historicamente, grandes picos deste rácio coincidiram frequentemente com choques, recessões ou eventos de stress económico. Foi o caso da Crise da Tequilla em 1994-95 (quando o México afundou e arrastou consigo vários emergentes), a crise financeira asiática em 1997-98, o colapso do subprime em 2007-08, o crash da bolsa chinesa em 2015 e o choque global induzido pela pandemia de Covid-19 em 2020.

Em cada um destes episódios, o rácio Ouro/Petróleo disparou, com o ouro a acelerar enquanto o petróleo afundava, sinalizando fuga para segurança e aversão ao risco.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.

A utilidade do rácio Ouro/Petróleo reside não apenas em quantificar a intensidade das crises, mas também em antecipá-las, oferecendo, por vezes, um sinal avançado de deterioração macroeconómica, pressão inflacionista fora de controlo ou ruturas graves em cadeias de produção energético-industriais.

Quando o rácio atinge níveis excecionalmente elevados (como sucede atualmente), sugere que a economia está perante uma conjuntura em que o ativo de refúgio por excelência (ouro) valoriza-se aceleradamente face ao ativo energético central à atividade industrial (petróleo), sinalizando expectativas generalizadas de crise económica, recessão ou choques sistémicos.

Atualmente, o rácio Ouro/Petróleo encontra-se no valor mais elevado desde a pandemia da Covid-19, sendo necessários 64,6 barris de petróleo para comprar uma onça de ouro, mais do dobro do rácio médio dos últimos cinco e dez anos.

A sustentar este pico do rácio está uma conjugação de fatores raramente vista: tensões no Médio Oriente que ameaçam novas crises energéticas, inflação renitente no Ocidente, bancos centrais que hesitam entre combater a subida de preços ou evitar uma recessão, e uma confiança nas moedas fiduciárias cada vez mais débil. É neste clima que o ouro se impõe mais do que nunca como o “porto seguro” do universo financeiro.

A força do ouro reflete um contexto macroeconómico e geopolítico extremamente positivo para os ativos de refúgio seguro, além das preocupações com outros refúgios tradicionais”, refere Matthew Piggott, analista de ouro e prata da Metals Focus, citado pela Reuters.

Um barómetro avançado do medo e do ciclo de risco

No universo acionista, é o rácio Dow/Ouro que ganha estatuto de indicador avançado da bolsa. Calculado pela divisão entre a cotação do histórico índice norte-americano Dow Jones Industrial Average pelo preço do ouro, este rácio funciona historicamente como um sinal do ânimo dos mercados globais e termómetro relativo de rendibilidade de ações versus o ativo de refúgio (ouro).

Assim, quando o rácio Dow/Ouro cresce, revela um ciclo dominado pelo apetite por risco e valorização das bolsas; quando cai abruptamente, mostra uma fuga dos investidores das ações para o ouro, normalmente em contexto de crise, crash ou desconfiança sistémica. Alguns dos grandes episódios económicos e financeiros globais encontram quase sempre eco neste rácio.

Os rácios Ouro/Petróleo e Dow/Ouro são barómetros avançados da ansiedade macroeconómica global. Quando disparam para novos máximos, estão a sinalizar que algo de fundo está a corroer a confiança dos investidores.

É disso exemplo o crash de Wall Street em 1929, com o rácio a colapsar à medida que a bolsa de Nova Iorque cedia e o ouro ganhava protagonismo. O mesmo sucedeu 40 anos depois, no episódio do fim do sistema Bretton Woods e no chamado “choque de Nixon”, em que se assistiu a um forte reajuste de expectativas monetárias globais e valorização do ouro, refletida numa queda significativa do rácio Dow/Ouro.

O mesmo movimento teve também lugar no período da explosão da bolha tecnológica no virar do milénio, que provocou oscilações fortes, designadamente com o ouro a valorizar face à desvalorização das ações; assim como também em 2018, com as crescentes tensões comerciais entre os EUA e a China.

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A leitura do rácio Dow/Ouro permite perceber até que ponto as bolsas estão, ou não, sobrevalorizadas face ao mercado aurífero e qual a propensão dos investidores para assumir risco.

Quando, como agora, o rácio se aproxima de pontos historicamente baixos, assiste-se a uma inversão na preferência de investimento, com fortes entradas no “refúgio seguro” (ouro) e quedas na avaliação relativa dos grandes índices acionistas. Este é precisamente o retrato da conjuntura atual, marcada por receios de correção nas bolsas americanas e europeias, e por dúvidas persistentes sobre a capacidade dos bancos centrais em controlar a inflação sem desencadear uma recessão.

“O ouro ultrapassar os 4.000 dólares não se deve apenas ao medo, mas também à realocação”, explica Charu Chanana, analista do Saxo Capital Markets, citado pela Bloomberg. “Com os dados económicos em pausa e cortes nas taxas de juro no horizonte, as yields reais estão a diminuir, enquanto as ações com forte presença de Inteligência Artificial parecem estar sobrevalorizadas”, refere o analista, sublinhando ainda que “os bancos centrais criaram a base para esta recuperação, mas agora são o retalho e os ETF que estão a impulsionar a próxima fase.”

Ambos os rácios – Ouro/Petróleo e Dow/Ouro – convergem na sua utilidade como barómetros avançados da ansiedade macroeconómica global. Quando disparam para novos máximos, estão a sinalizar que algo de fundo está a corroer a confiança dos investidores: ora é medo de inflação galopante, ora é receio de recessões em cadeia, ora é pura desconfiança nas moedas emitidas pelos governos centrais.

O papel do ouro como “ativo de refúgio” ganha por isso um significado duplo: é a última trincheira do valor quando tudo o resto inspira dúvidas, mas também um sintoma inequívoco de que os mercados vivem sob estado de alerta – e de que os riscos que se perfilam na economia global têm, no mínimo, potencial para endurecer o inverno dos investidores.

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