Senhorios ganham até mais de 4 mil euros no IRS com novas regras. Veja as simulações também para inquilinos
Aumento da dedução com rendas para 900 e 1.000 euros e descida do imposto para proprietários são algumas das medidas que visam aliviar a despesa com imóveis e incentivar a oferta habitacional.
- Na semana de entrega do Orçamento do Estado para 2026 (OE2026), o ECO publica um conjunto de artigos dedicados a áreas-chave da economia e finanças públicas portuguesas.
O plano do Governo para travar a crise da habitação ainda não é conhecido em detalhe nem tão pouco o Governo apresentou o seu impacto orçamental, apesar da insistência do ECO junto do Ministério das Infraestruturas e Habitação e do Ministério das Finanças, mas as linhas gerais já deixam antever que os incentivos fiscais serão muito mais generosos para os senhorios do que para os inquilinos. Tal não surpreende, uma vez que o próprio Executivo admitiu que este programa tem como grande objetivo o lado da oferta, ou seja, que mais senhorios tragam casas para o mercado de arrendamento. E, para tal, carregou nos incentivos fiscais.
A título de exemplo, no caso mais amplo, um senhorio que cobre uma renda de 2.300 euros terá um ganho anual de mais de 4 mil euros com as novas regras, uma vez que a tributação das rendas passará de 25% para 10%.
Entre as medidas anunciadas pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, está a redução do IRS aplicada a proprietários e arrendatários. No caso dos inquilinos, mantém-se a dedução de 15% das rendas, mas o limite máximo sobe dos atuais 700 euros para 900 euros, em 2026, e para 1.000 euros, em 2027, independentemente do valor da renda. Já os senhorios podem beneficiar de uma taxa autónoma de IRS mais baixa, de 10%, em vez dos atuais 25%, em todos os contratos até 2.300 euros mensais.
Falta ainda perceber como estas alterações se articulam com os incentivos já em vigor. O Ministério das Infraestruturas e Habitação não esclareceu, por exemplo, se a redução de IRS para os senhorios se aplicará apenas a novos contratos ou também aos existentes.
De acordo com simulações da consultora Ilya para o ECO, um casal que ganhe quatro mil euros por mês (dois mil euros por pessoa) e que pague uma renda mensal de 600 euros poderá poupar 158 euros anuais em IRS, por via do aumento da dedução à coleta para 900 euros. Já o senhorio desse contrato, se estiver no regime geral, poderá ganhar 1.080 euros, ou seja, quase sete vezes mais. Em vez de pagar 1.800 euros de imposto, o proprietário pagará apenas 720 euros.
Num outro caso, uma família, em que ambos os cônjuges auferem 8.000 euros por mês, isto é, quatro mil euros por contribuinte, com uma renda mensal de 1.500 euros, poderá ganhar mais 200 euros em IRS com a dedução das rendas. Para a mesma situação, o proprietário sai mais beneficiado, já que ao baixar a tributação de 25% para 10%, o senhorio em vez de ter de pagar 4.500 euros apenas terá de entregar ao Fisco 1.800 euros, ou seja, menos 2.700 euros.
Para Luís Nascimento, da Ilya, “900 euros” de dedução à coleta para os inquilinos “é um benefício desproporcionalmente baixo face à dimensão do problema”. O fiscalista lembra que a lei já previa o aumento do teto para 750 euros em 2026, o que torna o ganho efetivo de apenas 150 euros. Além disso, alerta, contribuintes com muitas despesas de saúde ou educação podem nem conseguir usufruir da dedução, por causa dos “limites gerais de deduções à coleta que variam consoante o escalão do IRS em que cada agregado familiar se insere”, acrescenta Serena Cabrita Neto, sócia e coordenadora da área de fiscal da Cuatrecasas, e André Areias, advogado da mesma área.
“Para este limite, concorrem a generalidade das despesas incorridas pelas famílias com encargos de saúde, educação, imóveis, entre outras despesas. Quanto mais alto for o nível de rendimento coletável do agregado familiar, menor será a dedução à coleta, sendo que os contribuintes com rendimento coletável superior a 80 mil euros anuais o montante máximo de deduções à coleta é de mil euros. Se o rendimento coletável se situar entre 8.059 euros e 80 mil euros, o limite máximo da soma das deduções à coleta pode variar entre os mil e os 2.500 euros”, completam os mesmos fiscalistas.
Ou seja, também nos escalões mais altos de rendimento, incluindo a classe média, “a medida poderá não ser sentida de uma forma plena se os limites gerais de deduções à coleta em IRS não forem revistos, sem prejuízos dos impactos positivos automáticos da atualização dos escalões de IRS”, sinalizam Serena Cabrita Neto e André Areias.
O plano de choque do Governo para debelar o problema da habitação ainda levanta muitas dúvidas. Não está claro se o Governo pretende extinguir o regime do Mais Habitação, que reduz as taxas para os senhorios de 25% para 15%, 10% ou 5%, caso os contratos tenham uma duração mínima de cinco, 10 ou 20 anos, respetivamente, nem se os proprietários poderão transitar para o novo modelo se este se revelar mais vantajoso. Confirmado está que o PAA – Programa de Apoio ao Arrendamento (antigo Programa de Arrendamento Acessível) – que promove as rendas 20% abaixo da mediana do concelho e onde estão cerca de 2.700 contratos em Portugal – se mantém nos mesmos moldes.
Há também incerteza sobre o futuro dos contratos de renda acessível, que permitem arrendar casas às autarquias ou ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) com isenção total de IRS e IMI. O Governo já admitiu que o regime será extinto, mas não explicou o que acontecerá aos contratos com renovações automáticas.
O ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz, afirmou que os proprietários que pratiquem rendas pelo menos 20% abaixo do valor mediano do respetivo concelho manterão a isenção de IRS, mas não adiantou quando e como será calculado esse valor mediano. O gabinete do ministro remeteu todos os detalhes para a legislação a apresentar “nas próximas semanas”, o que poderá empurrar a concretização das medidas para depois do Orçamento do Estado.
Desconto no IVA com mais impacto se base for declarações à AT
O alargamento do IVA reduzido na construção também terá impacto na receita arrecadada pelo Estado, embora a abrangência da redução do imposto ainda seja uma incógnita, até porque será necessário perceber como funcionará num empreendimento com tipologias significativamente diferentes, se o limite de 648 mil euros abrange o custo do terreno, os projetos de arquitetura ou despesas com consultoria ou como vai funcionar num edifício que tenha modelos distintos, como oferta habitacional e turística e/ou comércio no piso térreo.
Os fiscalistas Serena Cabrita Neto e André Areias consideram que existem duas opções, entre as quais prever a aplicação imediata da redução do IVA com base nas declarações dos contribuintes (construtor e/ou promotor e ajustar o imposto liquidado a menos quando o imóvel for vendido ou arrendado, caso as condições para o desconto não forem cumpridas. Aí a perda de receita fiscal será “imediata” e a medida “terá maior potencial” para acelerar a descida dos preços das casas, dizem.
Por outro lado, aplicar o corte no IVA só no momento da venda ou arrendamento, após verificar os critérios e através da criação de um regime de restituição do imposto pago em excesso no momento da faturação da construção. “Neste caso, os impactos ao nível da perda de receita fiscal serão diferidos para o momento da venda ou arrendamento, e a medida terá menor capacidade de redução imediata dos preços da habitação, já que os promotores poderão revelar resistência em refletir no preço das casas uma descida do IVA que é condicionada a um evento futuro e a um procedimento de restituição conduzido pela Autoridade Tributária”, explicam os advogados da Cuatrecasas.
A proposta para o novo regime fiscal, que é para vigorar até 2029, constitui um desagravamento, mas a lei já prevê projetos de IVA a 6%, inclusive empreitadas de habitação social ou na Área de Reabilitação Urbana (ARU). No passado, este tema gerou controvérsia e até alterações retroativas, pelo que continua a ser um dos maiores medos das empresas. É por essa razão que a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) apela a que, no OE2026, o Governo elimine a exigência de reabilitação aprovada para obter o IVA a 6% previsto na ARU.
O ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, diz que “o que conta é a transação final”. Ou seja, os promotores imobiliários terão de se comprometer com o Fisco a transacionar até 648 mil euros, no caso das vendas, e 2.300 de euros mensais se for para arrendamento. Caso contrário, a Autoridade Tributária “vai ter chicote na mão” para fazer os pedidos de devolução e terá “a faca e o queijo na mão para controlar o processo”.
Importa ainda realçar, embora a expressão no Orçamento do Estado seja mais residual, a quebra de receita fiscal com as medidas para os investidores que reabilitem ou construam a valores moderados. As propostas pelo Governo — que ainda terão escrutínio do Parlamento — abrangem: isenção do IMT (numa futura venda a terceiros), isenção de IMI até oito anos e redução de 50% a partir do nono ano, isenção do Adicional ao IMI (AIMI) e redução de 25% para 5% na taxa sobre os dividendos de fundo de investimento (como a SIC, sociedades de investimento coletivo) criados para construção até aos tais 648.022 euros.
A versão de 2025 do programa Construir Portugal está dividida em três partes: a primeira para reaproveitamento do património do Estado, a segunda com estas alterações fiscais (e também no licenciamento urbanístico) e a terceira, que será apresentada em dezembro, focada na mediação imobiliária, despejos, heranças indivisas, garantias públicas e novos produtos bancários, contratos build to rent e mudanças no Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e anúncio da Caderneta Digital do Edifício.
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