O regime do horário flexível e o anteprojecto de lei da reforma laboral

  • Mafalda Portugal Faria
  • 17 Outubro 2025

Parece-nos evidente que esta alteração permitirá reverter, ou pelo menos moderar, o entendimento que vem sendo propugnado pelo STJ (e pela CITE).

Nos termos do actual regime do “horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares” – que se encontra em vigor (praticamente sem alterações significativas) desde 2009, ou seja, há mais de 16 anos –, é permitido ao trabalhador com filho menor de 12 anos (ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica) que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, trabalhar em “regime de horário de trabalho flexível”, ou seja, podendo “escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário”. Embora o trabalhador, no final de contas, tenha algum grau de determinação do horário concretamente a cumprir, esse regime ressalva expressamente, e desde sempre, que a elaboração do “horário flexível” se encontra cometida ao empregador (como não poderia deixar de ser tendo em conta os direitos constitucionais à livre iniciativa económica e à liberdade de organização empresarial).

Na prática, verifica-se que os pedidos de horário flexível que acabam por chegar à CITE e aos Tribunais são requeridos habitualmente por trabalhadores que prestam a sua actividade em estabelecimentos que funcionam todos os dias da semana com um período de funcionamento alargado, com o objectivo de forçarem as empresas a conceder-lhes um horário de trabalho fixo, i.e., não só escolhendo as horas de início e fim do período normal de trabalho, bem como os dias de descanso semanais, excluindo-se intencionalmente do trabalho nocturno e/ou do trabalho ao fim-de-semana. É comum estes pedidos de horário flexível representarem grandes constrangimentos para as Empresas, pois bem se sabe que o tempo de trabalho dos colaboradores afectos a este tipo de estabelecimento se organiza habitualmente em regime de turnos rotativos ou horários desfasados igualmente rotativos.

Embora aparentemente simples, a verdade é que este regime do horário flexível para trabalhadores com responsabilidades familiares sempre levantou várias questões (respeitantes quer à génese do próprio direito, quer ao seu procedimento), entre quais se destaca a possibilidade de o trabalhador poder, no seu pedido, precisar um horário de trabalho de tal forma fixo que inclua até a fixação dos dias de descanso semanal desejados.

O tema, amplamente discutido na jurisprudência, acabou por sofrer um ponto de viragem em 2022, quando o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) proferiu, durante esse mesmo ano, três acórdãos, todos eles no sentido de que o trabalhador poderia, no seu pedido, precisar quais os seus dias de descanso semanal. Embora nenhum dos acórdãos seja uniformizador de jurisprudência, a verdade é que, desde então, os nossos Tribunais têm, maioritariamente, acolhido aquele entendimento, evidenciando as dificuldades que as empresas têm vindo a sentir para conseguir recusar legitimamente pedidos de horários flexíveis.

É neste enquadramento que agora se aplaude (de pé!) a proposta de alteração ao regime do horário flexível previsto no Anteprojecto de Lei da reforma da legislação laboral, na qual se prevê que (i) o trabalhador deve passar a apresentar a sua “proposta” de horário (tornando-se este um requisito essencial do pedido do trabalhador), e que (ii) o horário flexível a elaborar pelo empregador se deve ajustar às formas especiais de organização de tempo de trabalho que decorram do período de funcionamento da empresa ou da natureza das funções do trabalhador, nomeadamente em caso de trabalho nocturno ou prestado habitualmente aos fins-de-semana e feriados.

Parece-nos, pois, evidente que esta alteração permitirá reverter, ou pelo menos moderar, o entendimento que vem sendo propugnado pelo STJ (e pela CITE).

  • Mafalda Portugal Faria
  • Advogada da Lisbonlaw

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