Jornada contínua no privado? Na Função Pública já existe e é assim que funciona

No privado, jornada contínua, que permite reduzir intervalo de descanso e, por isso, sair mais cedo do trabalho, depende hoje de negociação coletiva. Ministra admite que fique mesmo na lei laboral.

A (re)introdução da jornada contínua no setor privado é uma das novidades que o Governo deverá acrescentar ao seu anteprojeto de reforma da lei do trabalho. Hoje, já é possível aos trabalhadores fazerem intervalos mais curtos e, assim, saírem mais cedo do trabalho, mas tal depende da negociação coletiva. Já no Estado, a própria lei prevê essa modalidade de horário, que está disponível, por exemplo, para os funcionários públicos com filhos até aos 12 anos.

Foi em julho que o Governo aprovou em Conselho de Ministros e apresentou aos parceiros sociais o anteprojeto que propõe mais de 100 alterações ao Código do Trabalho.

Entretanto, a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, e os parceiros sociais têm feito várias reuniões com vista a afinar esse pacote de mudanças. A governante sinalizou, em entrevista ao Jornal de Negócios, que uma das “pequenas alterações” que serão feitas a esse anteprojeto será a reposição de um “regime de tempo de trabalho que facilite a saída mais cedo” do trabalho, num momento em que se discute o tempo que os pais trabalhadores passam com os filhos.

“É uma novidade que vamos introduzir e que permite, através de uma diminuição do tempo de descanso — o chamado intervalo de descanso, a meio do dia, passar a ser de meia hora –, o trabalhador sair mais cedo”, explicou Palma Ramalho, adiantando que a ideia é que o trabalhador possa poupar até uma hora.

É uma novidade que vamos introduzir e que permite, através de uma diminuição do tempo de descanso — o chamado intervalo de descanso, a meio do dia, passar a ser de meia hora –, o trabalhador sair mais cedo.

Maria do Rosário Palma Ramalho

Ministra do Trabalho

Questionada sobre se esta é uma medida que será especificamente dirigida a quem tem filhos até aos 12 anos, como acontece hoje na Função Pública, a ministra da tutela remeteu para a negociação com os parceiros sociais.

Ainda sem novas reuniões de Concertação Social agendadas — havia uma marcada para 13 de outubro, mas não se concretizou –, importa ver, entretanto, como funciona hoje a jornada contínua na Administração Pública.

Essa possibilidade está prevista na própria Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas como uma das modalidades de horário. Consiste na prestação ininterrupta de trabalho (à exceção de um período máximo de 30 minutos de pausa), que possibilita ao trabalhador sair até uma hora antes.

Mas não está disponível para todos os funcionários públicos. Pode ser adotada nos casos de horários específicos e em situações excecionais, devidamente fundamentadas, como, por exemplo, os seguintes: trabalhadores com filhos até à idade de 12 anos (ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica), trabalhadores adotante, nas mesmas condições dos trabalhadores progenitores, trabalhadores que, substituindo-se aos progenitores, tenham a seu cargo neto com idade inferior a 12 anos, trabalhadores adotantes, tutores ou pessoas a quem foi deferida a confiança judicial ou administrativa do menor, bem como o cônjuge ou a pessoa em união de facto com qualquer daqueles ou com progenitor, desde que viva em comunhão de mesa e habitação com o menor.

Está também prevista para trabalhadores estudantes, bem como caso seja “no interesse do trabalhador, sempre que outras circunstâncias relevantes, devidamente fundamentadas, o justifiquem” ou “no interesse do serviço, quando devidamente fundamentado”.

Mas a lei só prevê a possibilidade de os funcionários públicos adotarem a jornada contínua nestes casos. Ou seja, a adoção efetiva depende sempre da autorização do empregador público, não sendo um direito automático.

O dirigente máximo pode indeferir o requerimento de jornada contínua, nomeadamente, quando haja insuficiência de fundamentação, inexistência de razões objetivas que justifiquem uma redução do tempo normal de trabalho, em situações que se revelem prejudiciais ou inconvenientes para o serviço, entre outras devidamente fundamentadas.

DGES

“O dirigente máximo pode indeferir o requerimento de jornada contínua, nomeadamente, quando haja insuficiência de fundamentação, inexistência de razões objetivas que justifiquem uma redução do tempo normal de trabalho, em situações que se revelem prejudiciais ou inconvenientes para o serviço, entre outras devidamente fundamentadas”, lê-se num explicador publicado pela Direção-Geral do Ensino Superior. A recusa do pedido do trabalhador tem de ser, no entanto, fundamentada.

Em contraste, no que diz respeito ao setor privado, o Código do Trabalho não prevê especificamente a jornada contínua, mas deixa a porta a esta modalidade de horário no âmbito da negociação coletiva.

Em declarações ao ECO, o advogado Gonçalo Pinto Ferreira, da Telles, adianta que, nesse âmbito, há já vários casos de prestação de trabalho durante seis horas seguidas, com uma pausa para refeição mais curta do que o tradicional.

Aliás, o relatório anual de evolução da negociação coletiva em 2024, do Centro de Relações Laborais (CRL), também confirma que no capítulo dedicado à conciliação entre a vida pessoal e profissional, “ocasionalmente, [constam] soluções que admitem a jornada contínua”. É o caso, destaca o Centro, do acordo de empresa da Parques Tejo, bem como do acordo de empresa da Águas de Coimbra.

UGT e empresários não fecham a porta

UGT não chumba (pelo menos, para já) introdução da jornada contínua no Código do Trabalho.
Sérgio Monte, da UGT, fala aos jornalistas após a reunião do Conselho Económico e Social, em Lisboa.

Em reação às declarações da ministra do Trabalho, Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, adianta que “não lhe parece mal” a introdução desta figura, que hoje já existe na negociação coletiva, no Código do Trabalho.”

“Não nos parece mal, mas é preciso saber, por exemplo, em que condições se aplica e se é para toda a gente“, ressalva em conversa com o ECO. O sindicalista diz estar agora a aguardar a proposta concreta (e por escrito) da parte do Governo.

Já Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, assinala que, mais do que uma ou outra medida, “é fundamental a retirada de todo o pacote que assalta direitos e degrada as condições de trabalho, fomenta a precariedade, desregula ainda mais os horários, limita a liberdade individual e coletiva dos trabalhadores, e condiciona direitos essenciais como o da contratação coletiva ou do exercício do direito à greve“.

“Mais do que medidas avulsas, importa olhar a globalidade das medidas e rejeitar o seu sentido pelos efeitos negativos para a vida dos que trabalham e vivem no nosso país“, argumenta o sindicalista, em resposta enviada ao ECO.

A CAP estará disponível para reduzir [o período de descanso] para os 30 minutos, por acordo, desde que salvaguardada a manutenção do atual período normal de trabalho diário e semanal.

CAP

Já do outro lado da mesa, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) realça que a adoção da jornada contínua “pode apresentar vantagens e desvantagens para ambas as partes da relação laboral“. “A CIP mantém-se disponível, com abertura, para abordar esta e outras matérias de forma construtiva, preservando e exponenciando o interesse das empresas. Trata-se de matéria que pode resultar ou não num princípio de acordo”, frisa o diretor-geral, Rafael Rocha, em declarações ao ECO.

Por sua vez, a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) assinala que o contrato coletivo de trabalho por si subscrito “estabelece atualmente um período mínimo de descanso para almoço de 45 minutos”. “A CAP estará disponível para reduzir para os 30 minutos, por acordo, desde que salvaguardada a manutenção do atual período normal de trabalho diário e semanal“, adianta fonte oficial, que insiste que este é um setor que se confronta com uma escassez (persistente) de trabalhadores.

“Num setor onde a escassez de mão-de-obra compromete o potencial produtivo das empresas, quaisquer alterações à legislação laboral deverão sempre assegurar este compromisso”, alerta ainda a CAP.

O ECO questionou também a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) e a Confederação do Turismo de Portugal (CTP). Aguarda ainda resposta da primeira, enquanto a segunda preferiu, para já, não comentar.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Jornada contínua no privado? Na Função Pública já existe e é assim que funciona

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião